segunda-feira, 6 de novembro de 2023

DEUS SE MANDOU

 

Milly Lacombe Colunista do UOL - 30/10/2023 13h21

https://www.uol.com.br/esporte/colunas/milly-lacombe/2023/10/30/deus-se-mandou.htm

 (...) Não há explicação para que as bombas continuem sendo jogadas sobre inocentes. Quem ainda busca justificar está morto. Anda, fala, come, mastiga, mas morreu. São zumbis, corpos sem vida que pensam apenas em suas convicções macabras e putrefatas. (...)

 Se existe uma entidade cósmica organizadora dessa nossa experiência terrena, se existe um ser superior capaz de testemunhar o que fazemos, Ela talvez tenha desistido da gente. Deus não está morto, como anunciou Nietzsche. Deus vazou. Quem não vazaria?

 Peguemos um recorte curto no tempo: a pandemia. Tínhamos a chance de compreender como estamos ligados uns aos outros. O rapaz lá do outro lado do mundo comeu uma carne crua de alguma coisa, adoeceu e nossa saúde aqui embaixo foi afetada. A minha, a sua, a das pessoas que você ama, a da geral. Como, a partir disso, seguimos falando em saúde privada, em liberdade individual, em "da minha vida cuido eu"?

 Se fôssemos inteligentes teríamos aproveitado a pandemia para aprender que toda saúde é pública. Não há saúde sem ser pública, coletiva, comum. Se não há saúde privada, tampouco existe liberdade individual. Parar de falar besteiras seria o começo da cura de nós mesmos.

 Derrubar patentes, distribuir gratuitamente vacinas para o mundo inteiro, fortalecer sistemas públicos de tudo o que há de importante: saúde, educação, transporte. Alargar o comum, estreitar o privado.

 Fizemos isso? Não, e muito pelo contrário. Saímos da pandemia para mergulhar em duas guerras. Na primeira, bombas caíam sobre corpos muito brancos. O horror. Na segunda, bombas caem sobre corpos nem tão brancos. Segue o jogo.

 As imagens das crianças mortas na faixa de Gaza já estão em seu contexto histórico como retratos de um massacre. Não há atentado terrorista que justifique a carnificina.

 Sim, é preciso condenar sem ressalvas as ações do Hamas. Mil vezes sim. Condenemos todos os que assassinam inocentes sem relativizações, sem reservas, sem condicionantes, sem restrições. Condenemos o Hamas e condenemos Netanyahu. Sintamos repulsa, nojo, ódio, ira por quem mata crianças e suas mães. Sentir vontade de vomitar diante do que estamos vendo é um vestígio de nossas humanidades.

 Não há explicação para que as bombas continuem sendo jogadas sobre inocentes. Quem ainda busca justificar está morto. Anda, fala, come, mastiga, mas morreu. São zumbis, corpos sem vida que pensam apenas em suas convicções macabras e putrefatas.

 A Guerra não é contra um grupo terrorista, seria importante que essa verdade fosse dita abertamente. Não se mata três mil crianças para pegar 100 mil, 200 mil, 500 mil terroristas. Não se mata uma criança. A guerra é por dinheiro. Por armas. Por poder. Por território. Por supremacia.

 De novo. Mais uma vez. Com tudo sabido e estudado. Cá estamos nós, nos matando uns aos outros em nome de uma ideia de superioridade que não existe, nunca existiu, nunca existirá.

 Estamos devastando o planeta e, com isso, nossas chances de seguir existindo. Morreremos de bomba, de seca, de inundação, de calor, de fome, de doenças, de tempestades. Seremos a primeira espécie a se auto extinguir. Uma proeza. E nos achamos tão inteligentes… Não, não somos.

 O planeta florescerá com nossa ausência. Tudo ficará mais bonito. Não haverá mais assassinatos em nome de vaidades. Não haveria mais um sexo superior a outro, uma cor de pele melhor do que outra, uma forma de desejo mais certa do que outra. O planeta se curará dessa infecção chamada humanidade.

 Nessa hora, uma nave estará a caminho de Marte com os Musk, os Bezzo, os sheiks, os Zuckeberg e mais meia dúzia de seres gosmentos. Terão que existir sozinhos, convivendo uns com os outros e lidando com suas vaidades. Durarão meses.

 Há, claro, alternativas a esse cenário de horror. Milhões de pessoas estão nas ruas berrando para que seus governos acordem. Que fique registrado nos autos do Apocalipse que alguns de nós lutaram até o fim.

 Mas, para nos salvar, deveríamos mudar a rota de imediato. Não daqui a pouco, não mais tarde, não amanhã - agora.

 Parar de querer lucrar acima de tudo e de todos, parar de queimar, de devastar, de explorar. Cessar as bombas, sair de terras que não nos pertençam, aprender a conviver. Acho improvável que façamos tantas conciliações. Improvável que nesse mundo tão masculino topemos nos curvar, nos deixar atravessar por compaixão e sentimentos, levemos desaforos para casa sabendo que há uma causa maior do que nossas vidas particulares. Descolonizar nossos pensamentos, nossas almas, nossos espíritos.

 E, quem sabe, se fizermos um pouco, se nos movermos um tico que seja em direção ao comum, ao solidário e ao coletivo, Deus tope voltar e nos dar mais uma chance? Cheia de compaixão, Ela retornará imaginando que talvez tenhamos entendido que "ame o próximo como a ti mesmo" quer na verdade dizer "ama o próximo porque é tu mesmo".

quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Sobre a estreia do show de Chico Buarque em São Paulo

 

Texto do jornalista Luís Nassif

 " Foi o maior show de Chico Buarque que assisti, com a participação majestosa de Mônica Salmaso.

 Foi um reencontro amoroso com o Brasil, através da seleção de composições de várias fases de Chico, cada qual impregnando a história de um público sedento de Brasil, que lotou o teatro.

