*A terra treme*
Mario Sérgio Conti
23.nov.2019 às 2h00
NO MUNDO...
É tanta revolta que, para não esquecer nenhuma, é bom botá-las em ordem
alfabética. Em um mês, houve rebeliões na Argélia, Catalunha, Chile, Colômbia,
Equador, Haiti, Hong Kong, Irã, Iraque e Líbano. Milhões e milhões de pessoas
querem mudar de vida. Agora, e não depois.
Diferentes entre si, os motins têm traços insurrecionais pela duração
(desde fevereiro, Argel fecha para protestos às sextas-feiras), pela
abrangência (em Santiago, mais de um milhão de pessoas participaram de uma
passeata) e pela coragem (centenas de mortos em Teerã e Bagdá).
Na regra, os levantes começaram com demandas particulares que logo se
alastraram. Secundaristas pularam catracas do metrô para se insurgir contra o
aumento das passagens —e em dez dias uma greve geral parou o Chile.
O governo libanês quis impor uma taxa para mensagens de WhatsApp —e 12
dias depois o primeiro ministro se demitiu. O reajuste da gasolina desencadeou
quebra-quebras em Quito. A corrupção alimentou convulsões em Bagdá e Teerã.
As reivindicações foram atendidas e as praças não se aquietaram. A China
voltou atrás na intenção de querer que o Partido Comunista julgasse os
dissidentes de Hong Kong. Mas, como quando da renúncia do presidente argelino,
a contestação só fez aumentar.
Com o quebra-quebra, governo chileno teve que convocar plebiscito
sobre constituinte. No Líbano, a palavra de ordem passou a ser a unidade
nacional, acima das divisões religiosas. O separatismo ganhou força na
Catalunha e em Hong Kong.
É preciso aguardar os desdobramentos para avaliar a insurgência. Dá para
dizer, contudo, que ela lembra as revoluções europeias de 1848 e tem algo da
explosão do stalinismo, em 1989-1991. Parece um segundo momento da Primavera
Árabe de 2011, só que agora em vários cantos do globo.
Embora o seu alcance geográfico seja muito maior, as explosões não
pegaram em cheio os países centrais. Mas, também neles, algo fermenta: coletes
amarelos na França; passeatas pró e contra o brexit na Inglaterra; a greve da
GM nos Estados Unidos.
O que fermenta é a insatisfação com a política apodrecida. Com o status
quo criado pela economia neoliberal. Com a ordem mundial sino-americana. Com a
espoliação de milhões por um punhado de bilionários. O combustível da
turbulência é a desigualdade social.
As multidões sabem o que repudiam. Mas apenas intuem o que querem:
justiça, democracia, igualdade.
Os poderes constituídos têm horror a isso. Sua reação automática foi
cair de pau na plebe rude.
A teocracia tirou a internet do ar no Irã e, segundo a Anistia
Internacional, matou mais de cem. O exército encarcerou dezenas de dissidentes
na Argélia, a começar pela médica Louisa Hanoune. A polícia chilena atirou na
cabecinha e cegou dezenas de insatisfeitos.
JÁ NO BRASIL...
As multidões cantam seus mutilados e mártires. E os bens de vida zelam
para que os pés-rapados não se aposentem nunca, os desempregados sejam taxados
e o agronegócio queime a Amazônia: é cultural, tá oquei?
Bolsonaro vem se armando para enfrentar eventuais revoltas. Pôs 2.500
militares em ministérios e cargos de chefia (Folha de 14/10). Moro quase dobrou
o contingente verde-oliva no Ministério da Justiça; e toda a milicada trabalha
fardada às quartas-feiras.
*Agora, o presidente mandou ao Congresso um projeto de lei que isenta de
punições policiais e militares que, em defesa da lei e da ordem, “cometam
excessos”. Na prática, inocenta previamente soldados e meganhas que cegarem,
aleijarem ou matarem quem protestar contra Bolsonaro.*
Por fim, lançou a Aliança pelo Brasil. Seu manifesto de fundação fala em
“ordem nova”, “degeneração moral” e de “livrar o país dos larápios, dos
espertos, dos demagogos e dos traidores”. É explícito: não usa nunca a palavra
democracia.
A Aliança não precisa disputar as próximas eleições, como admitiu. Seu
objetivo implícito é juntar a banda podre das polícias, do Exército, das
seitas, das milícias e de toda a corja lúmpen numa organização de combate —de
luta ideológica e física, nas ruas.
*Enquanto os bem-pensantes batem papo sobre 2022, e avaliam as chances
de Huck e Haddad, Bolsonaro se prepara. Tem o apoio de empresários e de Guedes,
de moralistas e de Moro, de generais e de Villas Bôas, de pastores e do bispo
Macedo, do “império” e de Trump.*
Continuará a provocar arruaças, a destruir direitos e a solapar as
liberdades públicas. Se a revolta vier e tiver condições, Bolsonaro posará de
salvador da pátria, de Bonaparte. Tentará um golpe.
*Mario Sergio Conti*
*Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".*
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