domingo, 2 de abril de 2023

PENSAR OU NÂO PENSAR, EIS A QUESTÃO

 

Pausar a pesquisa de IA

 

Enquanto adiamos as coisas, a vida passa.

Sêneca

 

Participo de um grupo no WhatsApp, RenaSCidade, criado no HackTown de 2019 na cidade mineira de Santa Rita do Sapucaí, com a intenção de se discutir a cidade e a influência do Hacktown sobre ela, o que aproveitar ou não. Como o grupo começou cheio de “estrangeiros”, como meu exemplo, morador de Maricá, hoje discute o Brasil e o mundo a partir das tecnologias presentes e, principalmente, as por vir. Coisa de malucos belezas, lembrando o Raul Seixas.

 

Neste último mês de março (2023), o que predominou foi a questão da Inteligência Artificial, em especial nas duas últimas semanas, a partir do manifesto que saiu nas redes pedindo pausa nas pesquisas da IA. Assinado por gente do mundo inteiro e ainda em coleta de assinaturas.

 

Participo do quase consenso do grupo, que entende que, mesmo que aconteça um acordo em se realizar uma pausa, ou mesmo a suspensão, as pesquisas continuarão em “segredo de Estado” ou, principalmente, de Estado. Basta lembrar a questão das armas biológicas, denunciada no imbróglio OTAN x Rússia.

 

Meu sogro costumava dizer que o único animal que não prestava no mundo era o humano. O Planeta não sentiria a nossa falta. O que de certo modo, analisando o curto espaço de alguns milhares de anos da nossa existência, acho que o lado negro na Força meio que vem com alguma vantagem. Ao lado da descoberta da penicilina, dos voos espaciais e de muita coisa boa, deparamos com a fome, poluição, má educação, doenças quase que produzidas e mais. As “Big Farms, FinTecs, BigPharm” e outras corporações buscam mais o lucro financeiro do que mitigar (não escrevo resolver), a fome, a distribuição de renda ou a saúde. Quando tomamos ciência, como um dos muitos exemplos que, na maioria das grandes empresas de comunicação, suas diretorias de Jornalismo, são ocupadas por pessoas ligadas ao marketing, alguma coisa não bate. Este deve ser um dos motivos que levaram aos signatários do documento pedindo uma pausa na questão das IAs. Pois está identificado que, mais do que resolver as questões éticas e humanas, a disputa é pelo mercado, pelo lucro rápido, em especial por conta da velocidade exponencial do avanço tecnológico, como bem colocou Dado Schneider no último HackTown em Santa Rita do Sapucaí.

 

A consequência desta linha de pensamento, que busca o lucro rápido e fácil, que cria as sementes suicidas, nossa alimentação transgênica regada por uns 700 venenos agrícolas diferentes, na produção de doenças para vender remédios, ou remédios de curas parciais (olha o marketing mais uma vez), defende o egoísmo e não a solidariedade como modo de vida. É a mesma que incentiva o desenvolvimento da IA, sem se preocupar com as questões éticas e humanas, como bem chama a atenção o professor do INATEL, Marcos Antônio Alberti.

 

Alberti, como eu e outros do RenaSCidade, não acreditamos em uma pausa consensual ou mesmo imposta. Mas acredito, que o “simples” surgimento deste documento, acendeu a luz amarela e publicizou uma discussão até então ainda tímida. Cabe agora não deixar a mesma morrer e, repetindo aqui o mantra que aquecia a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Comunicações de Maricá, entre os anos de 2017 e 2020: “A Tecnologia como ferramenta de resgate de nossas humanidade”. Basta não abrirmos mãos de nossas humanidades, para melhorar e muito a nossa qualidade de vida, que vai muito além das questões financeiras.

 

Quase encerro lembrando a participação da Valéria Brandini, no HackInverno, evento criado pelo RenaSCidade, “on line”, durante a pandemia com o tema: O Brasil tem Futuro?”. Valéria nos lembra que costumamos discutir e avaliar as situações, mas acabamos não apresentando soluções que permitissem as futuras gerações a seguirem avançando. Ela nos lembra que há 200 anos discutíamos que a máquina a vapor iria tirar nossos empregos. Em tempos recentes seriam os robôs, e hoje a IA que segundo Harari, deve criar no mundo a Classe dos Inúteis até 2050. Seguindo com os exemplos colocados por ela, há 70 anos a tela da televisão iria deseducar nossas crianças, hoje são as telas dos celulares. Sempre acabamos nas soluções paliativas, que não impactam na essência do problema, impedindo assim um avanço significativo, para que a próxima geração continuasse avançando. Antes de ouvir a Valéria, em Maricá, quando na Secretaria de Cultura e depois na de C&T, questionávamos: Qual a herança estamos deixando para nossos filhos? Fazíamos a pergunta quando discutindo projetos e, quando aconselhava aos jovens a repetirem a pergunta sempre que ouvissem “a sentença”, de que eles eram o futuro do país.

 

Fato é que devemos dar um pouco mais de atenção as coisas que nos mantém vivos e como seres pensantes. Precisamos dos olhos nos olhos, do nosso tempo para o ócio criativo, de uma qualidade de vida que nos permita o básico. Somente assim poderemos pensar em um mundo mais justo e solidário. Keynes em 1930 escreveu um artigo, “Possibilidades econômicas para nossos netos”, onde meio que previa, dali há 100 anos, que nossa preocupação seria em como gastar nosso dinheiro em nosso tempo livre, em consequência dos avanços tecnológicos e suas propostas econômicas. Em 2015 a ONU lança a Agenda 2030 e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, com ações para serem feitas na prática pelos diversos governos. Faltam 7 anos para os 100 anos do Keynes e para o prazo da Agenda. O mundo avançou?

 

Obrigado RenaSCidade pela existência.

 

Sérgio Mesquita

Servidor Público.