 Eram milhares de pessoas, órfãs não propriamente de Chico, mas de Brasil, que reagiam entusiasticamente a cada música, como para espantar os demônios que já apossaram do país conspurcando o verde e amarelo com suas caras de zumbis abobados, saindo dos porões do inferno.

Passou pelo show grande parte do repertório intemporal de Chico. Mas o momento mais intenso foi quando Chico e Mônica interpretara “Maninha”, a música que melhor antecipou o que se passaria com o Brasil.

A letra narra a história de dois irmãos, após o abusador ter entrado em suas vidas, a saudade da vida perdida, a esperança de um dia ela ir embora.


Se lembra da fogueira
Se lembra dos balões
Se lembra dos luares dos sertões
A roupa no varal, feriado nacional
E as estrelas salpicadas nas canções

Se lembra quando toda modinha falava de amor
Pois nunca mais cantei, oh maninha
Depois que ele chegou
 
Se lembra da jaqueira
A fruta no capim
Dos sonhos que você contou pra mim
 
Os passos no porão, lembra da assombração
E das almas com perfume de jasmim
 
Se lembra do jardim, oh maninha
Coberto de flor
Pois hoje só dá erva daninha
No chão que ele pisou
 
Se lembra do futuro
Que a gente combinou
Eu era tão criança e ainda sou
Querendo acreditar que o dia vai raiar
Só porque uma cantiga anunciou
 
A me torturar
Que um dia ele vai embora, maninha
Prá nunca mais voltar

Mas não me deixe assim, tão sozinho

 Estava ali, o Brasil que começou a ser ensaiado a partir do “mensalão”, que se consolidou com a Lava Jato, o país do ódio, da destruição do adversário, tratado como inimigo. Até que o abusador tomou conta de tudo, as milícias conquistaram o poder, exterminando doentes, índios e abandonando crianças, destruindo sistemas de ensino, redes de proteção social.

A música aumentou em vários graus a emoção que já cobria a plateia. Não foi necessária nenhuma explicação, nenhum grito de guerra, mas apenas a solidariedade barulhenta de irmãos que se veem libertados do abusador. E, na saída, a dura realidade batendo de volta.

Se um dia ele vai embora, prá nunca mais voltar, não será por agora. O abusador não é a figura caricata, pornográfica de Bolsonaro e seus filhos, da fada madrinha Michele, com suas maçãs envenenadas de manipulações religiosas, nem a bruxa Damares medindo o dedo de curumins enjaulados.

O abusador, agora, está em cada esquina, depois que uma campanha odiosa de mídia abriu as portas dos túmulos, permitindo que os zumbis escapassem das profundezas e invadissem definitivamente a vida brasileira.

É pior que nos tempos da ditadura.

No início da ditadura você encontrava alguns delatores no seu entorno, mas era como se os porões fossem segregados da sociedade, permitindo a honestos pais de família fingir que não ouviam os gritos dos torturados pelos amigos próximos de Bolsonaro.

Agora, não. O espectro do abusador entrou na cabeça da velhinha rezadeira, do ruralista alucinado, normalizou a atuação dos assassinos reunidos em Clubes de Atiradores e Caçadores, transformou jornalistas em delatores – alguns deles, agora, tentando refazer o caminho de volta à civilização. Fez com que a sobrinha pia, que ia todos os domingos na missa, passasse a desejar a morte de esquerdistas, petistas, comunistas ou qualquer ista injetado em sua cabeça. Jogou no mesmo ambiente médicos imbecilizados, arruaceiros de periferia, vocações assassinas esperando a primeira oportunidade para cumprir a sua sina.

Definitivamente, o abusador não foi embora. Será um árduo trabalho empurrá-los de volta ao túmulo, porque não tem cara, não tem RG, é um sentimento amargo, pútrido, plantado por anos na cabeça do país, como um ectoplasma de Freddy Krueger.

Será uma dura caminhada, mas, pelo menos, sabemos o caminho. E as migalhas de pão jogadas pela estrada, para encontrar o caminho da volta, são as canções de Chico, Milton, Caetano, Nelson Cavaquinho, Zé Keti, Angelino de Oliveira, Adoniran.

Afinal, um país que construiu a mais bela música do planeta, haverá de encontrar forças para recuperar as lembranças da fogueiras, dos balões, dos luares dos sertões, e, em um ponto qualquer do futuro, voltar a ter orgulho de si.

sábado, 10 de junho de 2023

EMPREENDEDORISMO SOCIAL E O NOVOS RENASCIMENTOS

 O presente texto é voltado para as companheiras e companheiros do Instituto de Ciência, Tecnologia e Inovação de Maricá – ICTIM, em especial para aqueles e aquelas que trabalham nas três Incubadoras de Inovação Social (em Cultura; Robótica e Sustentabilidade; Tecnologias). Mas vale para o mundo também e compartilharei este texto entre os grupos que participo.

Trata-se de textos retirados do capítulo 12 do livro “Novos Renascimentos: Impactos da Tecnologia na Transformação Completa da Sociedade”, do Prof. Dr. Antônio M. Alberti, do Instituto Nacional de Tecnologia – INATEL, localizado na cidade de Santa Rita do Sapucaí-MG, berço do Vale da Eletrônica Brasileiro. Cidade que também sedia o “HackTown”, que acontece este ano (23), em agosto.

Alberti além de pintor, escultor, músico etc., desenvolveu, entre outras estripulias, uma Internet independente, e faz parte do grupo no Brasil que estuda o 6G, representando o INATEL.

Seu livro pode ser dividido em duas partes: uma mais técnica, porém escrita de maneira para que pessoas “leigas” em TI possam ter ideia do que está sendo exposto. Como por exemplo: tomar ciência que tem maluco estudando programação a partir de mudança da propriedade do “spin”, nos átomos. Loucura, mas houve um tempo em que a Igreja empastelou o laboratório que permitiu a primeira transmissão de rádio do Mundo, realizada pelo padre Roberto Landell em São Paulo, no ano de 1890. Padre Landell disse que poderíamos nos comunicar com pessoas mortas... deu ruim. Em sua segunda parte, a coisa é mais intrigante e puxa pelo cérebro. Filosofia pura onde se discute as possibilidades futuras das aplicações tecnológicas e suas possíveis consequências, todas, por enquanto, ainda de nossas responsabilidades, até que surja a máquina consciente. Discussão também presente no livro.

