Márcio Valley
A delação da JBS evidenciou a gritante diferença no modo de
aplicação do instituto da delação premiada entre a Lava Jato de Brasília e a da
República de Curitiba. Em Brasília, houve a primazia da inteligência no curso
da operação e do sigilo das diligências. O vazamento, quando ocorreu, foi após
a consumação das principais diligências e não antes ou durante, como age Moro,
mais interessado nas repercussões políticas de suas ações do que em produzir
justiça. Segundo analistas políticos, o vazamento possivelmente foi realizado
por algum partidário de Aécio infiltrado na PF ou na PGR, como modo desesperado
de alertar os companheiros de tunga e, assim, permitir a ocultação de provas.
As novas delações, ao lado de provocar talvez o maior
terremoto político da história nacional, desmoralizam o modus operandi da
República de Curitiba. A PGR de Brasília mostra para o Brasil como se faz
investigação com base em delação premiada. Os delatores não foram presos
preventivamente. Suas famílias não foram perseguidas. Não se apreendeu tablet do
neto de ninguém. Não houve necessidade de tortura psicológica. As delações
foram realizadas em sigilo.
Moro e seus seguidores ficam, a partir de agora, com a
brocha na mão; espera-se que tenham a vivacidade de perceber que não há mais
parede para pintar. Como comparar a imensidão corruptiva desvelada pela JBS com
as traquinas, as insignificâncias perseguidas por Moro com tanto ardor? Imóveis
em nome de outros, barquinhos de alumínio, pedalinhos de criança, as tralhas
recebidas de presente por Lula, como continuar essa pantomima farsesca sem cair
cada vez mais fundo no ridículo do judiciário mundial?
A partir da exposição das provas incontestáveis produzidas
na operação JBS, o que dirão, agora, os tolos que propagandearam por anos a
mentira de que Lulinha era o dono da Friboi? Ou de que o PT era a maior organização
criminosa política da história do país? Tal tese implica, primeiro, fechar os
olhos para as provas incontestáveis, produzidas na própria Lava Jato, que
demonstram que a promiscuidade entre empresários e políticos remonta a Cabral.
No máximo, e de forma injusta, pode-se culpar o PT por ter aderido ao modelo ou
não tê-lo impedido, nada além disso. Segundo, importa aquiescer com a ideia
esdrúxula de que personagens secundários, que nem do PT eram (PMDB) ou nem no
governo federal estavam (PSDB), receberam centenas de milhões de reais em
propinas, enquanto o chefe da quadrilha se contentou com um apartamento e um
sítio em nome de terceiros, imóveis, aliás, de classe média, baratos.
Porém, passado o susto inicial, tenta-se equilibrar a
balança política. Para suavizar a situação dos amigos, buscam envolver o PT na
história. O problema é que, em relação ao PT, a Lava Jato de Brasília abdica da
mesma inteligência e eficiência demonstrada quanto a Temer e Aécio. Para
incriminar Lula e Dilma, Janot utiliza a surrada cartilha da República de
Curitiba que deu azo àquela malfada capa de Veja: "Eles sabiam".
Janot, como grande parte dos operadores da Lava Jato, é
antiesquerdista e suas ações são direcionadas para proteção do mesmo modelo de
neoliberalismo admirado por Moro. Para que o projeto prossiga sem percalços, é
preciso destruir a hipótese Lula nas eleições presidenciais, que agora
aparentam estar perigosamente mais próximas.
O padrão de investigação e busca de provas que incriminaram
Temer e Aécio foi de eficiência. Produziram-se provas muito fortes que chegaram
aos próprios acusados, gravados em conversas comprometedoras. "Tem que ser
um que a gente mate antes de fazer delação" diz Aécio Neves em um dos
grampos, referindo-se à pessoa que receberia o dinheiro sujo que ele pediu,
segundo notícia publicada na imprensa. A ser confirmada a notícia, trata-se de
coisa costumeiramente dita por mafiosos e traficantes de droga, não daquilo que
se esperaria de um senador da República.
Esse tipo de prova dificilmente será apresentado no que
concerne à Lula ou Dilma.
As novas acusações contra Lula e Dilma seguem o modelo de
Curitiba: "delator disse isso" e "delator disse aquilo".
Prova material? Nenhuma. Como sempre, só a palavra dos delatores.
