Pausar a pesquisa de IA
Enquanto adiamos as coisas, a vida passa.
Participo
de um grupo no WhatsApp, RenaSCidade, criado no HackTown de 2019 na cidade
mineira de Santa Rita do Sapucaí, com a intenção de se discutir a cidade e a
influência do Hacktown sobre ela, o que aproveitar ou não. Como o grupo começou
cheio de “estrangeiros”, como meu exemplo, morador de Maricá, hoje discute o
Brasil e o mundo a partir das tecnologias presentes e, principalmente, as por
vir. Coisa de malucos belezas, lembrando o Raul Seixas.
Neste
último mês de março (2023), o que predominou foi a questão da Inteligência
Artificial, em especial nas duas últimas semanas, a partir do manifesto que
saiu nas redes pedindo pausa nas pesquisas da IA. Assinado por gente do mundo
inteiro e ainda em coleta de assinaturas.
Participo
do quase consenso do grupo, que entende que, mesmo que aconteça um acordo em se
realizar uma pausa, ou mesmo a suspensão, as pesquisas continuarão em “segredo
de Estado” ou, principalmente, de Estado. Basta lembrar a questão das armas
biológicas, denunciada no imbróglio OTAN x Rússia.
Meu
sogro costumava dizer que o único animal que não prestava no mundo era o
humano. O Planeta não sentiria a nossa falta. O que de certo modo, analisando o
curto espaço de alguns milhares de anos da nossa existência, acho que o lado
negro na Força meio que vem com alguma vantagem. Ao lado da descoberta da
penicilina, dos voos espaciais e de muita coisa boa, deparamos com a fome,
poluição, má educação, doenças quase que produzidas e mais. As “Big Farms,
FinTecs, BigPharm” e outras corporações buscam mais o lucro financeiro do que
mitigar (não escrevo resolver), a fome, a distribuição de renda ou a saúde.
Quando tomamos ciência, como um dos muitos exemplos que, na maioria das grandes
empresas de comunicação, suas diretorias de Jornalismo, são ocupadas por
pessoas ligadas ao marketing, alguma coisa não bate. Este deve ser um dos
motivos que levaram aos signatários do documento pedindo uma pausa na questão
das IAs. Pois está identificado que, mais do que resolver as questões éticas e
humanas, a disputa é pelo mercado, pelo lucro rápido, em especial por conta da
velocidade exponencial do avanço tecnológico, como bem colocou Dado Schneider
no último HackTown em Santa Rita do Sapucaí.
A
consequência desta linha de pensamento, que busca o lucro rápido e fácil, que
cria as sementes suicidas, nossa alimentação transgênica regada por uns 700
venenos agrícolas diferentes, na produção de doenças para vender remédios, ou
remédios de curas parciais (olha o marketing mais uma vez), defende o egoísmo e
não a solidariedade como modo de vida. É a mesma que incentiva o
desenvolvimento da IA, sem se preocupar com as questões éticas e humanas, como
bem chama a atenção o professor do INATEL, Marcos Antônio Alberti.
Alberti,
como eu e outros do RenaSCidade, não acreditamos em uma pausa consensual ou
mesmo imposta. Mas acredito, que o “simples” surgimento deste documento,
acendeu a luz amarela e publicizou uma discussão até então ainda tímida. Cabe
agora não deixar a mesma morrer e, repetindo aqui o mantra que aquecia a
Secretaria de Ciência, Tecnologia e Comunicações de Maricá, entre os anos de
2017 e 2020: “A Tecnologia como ferramenta de resgate de nossas humanidade”.
Basta não abrirmos mãos de nossas humanidades, para melhorar e muito a nossa
qualidade de vida, que vai muito além das questões financeiras.
Quase
encerro lembrando a participação da Valéria Brandini, no HackInverno, evento
criado pelo RenaSCidade, “on line”, durante a pandemia com o tema: O Brasil tem
Futuro?”. Valéria nos lembra que costumamos discutir e avaliar as situações,
mas acabamos não apresentando soluções que permitissem as futuras gerações a
seguirem avançando. Ela nos lembra que há 200 anos discutíamos que a máquina a
vapor iria tirar nossos empregos. Em tempos recentes seriam os robôs, e hoje a
IA que segundo Harari, deve criar no mundo a Classe dos Inúteis até 2050.
Seguindo com os exemplos colocados por ela, há 70 anos a tela da televisão iria
deseducar nossas crianças, hoje são as telas dos celulares. Sempre acabamos nas
soluções paliativas, que não impactam na essência do problema, impedindo assim
um avanço significativo, para que a próxima geração continuasse avançando.
Antes de ouvir a Valéria, em Maricá, quando na Secretaria de Cultura e depois
na de C&T, questionávamos: Qual a herança estamos deixando para nossos
filhos? Fazíamos a pergunta quando discutindo projetos e, quando aconselhava
aos jovens a repetirem a pergunta sempre que ouvissem “a sentença”, de que eles
eram o futuro do país.
Fato
é que devemos dar um pouco mais de atenção as coisas que nos mantém vivos e
como seres pensantes. Precisamos dos olhos nos olhos, do nosso tempo para o
ócio criativo, de uma qualidade de vida que nos permita o básico. Somente assim
poderemos pensar em um mundo mais justo e solidário. Keynes em 1930 escreveu um
artigo, “Possibilidades econômicas para nossos netos”, onde meio que previa,
dali há 100 anos, que nossa preocupação seria em como gastar nosso dinheiro em
nosso tempo livre, em consequência dos avanços tecnológicos e suas propostas
econômicas. Em 2015 a ONU lança a Agenda 2030 e seus 17 Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável, com ações para serem feitas na prática pelos
diversos governos. Faltam 7 anos para os 100 anos do Keynes e para o prazo da
Agenda. O mundo avançou?
Obrigado
RenaSCidade pela existência.
Sérgio
Mesquita
Servidor
Público.