Vamos ao que acho interessante dividir com o povo das Incubadoras Sociais, que já trabalham bem próximo ao que será exposto aqui.

O capítulo 12, “Novos Renascimentos”, apresenta algumas questões que o autor deixa claro não ter as respostas, mas sim um caminho que poderá ou deveria ser seguido. São três as questões selecionadas: Por que precisamos empreender a mudança? Por que devemos trabalhar o lado humano? Existe empreendedorismo para melhorar o mundo? E uma quarta que é geral, e acho importante colocá-la: A solução é impedir o avanço tecnológico? Vamos aos textos.

Por que precisamos empreender a mudança?

Porque a pandemia de COVID-19 não é o maior desafio que tivemos neste século. Temos que dar o bom exemplo para as IAGs [Inteligência Artificial Generativa]. O mundo está lotado de maus exemplos! Temos problemas importantes de longa data: sustentabilidade, poluição, impactos ambientais, desemprego, crise de relevância, doenças, pandemias, armas químicas, armas biológicas, violência, criminalidade, corrupção, guerras. Como discuti antes, nem precisamos de um levantar das superinteligências para o caos. O mero uso de exército de IAs sem preocupação social e em modelos movidos somente por interesses, sem considerar princípios, já pode ser suficiente para fomentar distopias e cenários apocalípticos. O uso de armas químicas e biológicas. Novas pandemias. Aprisionamento e a perda da liberdade pelo aprisionamento e as distopias tecnológicas. Distopias de todo o tipo. Dominação e manipulação pelos metaversos, monitoramento do físico, proibições, novas roupagens para os modelos velhos.

Por que devemos trabalhar o lado humano?

Creio que os exemplos dados neste livro, ou seja, os desafios e responsabilidades que vêm junto com o empoderamento tecnológico já deixaram que a solução, assim como o problema está no humano em si. Mesmo com o advento das IAGs, são humanos que as irão educar, inspirar e motivar. Pelo menos em um primeiro momento. É claro que no futuro podemos ter IAGs autônomas e conscientes que ajam por conta própria. Mas, até lá são os humanos que devem dar o bom exemplo. Acredito que a liderança criativa, cuidadosa, detalhista, visionária, sistêmica, ética, justa, empática, transparente, livre, amorosa e feliz deve dar o exemplo e puxar a transformação. Só assim os demais seguirão. Temos que oportunizar e emponderar essas lideranças. Formar e torcer para que elas emerjam em todas as cidades de mundo afora.

Existe empreendedorismo para melhorar o mundo?

O empreendedorismo em rede (com suporte de tecnologia, sem cargos, horizontal, cogerido, sistêmico, equilibrado e liderado de forma criativa e situacional) parece ser um dos caminhos. Um empreendedorismo baseado em princípios (e valores) e não puramente em interesse, onde os fins justificam os meios. Um empreendedorismo transparente, onde a máxima “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço” saia de cena [Paulo Freire: quando o discurso e a prática se confundem]. Precisamos viabilizar novos modelos de empreendedorismo. Torná-lo próspero em múltiplas dimensões, inclusive a financeira.

É óbvio que o empreendedor que comprar essa ideia enfrentará todo o tipo de problema e concorrência desleal. Terá que ser próspero financeiramente, mesmo com todas as implicações de executar essa mentalidade e novos modelos. O desafio é enorme. O ganho é comprovar que é possível fazer diferente. Liderar, por exemplo. Tornar-se referência em termos de modelo, mentalidade, cultura e justiça organizacional. A meu ver, implantar uma organização com essas características, de fato (e não só no marketing) vai atrair todos aqueles interessados no trabalho do futuro. Em criar futuros de valor. Vai atrair aqueles que desejam prosperidade, em uma organização que os cure dos traumas dos modelos ultrapassados.

Sempre existe um gap entre o que desejamos e o que de fato fazemos. Podemos desejar a utopia, mas na prática empoderar a distopia, o autocrático, o escasso, o não sistêmico, o desiquilibrado o injusto e até mesmo o antiético. O ser humano é naturalmente dual e limitado. Por mais que desejamos mudança, estamos fadados a recaídas o tempo todo em modelos ultrapassados. Não é nada trivial refazer as conexões neurais para novos modelos e mentalidades. Mesmo que se deseje muito, mudar para o melhor pode ser um esforço fenomenal e lento. Muito, mas muito, mais lento do que o avanço exponencial de nossas tecnologias e seus empoderamentos. Esse gap é o que ameaça a humanidade hoje.

A solução é impedir o avanço tecnológico?

Em um mundo altamente tecnológico, todos são empoderados exponencialmente. Basta alguns mal-intencionados resolverem usar tecnologias extremamente poderosas para o mal e teremos o caos ou a infelicidade total. A solução é impedir o avanço tecnológico? Certamente, não. A história está cheia de exemplos de que isso não funciona. O importante é avançar na conscientização, novos modelos organizacionais e mentalidades positivas, que favoreçam a utopia e não o caos.

_________

Encerro aqui, mas ponho, quem sabe um gosto doce ou amargo em nossas bocas, pois como exposto no livro, depende somente de nós. O livro apresenta várias outras discussões, inclusive da possibilidade de novas espiritualidades e divindades a partir das IAGs e do metaverso... Se liga na encrenca.

Outro ponto importante tocado no livro, está na importância da aplicação das Leis Sistêmicas, por todos e todas. São somente três “artigos”, mas mexem com o nosso universo na busca do equilíbrio. Segundo Edgar O. Wilson, “O verdadeiro problema da humanidade é o seguinte: temos emoções paleolíticas, instituições medievais e tecnologia divina”. São elas

1 – Ordem

Diz respeito à ordem das coisas, à história, ao respeito e a honra ao que já foi feito, a precedência das ações dos atores, ao posicionamento temporal nos sistemas (...). Desonrar a ordem pode levar ao desequilíbrio sistêmico (...).

