quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

NÃO PASSARÃO

(...)
Não passarão!
Arde a seara, mas dum simples grão
Nasce o trigal de novo.
Morrem filhos e filhas da nação.
Não morre um povo!
(...)
(Miguel Torga)

Esse texto foi pensado a partir de um momento da história do Sr. Antônio Coutinho. Um Zé Ninguém, não aquele do Wilhelm Reich que se anula perante o sistema, mas naquele que paga por mais de 500 anos de uma existência ainda colonial. Aquele, que por mais que o país tenha avançado socialmente, ainda nos lembra, através de seu suor e fome, que a realidade ainda é dura.
Porém a curta história do Sr. Antônio aconteceu quase que paralela a de outro senhor. Este famoso, sem fome, mas acima de tudo cidadão. Falo do Chico Buarque e dos molequinhos que se acham acima do bem e do mal. Seu Antônio nos comprova a partir de sua dor, que o povo brasileiro ainda é bondoso. Chico, infelizmente, não por ele, mas por aqueles que o confrontaram, mostra o outro lado da moeda. O lado do egoísmo e da ignorância. Do sentimento que mantém o capitalismo vivo, mesmo que incoerente.
De um lado, Sr. Antônio desmaia por conta do calor e fome. Por sorte, em frente ao Recanto do Petisco, em Niterói, do meu amigo e companheiro de décadas de TVE, Gilberto Ribeiro. De imediato socorrido pelo Gilberto, por mim, Marcos de Dios, Rogerinho e pela Sandra, nossa desconhecida que estava em outra mesa, e também percebeu a queda do seu Antônio. De pronto o colocamos mais confortável e Gilberto, de imediato, trouxe uma garrafa de água gelada. Ao identificarmos que o problema era fome, Gilberto trás uma porção de bolinho de feijoada e um mate gelado. Ao abrir a quentinha, o cheiro do quitute toma conta do entorno e, ao senti-lo, seu Antônio abre um sincero sorriso, revelando a falta de muitos de seus dentes. Avisamos para comer devagar e ele sorri. Nesse tempo, Sandra retorna com duas bolsas de compras, com comida para ele levar para casa. Ainda sorrindo, seu Antônio separa mais da metade da poção, colocando-a em um dos sacos de compras e nos avisa: é para os de casa. Levamos seu Antônio até nossa mesa, entregamos nossos trocados para que ele pudesse pagar os dois ônibus para sua casa, e ficamos conversando até que se sentisse melhor para seguir seu caminho, como seguiu. Nos entreolhamos emocionados e voltamos a nossa discussão política.
Do outro lado da baia, outros como nós, possivelmente mais abastados do que nós , aliás... muito mais abastados . Mostraram-se grandes abestados, ignorantes e grosseiros. Não por que pensam diferente de nós. Isso é democracia, é bom. Mas é fato que, a falta de leitura diversificada, a falta de democracia na mídia e a sede de poder de nossa direita escravagista, acabam por transformá-los em ignorantes sem causa. Quase um exército de reserva. Não para trabalhar com salário aviltado, como desejam para o povo, mas para atacar as pessoas nas ruas. Como não sobrevivem aos fatos, só lhes restam à agressão.
Nossa mídia, em especial a Globo, de tanto incentivar a ignorância através de suas manipulações e mentiras, estão conseguindo tirar uma das principais características do povo brasileiro. A sua alegria e solidariedade.
Para eles, do andar de cima, pesa mais a questão da alegria. Sempre foram mais egoístas e focados na obtenção de bens e poder, o mundo foi criado para atender suas necessidades. Para os do andar de baixo, pesa mais o fim da solidariedade. Seja por questões culturais ou de necessidade, a solidariedade no andar de baixo é infinitamente superior ao do andar de cima. Em relação à alegria, perdemos todos, independente do andar.
Uma das grandes características, identificadas por aqueles que nos visitam, está na nossa alegria de viver e no carinho demonstrado pelo abraço fácil e o beijo no rosto. Muitas vezes, motivo de estranheza. Hoje, muito para além do politicamente correto, acabaremos por nos vigiar, mudar nossas vestimentas e tolher nosso sorriso e carinho. Pois àqueles que só se interessam pelo capital, se possível, nos quererão mortos.
O azar desses ignorantes esta na nossa arte e cultura, que insiste no caminho contrário como bem nos guiava Gonzaguinha:
(...)
Somos nós que fazemos a vida
Como der ou puder ou quiser
Sempre desejada
(...)
Eu fico com a pureza da resposta das crianças
É a vida, é bonita, é bonita.

