segunda-feira, 29 de agosto de 2022

Que sociedade temos e que sociedade queremos...

Antonio Lopes Cordeiro (Toni)
Estatístico e Pesquisador em Gestão Social

Sinto muito orgulho de ter feito parte daquela turma de trabalhadores e trabalhadoras que desciam a Via Anchieta em São Bernardo do Campo, aos domingos de manhã, junto com o meu pai, rumo ao Estádio da Vila Euclides ou ao Paço Municipal, quando o poder militar tomou o Estádio e o Sindicato dos Metalúrgicos. Sinal de muitas lutas.

Desde aquela época para cá muitas coisas aconteceram. Foi criada a CUT e o Partido dos Trabalhadores. O PT governou o país por pelo menos treze anos, sofremos um golpe que derrubou a Presidenta Dilma e o Temer e o genocida atual deixaram o país em trevas.

A partir desse cenário, é utopia sonhar com uma sociedade igual para todos e todas? É possível isso num país capitalista, de condições desiguais, de pessoas de pensamentos e práticas tão diferentes, apenas com algumas reformas? O que fazer para avançarmos nas lutas? Afinal, que sociedade temos e que sociedade queremos?

Toda vez que tento responder perguntas como essas, me pego fazendo uma crítica profunda ao poder e principalmente de quem chega aos mandatos e governos e como se comportam. Num primeiro momento a lembrança que me vem à cabeça é a de Bakunin, pai do Anarquismo, que sugere que todo poder é corrupto por si só, porém como socialista, lutamos a vida toda por uma nova sociedade justa, fraterna e igual para todos e todas, embora não tenha resposta se cabe bolsonaristas nesse novo mundo.

Fico ainda mais inquieto quando ouço Mário Sergio Cortela dizer: “Que o poder foi feito para servir e que todo poder, que ao invés de servir se serve é um poder que não serve”. Ao ouvir isso, fico convencido de que se a gestão, nos partidos, nas instituições, nos mandatos, na sociedade e principalmente no Estado, como concepção ampla, não tiver a participação dos setores envolvidos, com o principal objetivo de enfrentar o processo de desigualdades políticas, sociais e econômicas e todo tipo de violência, buscando soluções viáveis, com ampla participação, gestarão para si, apenas para resolver seus problemas pessoais ou de seus grupos e nada contribuirão para uma nova sociedade.

A utopia de mudar essa sociedade de desiguais, de injustiças e de extremas violências, acaba se tornando uma missão de vida para quem dela se nutre e vai preenchendo nosso imaginário e nos fazendo mirar no futuro, como a razão das nossas existências.

Se for verdade que viemos ao mundo para uma missão como a de servir, também será verdade que se não a identificamos em tempo, ou viemos ao mundo a passeio ou teremos que voltar numa segunda chance, para quem acredita, para fazer o que deveríamos ter feito e não fizemos quando podíamos ou tínhamos as oportunidades.

Como escreveu Paulo Freire no Livro “Essa Escola Chamada Vida”: “Sonho com uma sociedade reinventando-se de baixo para cima, onde as massas populares tenham, na verdade, o direito de ter voz e não apenas o dever de escutar...uma sociedade, onde a exigência de justiça não signifique nenhuma limitação da liberdade e a plenitude da liberdade não signifique nenhuma restrição do dever de justiça”.

Dizem os sábios que quando desejamos muito que algo aconteça e ela se encontra muito distante de acontecer, precisamos focar nas utopias e mirar no horizonte ao pôr do sol para buscarmos sinais e conversarmos com nosso imaginário na esperança de sonharmos ao dormir, como se estivéssemos em pleno estado do desejo. 

Enquanto isso os poetas sugerem que a cada “não” formemos um verso, para quando o “sim” chegar, a poesia esteja pronta, ou quem sabe ainda uma canção que fale de liberdade, de justiça e de amor pela vida, no sentido de enfrentarmos o momento que vivemos, onde o desamor e uma crise de identidade imperam e nossos sonhos sejam a motivação necessária para continuarmos em luta até que a vitória seja plena.