2 – Pertencimento

Trata-se do direito de pertencer. Pertencer a algo é uma necessidade básica. Todos pertencem aos mais diversos coletivos: famílias, empresas, escolas, bairro, grupos sociais etc. (...).  Não devemos excluir as pessoas nos processos, coletivos e qualquer grupo. Este é um dos maiores desafios da cocriação criativa, da gestão compartilhada, das economias leves, dos novos modelos organizacionais, do empreendedorismo criativo em rede (...).

3- Equilíbrio do Dar e Receber: Reciprocidade

Em todos os relacionamentos estamos sempre dando e recebendo. Sejam carinhos, sejam valores financeiros, sejam entregas, sejam o que for. O desequilíbrio do dar e receber desgasta os relacionamentos (...).

(...) O desequilíbrio sistêmico é ruim para todo o coletivo. As Constelações Sistêmicas são dinâmicas de grupo que buscam resgatar o equilíbrio (...). Max Nolan Shen [79] argumenta que quanto mais equilibrado for um coletivo mais felizes as pessoas serão. E mais, que toda a comunicação deve respeitar as Leis. Ou seja, não deve desrespeitar a ordem, o pertencimento e a reciprocidade. É a chamada Comunicação Afetiva (...).

Há braços.


Sérgio Mesquita
Subsecretário de C&T da Secretaria de Educação de Maricá-RJ

“A Tecnologia como ferramenta de resgate de nossas humanidades”

Mantra da Sec. de Ciência, Tecnologia e Comunicações de Maricá (2017-2020)

domingo, 28 de maio de 2023

INEZ É MORTA. E a democracia brasileira?

 Muito se cita o termo “Inez é morta”, mas muitos não sabem o porquê. Inez de Castro casou-se com D. Pedro I as escondidas do então Rei de Portugal, D. Afonso IV. Pulando etapas, D. Afonso IV manda matar Inez, pois a corte não aceitaria o casamento. O pau quebra entre D. Pedro e o Rei, apaziguado depois pela Rainha. D. Pedro I depois de entronado, faz valer o casamento, e o reconhecimento de seus filhos como príncipes. Mas Inez é morta, e sobrou a lenda da Fonte das Lágrimas, criada pelas lágrimas derramadas por Inez, e as algas avermelhadas nesta mesma fonte, que seriam seu sangue. Mas, Inez é morta.

Assistimos agora no Brasil, o surgimento das verdades, que não eram do desconhecimento de muitos, as verdadeiras farsas que envolveram o Mensalão (Joaquim Barbosa) e a Lava Jato (Moro). Mesmo que na época dos processos tenham sido realizados documentários, publicados livros e revistas que apontavam além dos erros dos processos, a manipulação da verdade, o esconder provas e criar provas falsas. A mídia aliada a classe dominante, somados àqueles que se sentem classe média, foram para as ruas comemorar o golpe e suas etapas. A primeira iniciada em 2005 e fechada em 2012 (Zé Dirce, Genuíno, Pizollato, ...), a segunda iniciada com a Lava Jato e fechada com o impeachment da Dilma, e a derradeira com a prisão do Lula e a eleição do Boso. Agora aparecem as verdades, mas Inez é morta.

Ao contrário de Portugal, que “amenizaram” a morte de Inez, com a lenda de uma fonte de água e o reconhecimento do casamento de D. Pedro I. Aqui em terras tupiniquins, guaranis e outras, o país foi roubado e vilipendiado, teve sua soberania estraçalhada e hoje, fica evidente que nossa tão declamada democracia continua em riscos de futuros golpes.

Estamos nas mãos de um Congresso que me leva a sentir saudades de Antônio Carlos de Magalhães, Roberto Campos, Maciel e outros adversários políticos. Que não tinham lá muito apreço pelo Brasil, mas não eram ignorantes “terraplanistas” e negacionistas, como se apresenta hoje a maioria eleita no Congresso.

Mas não fujamos as nossas responsabilidades, não culpemos só as mídias, a classe média, as manipulações religiosas e àqueles togados que mais cometeram crimes do que fizeram justiça. Temos nossa culpa a expiar. Lembrando Frei Betto, a cabeça pensa onde os pés pisam. Se não voltarmos a pisar na lama e continuar acreditando nos acordos feitos nos carpetes refrigerados do Congresso, o que aconteceu nesta última quinzena de maio de 2023 será a tônica nos próximos anos. E aqui, na nossa bela e cobiçada Maricá, iremos descobrir que não somos uma ilha, quiçá um país.


Sérgio Mesquita
Diretório Municipal do PT-Maricá

domingo, 14 de maio de 2023

O BROWNIE E A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL GERAL

 Lendo o livro “Novos Renascimentos: Impactos da Tecnologia na Transformação Completa da Sociedade”, do Prof. Dr. Antônio M Alberti, do Instituto Nacional de Tecnologia – INATEL, deparo-me na seção 10.2, com o parágrafo abaixo, que compara o aprendizado da IAG com o da IA:

 

Ao invés de extensivamente treinadas (IA) com um conjunto de entrada de testes, as IAGs devem ser educadas. Ou seja, devem ser capazes de utilizar aprendizados anteriores para novos problemas. Como faz uma criança. No futuro, a educação de máquinas será muito mais importante do que o treinamento, argumenta ele (Bem Goertzel). Assim IAGs poderiam a princípio aprender sobre qualquer coisa. Creio que esse é um requisito fundamental para avançarmos em IA.

 

Tá bom Sérgio... e o brownie com essa encrenca?

 

Sempre arrumo problema quando faço os seguintes questionamentos: qual o modelo de sociedade iremos terceirizar para as IAs? Qual o modelo de gente?

