Por Simone Silva Jardim em 26/08/2014
na edição 813 – Observatório da Imprensa
Andrew Hoskins tem estudado um tema
instigante: a sociedade digital e a ampla a interação e impacto das novas
mídias contemporâneas na formação da memória. Seu trabalho visa entender como
essas novas tecnologias influenciam no lembrar e no esquecer, e como a atual
“compulsão por conectividade” está mudando a forma de vivermos o presente e
entendermos o passado.
Hoskins é professor de Pesquisa
Interdisciplinar da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Glasgow,
Escócia, e fundador e editor-chefe da revista Memory Studies.
Atualmente, lidera o ESRC Google Data Analytics Project, que financia projetos
voltados a demonstrar o potencial de informações e dados públicos disponíveis
na internet para o desenvolvimento de pesquisas sociais e econômicas. Sem seu
livro iMemory: Why the past is all over?, ele propõe uma
reflexão sobre a nova forma de testemunhar e compartilhar o presente através da
cultura do selfie.
De passagem pelo Brasil (ver aqui), Hoskins fez uma apresentação pública
sobre como as tecnologias digitais e a cultura do selfie estão alterando a forma de testemunhar e
compartilhar os acontecimentos atuais, além de fazer reflexões sobre como o que
foi registrado no passado se insere no ambiente virtual. Sua exposição,
realizada durante o8º Fórum de Gestão do Conhecimento, Comunicação e Memória,
uma iniciativa da Aberje, ECA-USP, Grupo de Estudo de Novas Narrativas, Museu
da Pessoa e Memória Votorantim, foi seguida de debate mediado pelo jornalista
Mauro Malin, do Observatório da Imprensa.
“Conectividade
tóxica”
Hoskins tem se dedicado à pesquisa do
que define como iMemory, ou seja, a “memória
digital”, processo de lembrar e registrar as coisas no ambiente das novas
tecnologias, que não tem a mesma permanência das recordações feitas na era pré digital.
“Até tempos atrás, as famílias faziam álbuns de
fotografias reveladas em papel ou vídeos em fitas VHS dos momentos que
consideravam mais importantes. As fotos em papel sobrevivem ao tempo. Já as
gravações dependem, para sua reprodução, de aparelhos que caíram em desuso. De
qualquer forma, essas memórias estão mais seguras, no que diz respeito à sua
armazenagem, que os vídeos e selfies de
hoje, que podem ser facilmente corrompidos ou perdidos no ambiente digital. Sem
contar que atualmente as pessoas estão obcecadas pelo ato de registrar uma
certa imagem. Memória não é registro, e sim, o ato de lhe dar significado.”
Hoskins considera que a compulsão por
conectividade (estar sempre “tuitando” ou postando mensagens nas redes sociais)
e o compartilhamento de selfies (quando a
pessoa tira fotografias dela própria) tem acelerado um processo de esvaziamento
da memória. “O registro via selfies transforma
eventos coletivos em vivências individuais que são exibidas nos perfis pessoais
de cada um, em meio a várias outras imagens, o que acaba banalizando o que
deveria ser um registro da memória. Precisamos encontrar um caminho para que as
mídias e as novas tecnologias digitais fortaleçam a memória e não a deteriorem
ou a façam entrar em declínio.” Hoskins também defende que é preciso dar um
valor adequado ao que classificamos como passado.
“Os mais jovens, e os adultos também, estão
engrossando esse movimento de ‘conectividade tóxica’, que se traduz na
compulsão por gravar e fotografar os momentos que estão vivendo. Pergunto: o
que estão fazendo com essas lembranças e experiências? Esse legado pessoal será
transmitido, naquilo que tem de mais significado, como fizeram seus pais e
avós? As gerações passadas não tinham, como as de hoje, a possibilidade de
distribuição e compartilhamento de suas memórias a um nível praticamente
infinito e inimaginável que a web permite. Em compensação, tinham mais
consciência de que eram arquivos vivos, daí fazerem registros mais seletivos
dos momentos que realmente tinham como importantes em suas vidas.”
Desafio
hercúleo
Hoskins também destacou a audiência
efêmera dos selfies.
“São ao mesmo tempo pegajosos e essencialmente
obsoletos. Sua vida útil é curtíssima. Esse fenômeno parece indicar que não
dominamos nossa memória, que era bem mais ativa no passado. Afinal, hoje
dependemos cada vez menos do que somos capazes de encontrar naturalmente em
nossas lembranças e mais dos mecanismos de busca que as tecnologias digitais
proporcionam.”
As ideias de Hoskins abrem uma boa
discussão. Afinal, vivemos tempos em que as tecnologias e mídias digitais nos
inebriam, a uns mais, a outros menos. O fato é que proporcionam aos nossos
pequenos grandes egos as luzes da ribalta virtual. Para isso, só precisamos
acionar os dispositivos fotografar ou gravar de nossos smartphones e tablets.
De pessoas anônimas em atividades
triviais a eventos que têm o poder de mudar a História, hoje nada escapa das
indiscretas lentes digitais. Em meio a esse turbilhão massacrante de imagens e
breves registros escritos – o sucesso do Twitter com seus 140 caracteres é
emblemático – fica um desafio hercúleo. Manter intacto e sempre fluindo o fio
da memória coletiva e individual no que ela tem de mais significativo e
valioso, o legado de uma geração para outra.
Simone Silva Jardim é jornalista
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