O PROTESTANTISMO BRASILEIRO E A FACE DO ANTICRISTO

Nilson da Silva Júnior 

Minha família é protestante há quase 100 anos. Meu avô aderiu à igreja evangélica nos idos de 40 no norte pioneiro do Paraná. Depois disso estivemos envolvidos em vários setores dela culminando em minha decisão de tornar-me teólogo e pastor. Passei a infância frequentando Escolas Dominicais, ouvindo hinos tradicionais. Na adolescência participei de grupos musicais e do quarteto onde conheci minha esposa. Fui missionário no Centro Oeste brasileiro, Pastor em Igrejas do Estado de São Paulo e Pastor numa Universidade Confessional por quase 9 anos. Como muitos, orgulhei-me de protestantes como Martin Luter king, Nelson Mandela, Rubem Alves. Senti a alegria de ser contado como quem pertencia a uma gente culta e lúcida. Mas o tempo passou até que chegasse o Neopentecostalismo através da pregação de um evangelho que enaltecia a prosperidade financeira como sinal visível da bênção de Deus.

A partir disso conheci um lado rude e distorcido da crença que tanto admirei, o fundamentalismo, o exclusivismo, que somados a motivação de ganhar dinheiro geraram um povo arrogante e mau. Mas enquanto os exageros apenas rodeavam os muros do protestantismo tradicional era fácil prosseguir, até que eles se casaram com a política, numa união instável e imprópria de seu deus com o poder partidário na imagem de um messias tosco, rude e violento. Hoje, infelizmente, é o protestantismo histórico brasileiro que se aliou ao secularismo político frequentando palácios, negociando cargos, trocando direitos civis por barras de ouro, atuando como vassalo servil da falsa moral que se arvorou sobre as cores do nosso país. Os novos concílios eclesiásticos são na verdade encontros políticos que por um lado defendem os interesses de uns poucos líderes, por outro criam armadilhas capazes de expulsar de seu meio os que ainda “têm fome e sede de justiça”. As pregações estão recheadas de moral preconceituosa e insana. Os pastores andam armados defendendo a morte e a banição dos contrários. Prega-se o extermínio aos diferentes e o perigo iminente do comunismo que na mentalidade da nova “mensagem evangélica” ameaça igualar os crentes ricos com os pobres, crentes ou não. Os “crentes de bem” são uma mistura de preconceito e maldade, “sepulcros caiados”, lindos por fora, podres por dentro, a nova versão do jovem rico que ouviu de Cristo: “vai, vende tudo que tem e dá aos pobres” e, por isso saiu de perto, abandonou, preferindo a lonjura desse evangelho. 

Chegamos ao Apocalipse. As bestas vivem soltas por onde quer que andemos. Estão nas redes sociais, nos aplicativos de mensagens, no trabalho, nos púlpitos, mas principalmente nos noticiários. O Cristo chora sangue no Monte das Oliveiras junto de uns poucos que em pânico nem conseguem orar enquanto a “igreja” está nos palácio vendendo o cristianismo por trinta moedas de prata. “O povo está morrendo porque lhe falta o conhecimento”, o sentimento humano está em estado terminal e a instituição religiosa é agora mera organização a serviço de defender seus próprios interesses. Estão os protestantes brasileiros contemporâneos em discordância com a Igreja que servem? Não. Permanecem fiéis ao que seus pastores lhes dizem. São dissonantes, na verdade, do evangelho e do Cristo que aparentemente nada mais tem com a Igreja, deixado de lado por uma gente rompida com o favor divino e seus sinais, misericórdia, partilha, bondade, sabedoria. Um povo que desaprendeu amar, vivendo oposto à imagem do Cristo, de costas à vontade de Deus, enamorado pela face do anticristo.

Rev. Nilson da Silva Júnior.