 

Hoje, ao contrário do que coloca Goertzel, educar como a uma criança. Alguns “pensadores”, da ultradireita, fascistas, defendem que nossas crianças tenham aula de como fazer “brownies” à aulas de Filosofia, Biologia, Química, História, Artes, Ed. Física e outros absurdos. Como o famoso “Novo Ensino Médio – NEM”, aplicado em alguns estados do Brasil, como em São Paulo.

 

Os seja, muitos dos que defendem as IAs, pensam unicamente em seus lucros, e não no desenvolvimento das sociedades a partir das IAs. Pensam para as crianças uma pedagogia diferenciada daquela que propõe Goertzel para a máquina que, sem forçar muito, é freiriana (P. Freire). Ensinar as máquinas o “exercício da escuta” para que se eduquem/reeduquem, a partir de seus “territórios”, no caso dos ensinamentos que servirão de base para a transformação de seus conhecimentos. É mais ou menos o que Keynes pensava sobre o economista mestre: 1) Ter algum conhecimento de Matemática, Filosofia, Política e ser um estadista; 2) Tocar o abstrato e o concreto em um mesmo voo de pensamento; 3) Saber traduzir símbolos em palavras. Hoje, o que temos depois da segmentação dos saberes, são economistas que não conseguem ligar o sujeito ao predicado, e sequer fazem “brownie”.

 

O sistema fragmentou os saberes, separou os que se complementavam, fazendo valer para o conhecimento a mesma máxima do poder, dividir para governar. A discussão hoje é acabar com o mundo do “ou”, transformando-o no mundo do “e”, como bem coloca Alberti, a inclusão, a transversalidade.  E se realmente queremos um país, uma sociedade avançada, pensante, sem abandonar os estudos e os avanços atuais, devemos refazer o nosso modelo de produção do conhecimento. Rever nossos currículos nas três esferas do aprendizado: Fundamental, Médio e Superior. Talvez assim, poderemos amenizar a grande falta de profissionais que atendam as atuais e futuras demandas, bem como saber como agir de maneira a não tornar párias a maioria da população. Dar uma no cravo e outra na ferradura. Hoje, a tônica é só dar no cravo.

 

Sérgio Mesquita

Subsecretário de C&T na Secretaria de Educação de Maricá-RJ

quarta-feira, 10 de maio de 2023

O Rearranjo das Elites e a derrota dos Militares

 Leonardo Rossato
03.05.23 – O Cafezinho

 

O Brasil tem uma das melhores elites do mundo quando o assunto é autopreservação.

Ninguém está dizendo que as elites brasileiras são boas ou que elas têm qualquer preocupação com o desenvolvimento do país. Muito pelo contrário, inclusive: historicamente, as elites brasileiras sempre contaram com uma massa de cidadãos miseráveis justamente para ter um exército de subservientes ao seu dispor. Isso implica em fazer escolhas completamente prejudiciais para o país em nome dessa autopreservação. O exemplo mais claro nesse sentido é o processo de desindustrialização do Brasil nos últimos 40 anos, acompanhado de uma estagnação geral da produtividade empresarial: nossas elites preferem investir em commodities e em rentismo do que no desenvolvimento empresarial do país. E fazem isso por uma escolha político-econômica: produtividade estagnada implica em salários mais baixos na indústria e é fruto da falta de investimento dos próprios empresários, que no Brasil são historicamente dependentes do governo – não só para investir, mas também para impor barreiras protecionistas aos produtos estrangeiros, em geral mais competitivos que os nosso justamente porque a elite brasileira prefere pagar baixos salários ao invés de investir em produtividade.

É por isso que programas como o Bolsa Família fizeram tanta diferença na realidade das classes mais pobres do país. Em um cenário em que os salários são cronicamente baixos e há pouco ou nenhum incentivo para a educação de qualidade, a transferência direta de renda por parte do governo tem seu efeito amplificado na dinâmica econômica do país. O Brasil tem salários baixos, pouca poupança interna e uma população extremamente endividada. Enquanto isso, nossas elites seguem vivendo de forma nababesca, enaltecendo seu próprio mérito e dizendo que “todo mundo pode chegar lá”, enquanto eles mesmos se encarregam de chutar a escada para que ninguém mais “chegue lá”. A transferência de renda aumenta um pouco essa esperança fugidia que o brasileiro insiste em ter em “melhorar de vida”.

De vez em quando, porém, essas elites brigam entre si. E essas brigas em geral são por poder, ocorrendo quando um grupo invade o espaço do outro. Dois dos grupos mais privilegiados do Brasil, historicamente, são o oficialato militar e o “Judiciário Superior”, que inclui magistratura e Ministério Público, sem desprezar toda uma gama de profissionais de Direito em áreas tão diversas da sociedade quanto os cartórios (como tabeliões) ou as delegacias de polícia (como delegados).

Os militares dispensam apresentações. Desde a Proclamação da República, eles se consideram uma espécie de “Poder Moderador” no país, sempre a serviço das elites. Foi assim durante a República Velha, quando eles observavam de perto as transições de poder entre presidentes paulistas e mineiros. Quando o acordo se quebrou, posicionaram-se rapidamente e passaram a dar suporte a Vargas. Depois, protagonizaram a redemocratização com Dutra e tentaram tutelar o poder de diversas formas, tendo papel crucial em crises como a que ocasionou o suicídio de Vargas e a causada pela renúncia de Jânio Quadros. Quando as elites se sentiram ameaçadas, usaram os militares para deflagrar um golpe de estado e instalar um aparato de repressão que durou mais de vinte anos. E, mesmo na redemocratização, firmaram um acordo com as elites do país para evitar qualquer punição pelos crimes cometidos na ditadura. Quando viram esse acordo em risco, decidiram tomar os espaços de poder novamente para si, usando para isso um enorme aparato de produção de desinformação e, novamente, as elites conservadoras com as quais eles sempre contaram.

