quarta-feira, 28 de março de 2018

O trem da chegada é o mesmo trem da partida


Tristezas e Alegrias comungam o mesmo espaço e tempo

Em pouco mais de 48h encontrei-me na música “Encontros e Despedidas”, de Milton e Brant. Naquela estação do interior onde, entre a chegada e a partida do trem, sorrisos, vivas e choros. O abraço da chegada e o adeus da partida.

Ao tomar conhecimento do assassinato dos cinco jovens no condomínio Minha Casa Minha Vida, de Itaipuaçu, o Carlos Marighella, tristeza e preocupação tomaram conta de meu corpo. Lembrando Garcia Marquez, mortes anunciadas. Previsíveis neste Brasil envolto no caos e na falta de conhecimento e respeito às leis. Um país onde os criminosos possuem código de conduta e aqueles que deveriam zelar pelas leis e segurança, praticamente, não as respeitam nem possuem quaisquer condutas morais ou éticas. Que fique registrado aqui, existem as exceções nas pontas da corda, mas infelizmente, do lado das pessoas que deveriam ser “do bem”, cada vez menos, por conta do Golpe e seu incentivo ao fascismo.

O que aconteceu no Carlos Marighella poderia ocorrer em qualquer área de empobrecidos do país. Mas em Maricá, a “coisa” torna-se emblemática, pois o município tem se apresentado como o de maior crescimento econômico e gerador de empregos no Estado do Rio de Janeiro. Mas ao contrário do que muitos pensam e comemoram, “Maricá ser uma ilha”, a solução está exatamente em NÃO ser uma ilha. Não nos adianta viver “em prosperidade”, cercados de pobreza e/ou de violência. Como também não nos adianta viver em prosperidade se não tivermos a população empoderada e participativa, em vez de tutelada.

Ainda de cabeça cheia por conta dos assassinatos, vou à formatura das primeiras turmas do Instituto Federal Fluminense, campus avançado Maricá. O trem da chegada, pois o da partida já foi acima.

Vendo aqueles estudantes inflados pelo orgulho, juntos com seus familiares e amigos, igualmente inflados, resolvi “vampirizá-los” tomando emprestado um pouquinho daquela energia de luz e animar-me para o evento. Maricá conseguiu trazer o IFF para o município e, estamos prestes a entregar sua nova sede em Ubatiba, com capacidade para 1200 alunos. E mais: este ano o Ensino Médio/Técnico poderá ser mesclado com o Ensino Superior, um verdadeiro avanço para cidade. Uma grande valia no empoderamento de nossa população. Ensino de qualidade e “gratuito”.

Solenidade bem organizada, só alegria e felicidade dos presentes. Mas o clímax do evento, na minha opinião, foi o fechamento da solenidade, através da fala do Magnífico Reitor Jeferson Azevedo. Não foi uma fala política partidária e/ou eleitoral, e sim, uma fala com muita política, voltada à formação moral e profissional dos estudantes presentes.

O Reitor começou expondo a importância de se ter cursos como IFF no município, pois não só cuidam dos que lá estão, lucra o município como um todo, pois o saber e a formação humanista que acompanham os cursos técnicos espalham-se além dos muros do Instituto. Segundo o Reitor, há um alargamento das fronteiras municipais pelo saber.

Na segunda parte o Reitor fala diretamente aos então já formados. Quase de costas para a plateia, olhando nos olhos de seus ex-estudantes, informa que aquele curso não havia sido “gratuito”, pois cada familiar e demais presentes haviam pago a “mensalidade” do curso. “Cada um dos 14 milhões de desempregados, hoje, no Brasil, também pagou para que vocês estudassem”, disse. Em seguida destacou a importância das escolhas que fariam a partir daquela data, como profissionais e como pessoas; das escolhas que podem dar certo ou errado, devido uma decisão equivocada ou por conta da ganância. Ilustra o discurso com o acidente, hoje esquecido, em Mariana (MG), causado pela mineradora Samarco e fala aos alunos dos milhares de pescadores que ficaram sem seus sustentos por causa da poluição do Rio Doce. “Eles, também, custearam seus estudos”, concluiu. Uma verdadeira aula de cidadania.

Ao encerrar a solenidade, um pouco mais recomposto, fui agradecer o Reitor pelas palavras e pedi um abraço, prontamente, atendido.

A aula do Reitor Jeferson Azevedo deve servir de exemplo para a atuação dos membros do governo junto à população, pois todos temos responsabilidades em aprender e a trocar experiências. Precisamos fazer entender que tudo tem um custo, e este custo é dividido por todos. Vamos alargar nossas fronteiras, dividindo responsabilidades, custos e dividendos.

No dia seguinte, conversando na Secretaria sobre a formatura e a fala do Reitor, Délcio Teobaldo comenta que o teor do discurso segue a mesma linha do raciocínio “leitmotiv” (interdependências sociais) expresso no poema “Moça tomando café”, do poeta modernista Cassiano Ricardo:

Num salão de Paris
a linda moça, de olhar gris,
toma café.
Moça feliz.

Mas a moça não sabe, por quem é,
que há um mar azul, antes da sua xícara de café;
e que há um navio longo antes do mar azul…
E que antes do navio longo há uma terra do Sul;
e antes da terra um porto, em contínuo vaivém,
com guindastes roncando na boca do trem
e botando letreiros nas costas do mar…
E antes do porto um trem madrugador
sobe-desce da serra a gritar, sem parar,
nas carretilhas que zunem de dor…
E antes da serra está o relógio da estação…
Tudo ofegante como um coração
que está sempre chegando, e palpitando assim.
E antes dessa estação se estende o cafezal.
E antes do cafezal está o homem, por fim,
que derrubou sozinho a floresta brutal.
O homem sujo de terra, o lavrador
que dorme rico, a plantação branca de flor,
e acorda pobre no outro dia… (não faz mal)
com a geada negra que queimou o cafezal.
A riqueza é uma noiva, que fazer?
que promete e que falta sem querer…
Chega a vestir-se assim, enfeitada de flor,
na noite branca, que é o seu véu nupcial,
mas vem o sol, queima-lhe o véu,
e a conduz loucamente para o céu
arrancando-a das mãos do lavrador.

Quedê o sertão daqui?
Lavrador derrubou.
Quedê o lavrador?
Está plantando café.
Quedê o café?
Moça bebeu.
Mas a moça, onde está?
Está em Paris.
Moça feliz.

Há braços,

Sérgio Mesquita
Sec. de Ciência, Tecnologia e Comunicações