Ora, o delator da JBS diz que havia uma conta com milhões de
dólares para Lula e Dilma, o que torna fácil demais a investigação:
apresenta-se o número da conta e solicita-se o extrato da conta. O problema é
que certamente a conta está em nome da própria JBS ou do delator, assim como o
triplex está em nome da OAS. Nesse caso, há que se provar que algum dinheiro da
conta apontada chegou nas mãos de Lula ou de Dilma. Fora isso, a presunção é de
inocência e a acusação, de tão frágil, não deveria sequer ter chegado às
manchetes. Aceitar a palavra do delator, nessas circunstâncias, torna fácil
para qualquer um acusar sem responsabilidade penal pela eventual possibilidade
de mentira: o delator apresenta um bem próprio e diz que ele pertence a Lula ou
a Dilma. Pergunta-se, por que esse modelo de propina somente é utilizado por
Lula e Dilma? Por que os demais corruptos não deixaram o produto da corrupção
em nome dos corruptores? Seria um novo modelo de corrupção superinteligente, no
qual o dinheiro da corrupção nunca sai do patrimônio do corruptor?
Aguardemos o desenrolar das acusações contra Lula e Dilma.
Quanto aos acusados em face dos quais efetivamente existem
provas, Aécio é afastado do Senado, mas não é preso, ainda que sua conduta seja
mais grave do que a do Delcídio (sugerir a morte de testemunha é gravíssimo).
Quanto a isso, o problema é o desequilíbrio no tratamento, mas penso que a
segurança jurídica orienta para a liberdade dos acusados enquanto não houver
condenação transitada em julgado. É o custo dos direitos e garantias
individuais: alguns culpados se beneficiam, mas milhares de inocentes deixam de
ser presos injustamente.
Paralelamente, apesar da gravidade das acusações e da
existência de provas robustas contra si, o vampiro resiste a sair da luz do
sol, o que o fará se queimar cada vez mais. Temer diz que não renuncia e não
renuncia, repete. O que isso significa? Que ele supõe que poderá permanecer no
poder? Claro que não, ele tenta apenas se valer do cargo para se imunizar pelo
tempo que puder. Ao se agarrar à presidência, nos obriga apenas a aturá-lo por
mais uns vinte dias.
Temer é um produto com data de vencimento estabelecida:
entre os dias 6 e 8 de junho ocorrerá o julgamento da impugnação da chapa
Dilma-Temer no TSE. Antes, era dado como certo o desmembramento da chapa para
condenar apenas a Dilma e livrar o Temer. Agora, com esse complicador da JBS, o
julgamento se tornou o meio mais célere e institucional para defenestrá-lo de
Brasília. Os ministros do TSE dificilmente perderão essa chance.
O problema é que, depois, ficaremos com Rodrigo Maia até a
eleição de um presidente para o mandato tampão. Em princípio, eleição indireta,
mas, se o povo pressionar nas ruas, pode ser que aprovem as diretas.
Há os que invocam a hipótese "Volta, querida". Sem
dúvida alguma, a anulação do impeachment e o retorno de Dilma à
presidência seria o melhor caminho, o mais adequado, o mais honesto. Erraram,
pois que consertem o erro e devolvam ao povo a mandatária que escolheram.
Existem ações que visam a declaração de nulidade do processo de impeachment.
Com vontade política, bastaria ao STF pô-las em pauta com a urgência que o caos
político exige e julgar procedente o pedido. Pronto, o vampiro sairia e Dilma
retornaria de forma institucional e constitucional. A chance disso ocorrer,
porém, é próxima do zero. O STF é majoritariamente conservador, antiesquerdista
e, mais do isso, antipetista.
A hipótese mais provável é que Temer seja defenestrado pelo
TSE, no julgamento da chapa Dilma-Temer. Se isso se confirmar, seria a segunda
oportunidade na qual o "glorioso" STF permitiria, em pouco mais de um
ano, que um desqualificado chegue ao mais alto cargo público do país e nele
instale a sua quadrilha. Empossado na presidência provisória, Rodrigo Maia,
filho e genro de políticos da pior estirpe, articulará para ser eleito
indiretamente e, com a caneta na mão, suas chances são grandes. Se não houver rebuliço
nas ruas, provavelmente será eleito. O povo nas ruas, exigindo diretas, é capaz
de mudar esse destino provável.
A possibilidade de eleições direta antecipadas deve estar
deixando Sérgio Moro irritadíssimo com a delação da JBS. Todo o seu calendário,
milimetricamente planejado, pode ter ido para o brejo. Se Temer cair e tiver
eleições diretas ainda esse ano, não haverá tempo para condenar Lula com
decisão definitiva em 2º grau. Como segurar o "sapo barbudo"?
Fazer o quê, né? Shit happens.
Nenhum comentário:
Postar um comentário