Encerramos o texto desejando a todos ótimas Festas neste findar e começo de ano. E que 2016 venha rico em carinho, alegria e solidariedade.

Marcos de Dios, professor de Filosofia e História, PT-Maricá
Rogério Altameiro, Metroviário, DM PT-Maricá
Sérgio Mesquita, Servidor Público, Sec. Formação PT-Maricá


terça-feira, 22 de dezembro de 2015

UMA PONTE PARA O ABISMO

Começamos este texto com um elogio ao Jornal o Globo. Seu editorial de domingo 13.12, aniversário do AI 5, foi corajoso e sem a sua máscara desgastada por anos e anos de manipulação da informação. Assume que está do lado das Corporações Internacionais e, seu único interesse, é o fatiamento do país como nas Sesmarias do século XVI.
O editorial “Há dinamite de pavio aceso no Orçamento”, página 18, coloca em pratos limpos o que sempre defenderam, um Brasil a la Grécia sem um Syriza e o fim da Constituição de 88. Querem o suprassumo do neoliberalismo, um país onde sua existência é servir as grandes Corporações através do retorno da escravidão (fim dos direitos trabalhistas) e entrega de nossas riquezas naturais com mais privatização (Petrobras e o que FHC não conseguiu ). E internamente, o máximo de poder àqueles que defendem os interesses dos sinhozinhos de além mar.
Elogiamos o editorial, mas fica aqui o aviso à família Marinho: se daqui há 21 anos ou outro tempo, se repetirem o que fizeram com os editoriais de apoio à Ditadura, e começarem a publicarem que “não é bem assim”, “veja bem...”. Que a família vá à ou para merda. Pois confirmariam o seu status de suprassumo da canalhice e falta da ética.
O ponto central do editorial está na questão fiscal e na Constituição de 88, motivo de pesadelos dos adeptos do neoliberalismo. Mas em nenhum momento cita a situação de conjuntura por que passa o mundo desde 2006, apesar da crise ser de 2008, data que a mesma atingiu a classe média americana. O editorial é escrito como se o mundo estivesse em pleno desenvolvimento, sem desemprego, sem fome e o mercado em glória. Para os editorialista do jornal e seus “chicago boys” somente o Brasil está em crise e a culpa é da Dilma.
A questão fiscal chega a ser risível. O Globo sempre foi contra qualquer Reforma Fiscal, Agrária, da Educação entre outras, onde podemos destacar as Reformas da Política e a Regulamentação da Mídia (Comunicação). Mas possuem o descaramento de dizer que o governo não as fez.
Na questão dos impostos não defendem uma nova tabela do IR, e que se mexa no percentual do imposto sobre as heranças. A média nos países ocidentais do primeiro mundo está na casa dos 11% e no Brasil somente 3,86%[i]. Voltando ao IR, além do imposto não ser sobre a renda e sim sobre o salário, sua alíquota máxima é a menor entre 116 países. No governo FHC, em 1995 foi aprovada uma Lei onde os mais ricos se quer pagam o imposto, pois ficaram isentos. Se pagassem, hoje o arrecadado seria próximo a meio ajuste fiscal que não foi aprovado[ii]. Criticam a redução do IPI feita no auge da crise de 2008 e os investimentos (gastos em seus dicionários) em infraestrutura, pois a equação “imposto arrecadado x investimento em obras”, no mundo neoliberal foi negativa,  reduzindo o superávit (que é distribuído entre as Corporações). No mundo da justiça social, gerou empregos, movimentou o mercado interno e permitiu uma melhor redistribuição de renda entre os mais necessitados. Mas nada disso interessa para os donos do capital.
O editorial também critica as verbas carimbadas para Saúde e Educação e a vinculação do salário mínimo à algumas ações de cunhos sociais. No mundo do capital, tudo deve ser privatizado e que o mercado regule os custos com aposentadoria e outros investimento como em educação e justiça social. O que vale é a meritocracia daqueles que mais possuem condição de pagar por seus estudos e saúde.
