Turma:
Casa da Mãe Joana
Pediram-me para vir aqui e representar
a “gangue” da Casa da Mãe Joana, ser seu orador nesse evento. E aí me pergunto,
falar sobre o que? Sobre o que muitos do que estão aqui já sabem, que o curso
foi um sucesso? Que o pessoal do pedagógico, os docentes e administrativos foram
fantásticos? Que nós aprendemos muito? Saímos mais respeitosos para com o
próximo? É tudo verdade, mas não vou falar sobre isso não. Vou citar uma das
belas metodologias porque passamos e apresentar uma preocupação, que pode estar
passando ao largo, da maioria dos movimentos que lutam por direitos.
O grande barato do curso, é que fomos
apresentados a várias formas de discriminação, a partir da troca de papéis. Eu
tive que representar um juiz que tentava justificar seu auxílio moradia para
uma desempregada, e também fui um pastor conservador que descobria e recebia a
notícia do casamento de seu filho homossexual. Foram várias as situações que
tivemos que passar, “sentir na pele”, o outro lado. Não aquele que estamos
acostumados a defender, mas o que combatemos. Viche...
Na Casa da Mãe Joana, e pelas
apresentações realizadas na aula do sábado, dia 17.12, podemos afirmar que o
curso idealizado a partir da emenda parlamentar da deputada Benedita da Silva, foi
eficiente e eficaz. Paradigmas e preconceitos se desmancharam. Os depoimentos
prestados ao longo do curso, e em especial na última terça, dia 20.12, deixou
claro que, sem qualquer exceção, todos que o iniciaram e o estão encerrando, estão
vendo os seus entornos com um outro olhar. Um olhar mais amigo, um olhar de respeito.
Entendendo, que os Direitos Humanos, vão muito além das mentiras exibidas na Rede
Globo.
Mas o que me animou mesmo a estar aqui
na frente foi a oportunidade de falar de uma prática da qual devemos lutar
muito para manter e melhorar, antes de qualquer outra luta. Falo da prática
democrática, que é muito citada, cantada e atualmente, decantada. Sem termos a
firmeza da prática democrática, qualquer outra luta será para inglês ver.
Àqueles que brigam pelo resultado, acabarão por cansar, mas continuarão na
luta. Já aqueles que dependem da luta para sua sobrevivência pessoal,
continuarão a gritar e a balançar bandeiras que, mesmo que justas, só servirão
a propósitos egoístas.
Nenhuma luta, seja da minoria ou
maioria, produzirá frutos verdadeiros, se buscada em um ambiente não
democrático ou pretensamente democrático, como no Brasil que vivemos hoje, e no
mundo em geral. Quando a democracia passa a ser tratada como mero folclore,
como um faz de conta, quem perde é a sociedade, o cidadão. E quem ganha é a
barbárie, o caos.
Vou citar aqui fragmentos de textos de
dois autores que se preocuparam com essa faceta da democracia, Hobsbawn e
Saramago. O primeiro entre os anos de 2007 e 2009, e o segundo, em uma
entrevista dada em 1993. Ambos, infelizmente, já falecidos.
Hobsbawn nos colocava o seguinte:
Mas aí está precisamente o problema. O ideal da soberania do
mercado não é um complemento à democracia liberal, e sim uma alternativa a ela.
É, na verdade, uma alternativa a todos os tipos de política, pois nega a necessidade
de decisões políticas (...) A política, por conseguinte, continuará. Como
continuaremos a viver em um mundo populista, em que os governos têm de levar em
conta “o povo”, e o povo não pode viver sem os governos, as eleições
democráticas também continuarão. Hoje,
existe um reconhecimento praticamente universal de que elas dão legitimidade e
proporcionam aos governos, paralelamente, um modo convincente de consultar “o
povo” sem necessariamente assumir qualquer compromisso mais completo.
Saramago, mais direto como todo bom
português, nos colocava:
Um dos dramas de nosso tempo é que há um poder – o único poder que
existe no mundo, que é o financeiro – que não é democrático! E as pessoas não
reparam nisto, apesar de estarem sempre a falar de democracia. Tanto mais que
sabemos que os governos, indireta ou diretamente, estão ali para executar
políticas que não são suas.
Cada um, de maneira própria, nos
alertava sobre os perigos da pretensa democracia em que vivíamos no século
passado e que hoje, cada vez mais, se desmancha no ar.
Hoje mais do que nunca, precisamos de
todas as formas de lutas e representações civis, sejam de maiorias ou minorias.
Mas que essas lutas por nossos direitos de escolha, por nossos direitos humanos,
tenham como pano de fundo, o exercício da democracia. Que as decisões tomadas, partam
de práticas democráticas horizontalizadas e não verticais como assistimos hoje.
Ao contrário do Churchill, Saramago
não achava a democracia o menos pior dos sistemas. Mas tinha a certeza que não
era o melhor, e que é nosso papel não nos contentar com isso e inventar alguma
coisa melhor. Também colocava que direitos humanos e globalização econômica, são
incompatíveis.
E para acabar com o sofrimento de
todos, o meu e o de vocês, outra vez abuso do Saramago em outra citação sobre
os diretos humanos: Não nos cansemos à
toa com mais propostas. Tudo está ali. Façam-no. Cumpram-no.
Fora Temer, boa noite e a Luta
Continua!