Outra parte dessa elite, por sua vez, é o Judiciário. O Judiciário no Brasil sempre foi inchado, mas após a redemocratização, esse inchaço ganhou corpo. Proporcionalmente, o Judiciário brasileiro é o mais oneroso do mundo: em 2020, custava 1,5% do PIB do país. De acordo com o própria OAB, o Brasil tem um advogado para cada 164 habitantes. São 1,3 milhão de pessoas pagando sua anuidade da OAB regularmente. É um número estarrecedor. Mas ainda mais estarrecedor é o número de alunos nas Faculdades de Direito: hoje, temos cerca de 1.800 cursos de graduação em Direito funcionando regularmente, com 700 mil alunos matriculados. Ainda que parte desses alunos não se forme, estamos falando de um ingresso no mercado de profissionais formados em Direito na casa da centena de milhar por ano. E a própria OAB mostra que a média de aprovação nas provas do órgão, que na prática é o que habilita o profissional a exercer a advocacia, gira em torno de 20 a 30%. Isso quer dizer que muitos profissionais formados em Direito nunca vão exercer a profissão, mas vão atuar em outras profissões ligadas ao Direito, especialmente dentro da máquina estatal.

No governo Bolsonaro, os militares tentaram se infiltrar em diversas esferas da sociedade. Conseguiram, em grande medida. O próprio Ministro Dias Toffoli, enquanto Presidente do STF, teve um assessor militar, que depois se tornou Ministro no governo Bolsonaro (o General Fernando Azevedo e Silva). Tivemos militares em ministérios tão diversos como infraestrutura, minas e energia e até na saúde, no meio de uma pandemia. A impressão é a de que os militares estavam em todos os lugares, referendando e dando guarida a um governo fascista.

Esse movimento também chegou ao Judiciário. E começou a incomodar, especialmente quando Bolsonaro tentou influenciar o processo eleitoral, questionando a democracia. Com suporte dos militares, Bolsonaro insistia que as urnas eletrônicas, usadas sem problemas desde a década de 90, não eram seguras. Para piorar, Bolsonaro tinha sérios problemas com o STF à partir do momento em que a instituição começou a colocar limites em sua máquina de difusão de mentiras, através do inquérito das fake News.

Essa briga entre os militares e a cúpula do Judiciário (tem partes do Judiciário bem fiéis ao Bolsonaro, vide Sérgio Moro e amigos) atingiu o seu ápice na eleição de 2022: enquanto Bolsonaro e os militares tentavam sabotar o processo de toda forma, o Judiciário deu uma procuração para Alexandre de Moraes segurar a democracia na unha, impedindo o que seria a maior fraude eleitoral da história do país.

Nesse cenário todo, ressurge um grande protagonista: Lula, um homem do povo que sabe transitar bem entre as elites. Os dois governos dele atestaram essa capacidade de maneira inegável. Mais do que isso: Lula tinha sido perseguido pela parte do Judiciário que se tornou bolsonarista. Isso quer dizer que, para a cúpula do Judiciário, lutar por uma eleição justa significava mais do que a mediação de um processo eleitoral. Com Bolsonaro tentando tomar para si o poder, através do “Judiciário bolsonarista”, a manutenção da democracia era questão de sobrevivência.

Lula entendeu muito bem essa lógica, venceu a eleição, tomou posse, sofreu uma tentativa de golpe e está tentando reconstruir as instituições democráticas do país. Para isso, tem um trunfo: um Judiciário atuante e com disposição de punir os militares bolsonaristas que ultrapassaram os limites da democracia. Para esse processo não virar um justiçamento nos moldes do que o próprio Lula sofreu na Lava Jato, no entanto, os limites estão bem estabelecidos: não serão as instituições que serão punidas, e sim as posturas.

Com isso, Lula tenta separar o joio e o trigo dentro das instituições, ainda que em muitas delas joio e trigo pareçam estar misturados. Lula não quer a punição dos militares: quer a punição dos bolsonaristas dentro da caserna. Não quer a punição do agronegócio como um todo, e sim a dos latifundiários que apoiaram a tentativa de golpe. E o Judiciário parece estar feliz com essa postura. Prova disso é a operação que prendeu Mauro Cid, coronel que era ajudante de ordens de Bolsonaro até cinco meses atrás, e outros auxiliares de Bolsonaro, além de apreender o celular do ex-presidente. Tudo porque Bolsonaro e Mauro Cid fraudaram suas carteiras de vacinação e as carteiras de outros familiares para entrarem nos EUA sem problemas.

E as demais elites, como ficam? Elas estão bem, também. Já se assentaram ao novo arranjo de poder. Bolsonaro vai ficando para trás, e, embora o bolsonarismo siga incomodando (vide o caso do PL 2630, em que as big techs se associaram ao bolsonarismo mais rasteiro para obstruir a pauta), parece cada vez mais certo que essas elites hoje veem Bolsonaro como um nome tóxico, especialmente porque, com Lula, elas estão enxergando maiores oportunidades de inserção brasileira no mercado internacional, em que pese a nossa medíocre competitividade até o momento.

Esse é outro desafio que Lula terá para os próximos anos.

 

domingo, 2 de abril de 2023

PENSAR OU NÂO PENSAR, EIS A QUESTÃO

 

Pausar a pesquisa de IA

 

Enquanto adiamos as coisas, a vida passa.

Sêneca

 

Participo de um grupo no WhatsApp, RenaSCidade, criado no HackTown de 2019 na cidade mineira de Santa Rita do Sapucaí, com a intenção de se discutir a cidade e a influência do Hacktown sobre ela, o que aproveitar ou não. Como o grupo começou cheio de “estrangeiros”, como meu exemplo, morador de Maricá, hoje discute o Brasil e o mundo a partir das tecnologias presentes e, principalmente, as por vir. Coisa de malucos belezas, lembrando o Raul Seixas.

 

Neste último mês de março (2023), o que predominou foi a questão da Inteligência Artificial, em especial nas duas últimas semanas, a partir do manifesto que saiu nas redes pedindo pausa nas pesquisas da IA. Assinado por gente do mundo inteiro e ainda em coleta de assinaturas.