O cinismo maior vem quanto às críticas ao uso do BNDES em especial, e dos bancos públicos no apoio ao desenvolvimento interno e ao crédito. A Globo abocanhou 284 milhões de reais do BNDES para a Globocabos e através da “contabilidade criativa”, que critica no governo em seu editorial, maquiou outros 305 milhões que seriam sua parcela[iii]. Apesar de a empresa estar com uma dívida de 1,6 bilhões de reais, o governo FHC liberou a operação junto ao BNDES. Quando no governo Lula, essas operações são consideradas lobbies e fraudes, mesmo quando em empresas que estejam em pleno desenvolvimento e gerando empregos, o que não foi o caso da Globo.
Já, em relação à Constituição os golpes são mais baixos e perversos. Como havíamos comentado em outros textos, não estão preparando o Golpe contra a democracia. Na realidade o Golpe já foi dado em 2005 com a quase, se não total, extinção do Estado de Direito. Começou com o resgate da prática nazista do “domínio do fato”, inventada para que Hitler justificasse seus atos contra os negros, ciganos, comunistas, gays e judeus entre outros, no processo do Mensalão. E hoje temos como pérola “o direito existe, mas não é absoluto”, para justificar os atos fascistas da Operação Lava Jato. Duas ações combinadas que jogam no lixo o aprendizado adquirido dentro de uma Faculdade de Direito. Segundo Eros Grau (STF)[iv], o cidadão volta a ser súdito. Dependendo do Juiz e do réu, vale o que está escrito ou, o direito não é absoluto. São esses pontos que põe em risco a Constituição de 88, não são suas verbas “carimbadas” para Educação e Saúde, como já colocado.
Atacar o salário mínimo e a redistribuição de renda é outro sonho das Corporações. Custos menores significam mais lucros e, dinheiro não “jogado fora” significa que irá sobrar mais para o butim e, como consequência, melhores “mesadas” para os seus vassalos de cá.
Trocando em miúdos, o editorial é uma elegia aos fins dos direitos dos cidadãos, pois para eles não somos seres humanos e sim um número em uma planilha. Planilha essa que demonstra que basta o consumo de 20% da população mundial para a manutenção do sistema e suas crises. O restante é peso morto, um fardo inútil que não serve para nada.
Marcos de Dios: Professor de Filosofia e História, PT-Maricá
Rogério Almenteiro Gomes: Metroviário, DM PT-Maricá
Sérgio Mesquita: Servidor Público, Sec. de Formação PT-Maricá


[i] http://economia.ig.com.br/financas/meubolso/2014-06-03/no-brasil-imposto-sobre-heranca-e-um-dos-menores-do-mundo.html
[ii] http://www.cartacapital.com.br/economia/uma-fortuna-de-200-bi-protegida-do-ir-da-pessoa-fisica-3229.html
[iii] http://advivo.com.br/blog/marcos-doniseti/no-governo-fhc-bndes-emprestou-r-284-milhoes-para-a-globo
[iv]No caso que ora cogitamos, esse falso princípio estaria sendo vertido na máxima segundo a qual ‘não há direitos absolutos’. E, tal como tem sido em nosso tempo pronunciada, dessa máxima se faz gazua apta a arrombar toda e qualquer garantia constitucional. Deveras, a cada direito que se alega o juiz responderá que esse direito existe, sim, mas não é absoluto, porquanto não se aplica ao caso. E assim se dá o esvaziamento do quanto construímos ao longo dos séculos para fazer, de súditos, cidadãos. Diante do inquisidor não temos direito. Ou melhor, temos sim, vários, mas como nenhum deles é absoluto, nenhum é reconhecível na oportunidade em que deveria acudir-nos.” (Voto do Ministro Eros Grau no Julgamento do HC 95.009/STF).