 

Participo do quase consenso do grupo, que entende que, mesmo que aconteça um acordo em se realizar uma pausa, ou mesmo a suspensão, as pesquisas continuarão em “segredo de Estado” ou, principalmente, de Estado. Basta lembrar a questão das armas biológicas, denunciada no imbróglio OTAN x Rússia.

 

Meu sogro costumava dizer que o único animal que não prestava no mundo era o humano. O Planeta não sentiria a nossa falta. O que de certo modo, analisando o curto espaço de alguns milhares de anos da nossa existência, acho que o lado negro na Força meio que vem com alguma vantagem. Ao lado da descoberta da penicilina, dos voos espaciais e de muita coisa boa, deparamos com a fome, poluição, má educação, doenças quase que produzidas e mais. As “Big Farms, FinTecs, BigPharm” e outras corporações buscam mais o lucro financeiro do que mitigar (não escrevo resolver), a fome, a distribuição de renda ou a saúde. Quando tomamos ciência, como um dos muitos exemplos que, na maioria das grandes empresas de comunicação, suas diretorias de Jornalismo, são ocupadas por pessoas ligadas ao marketing, alguma coisa não bate. Este deve ser um dos motivos que levaram aos signatários do documento pedindo uma pausa na questão das IAs. Pois está identificado que, mais do que resolver as questões éticas e humanas, a disputa é pelo mercado, pelo lucro rápido, em especial por conta da velocidade exponencial do avanço tecnológico, como bem colocou Dado Schneider no último HackTown em Santa Rita do Sapucaí.

 

A consequência desta linha de pensamento, que busca o lucro rápido e fácil, que cria as sementes suicidas, nossa alimentação transgênica regada por uns 700 venenos agrícolas diferentes, na produção de doenças para vender remédios, ou remédios de curas parciais (olha o marketing mais uma vez), defende o egoísmo e não a solidariedade como modo de vida. É a mesma que incentiva o desenvolvimento da IA, sem se preocupar com as questões éticas e humanas, como bem chama a atenção o professor do INATEL, Marcos Antônio Alberti.

 

Alberti, como eu e outros do RenaSCidade, não acreditamos em uma pausa consensual ou mesmo imposta. Mas acredito, que o “simples” surgimento deste documento, acendeu a luz amarela e publicizou uma discussão até então ainda tímida. Cabe agora não deixar a mesma morrer e, repetindo aqui o mantra que aquecia a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Comunicações de Maricá, entre os anos de 2017 e 2020: “A Tecnologia como ferramenta de resgate de nossas humanidade”. Basta não abrirmos mãos de nossas humanidades, para melhorar e muito a nossa qualidade de vida, que vai muito além das questões financeiras.

 

Quase encerro lembrando a participação da Valéria Brandini, no HackInverno, evento criado pelo RenaSCidade, “on line”, durante a pandemia com o tema: O Brasil tem Futuro?”. Valéria nos lembra que costumamos discutir e avaliar as situações, mas acabamos não apresentando soluções que permitissem as futuras gerações a seguirem avançando. Ela nos lembra que há 200 anos discutíamos que a máquina a vapor iria tirar nossos empregos. Em tempos recentes seriam os robôs, e hoje a IA que segundo Harari, deve criar no mundo a Classe dos Inúteis até 2050. Seguindo com os exemplos colocados por ela, há 70 anos a tela da televisão iria deseducar nossas crianças, hoje são as telas dos celulares. Sempre acabamos nas soluções paliativas, que não impactam na essência do problema, impedindo assim um avanço significativo, para que a próxima geração continuasse avançando. Antes de ouvir a Valéria, em Maricá, quando na Secretaria de Cultura e depois na de C&T, questionávamos: Qual a herança estamos deixando para nossos filhos? Fazíamos a pergunta quando discutindo projetos e, quando aconselhava aos jovens a repetirem a pergunta sempre que ouvissem “a sentença”, de que eles eram o futuro do país.

 

Fato é que devemos dar um pouco mais de atenção as coisas que nos mantém vivos e como seres pensantes. Precisamos dos olhos nos olhos, do nosso tempo para o ócio criativo, de uma qualidade de vida que nos permita o básico. Somente assim poderemos pensar em um mundo mais justo e solidário. Keynes em 1930 escreveu um artigo, “Possibilidades econômicas para nossos netos”, onde meio que previa, dali há 100 anos, que nossa preocupação seria em como gastar nosso dinheiro em nosso tempo livre, em consequência dos avanços tecnológicos e suas propostas econômicas. Em 2015 a ONU lança a Agenda 2030 e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, com ações para serem feitas na prática pelos diversos governos. Faltam 7 anos para os 100 anos do Keynes e para o prazo da Agenda. O mundo avançou?

 

Obrigado RenaSCidade pela existência.

 

Sérgio Mesquita

Servidor Público.

domingo, 26 de março de 2023

Advertência póstuma do filósofo Zygmunt Bauman

 Por: Revista Prosa Verso e Arte 07/19/2017

 Ensaios póstumos do pensador analisam a busca da utopia em um passado idealizado

– por Antonio Pita – El País/Madri

 Você já reparou que os filmes e romances de ficção científica são classificados com uma frequência cada vez maior nas seções de cinema de terror e de literatura gótica, ou seja, em um futuro tenebroso no qual ninguém gostaria de viver? Pode parecer algo irrelevante, mas para Zygmunt Bauman, um dos pensadores mais influentes do século XX, é o reflexo de que começamos a buscar a utopia em um passado idealizado, uma vez que o futuro deixou de ser sinônimo de esperança e progresso para se tornar o lugar sobre o qual projetamos nossas apreensões. O sociólogo e filósofo polonês deixou desenvolvida essa tese da retrotopia (a busca da utopia no passado) em dois escritos, os primeiros traduzidos ao espanhol depois de sua morte, em janeiro, aos 91 anos. São o ensaio Retrotopia (Retrotopia) e o texto Symptoms in Search of an Object and a Name (Sintomas em Busca de um Objeto e de um Nome) parte de uma obra coletiva sobre o estado da democracia, The Big Regression (O Grande Retrocesso), que chega às livrarias espanholas no dia 27 e reúne nomes como Slavoj Žižek, Nancy Fraser e Eva Illouz.

 “O futuro é, em princípio ao menos, moldável, mas o passado é sólido, maciço e inapelavelmente fixo. No entanto, na prática da política da memória futuro e passado intercambiaram suas respectivas atitudes”, aponta. Bauman fala sobre medos como o de perder o emprego, do multiculturalismo, de que nossos filhos herdem uma vida precária, de que nossas habilidades de trabalho se tornem irrelevantes porque os robôs saberão fazer –melhor e mais barato– o nosso trabalho. Em suma, medo porque tudo o que era sólido agora é “líquido”, usando o adjetivo que popularizou Bauman.

 “Existe uma brecha crescente entre o que precisa ser feito e o que pode ser feito, o que realmente importa e o que conta para aqueles que fazem e desfazem, entre o que acontece e o que é desejável”, aponta. Bauman argumenta que voltamos à tribo, ao seio materno, ao mundo cruel descrito por Hobbes para justificar a necessidade do Leviatã (o Estado forte para evitar a guerra de todos contra todos) e a desigualdade mais gritante, na qual “o ‘outro’ é uma ameaça” e “a solidariedade parece uma espécie de armadilha traiçoeira ao ingênuo, ao incrédulo, ao tolo e ao frívolo”“O objetivo já não é conseguir uma sociedade melhor, pois melhorá-la é uma esperança vã sob todos os efeitos, mas melhorar a própria posição individual dentro dessa sociedade tão essencial e definitivamente incorrigível”, lamenta. A filósofa Marina Garcés, professora da Universidade de Zaragoza, elogia a capacidade de Bauman para “assumir o fim do pensamento utópico e suas consequências”“Ele não pretende nos enganar com novas e falsas promessas de futuro, mas tenta entender o que está acontecendo depois da era das revoluções e suas várias derrotas”, afirma.

 Pensador de inspiração marxista, Bauman cita algumas vezes o filósofo alemão em Retrotopia, ataca o chamariz da sociedade de consumo de massa e não renuncia à análise científica das contradições do capitalismo, mas também “recorre a outras ferramentas” para oferecer “uma visão em grande-angular”, explica o catedrático de filosofia da Universidade de Barcelona e deputado socialista Manuel Cruz. “A ideia de que a materialização da utopia foi perdida é um zumbido no pensamento do século XX”, mas “na obra de Bauman há um esforço para reconhecer o novo que traz ‘o novo’”“Os pensadores que agora consideramos que representaram uma revolução foram recebidos com um ‘isso nós já sabíamos’. É preciso tempo para que a sociedade entenda o que tinham de novidade”, comenta.

 Nos dois textos póstumos o filósofo apresenta um desafio e uma –abstrata e pouco desenvolvida– resposta. O desafio é “conceber –pela primeira vez na história humana– uma integração sem separação alguma à qual recorrer”. Até agora, argumenta, o que funcionou é a divisão entre ‘nós’ e ‘eles’, e continuamos empenhados a buscar um ‘eles’, “de preferência no estrangeiro de sempre, inconfundível e irremediavelmente hostil, sempre útil para reforçar identidades, traçar fronteiras e construir muros”. No entanto, essa dicotomia histórica “não se encaixa” com a “emergente ‘situação cosmopolita’”. Qual é, então, a única resposta possível? “A capacidade para dialogar”, conclui Bauman depois de citar de forma elogiosa o papa Francisco.

 Garcés se diz “surpresa” tanto pela chamada ao diálogo (“de quem com quem?”, pergunta) quanto pela invocação da figura do Papa. “Acredito que é um pedido de socorro” de um Bauman que “tenta desenhar um cenário para a palavra compartilhada” porque sabe que “já não há soluções parciais para nenhum dos problemas do nosso tempo”. É a advertência final do pensador polonês: “Devemos nos preparar para um longo período que será marcado por mais perguntas do que respostas e por mais problemas do que soluções. (…) Estamos (mais do que nunca antes na história) em uma situação de verdadeiro dilema: ou damos as mãos ou nos juntamos ao cortejo fúnebre do nosso próprio enterro em uma mesma e colossal vala comum”.

 ANTIDEPRESSIVOS E CEGUEIRA

A partir de seu posto de professor em Leeds (Inglaterra), Bauman teria podido lançar um olhar complacente ao presente, depois de ter vivido a invasão nazista de seu país, a Segunda Guerra Mundial na frente de batalha, o antissemitismo e os expurgos na Polônia comunista. Em vez disso, sua análise em Retrotopia é taxativa: “É praticamente inevitável que respiremos uma atmosfera de desassossego, confusão e ansiedade e a vida seja qualquer coisa menos agradável, reconfortante e gratificante”. Nesse contexto, os cada vez mais consumidos tranquilizantes e antidepressivos proporcionam alívio, mas também “contribuem para cegar os próprios seres humanos em relação à natureza real do seu padecimento em vez de ajudar a erradicar as raízes do problema”.

 Fonte: El País Brasil

 

sexta-feira, 3 de março de 2023

A HUMANIDADE EM QUESTÃO - EDITORIAL DO GLOBO E O FOCO EM SEU UMBIGO, COMO UM IDIOTA

 

Neoliberalismo, monocultura, padronização
O aquecimento global já não é ficção
Movidos pelo lucro, a vaidade e o poder
Homens mortos pelo ego antes de nascer

 

Forfun

Banda de rock alternativo (2001-2015)

 

 

 Nos tempos da Grécia Antiga, Atenas com a sua democracia em processo de desenvolvimento e questionamento, por ser sectária, “politiko”, era aquele morador que participa da vida comum da cidade, que frequentava a Ágora, praça onde o povo discutia a cidade. Em oposição ao “politiko”, tínhamos/temos o “idiota”, que é aquele que só pensa em si, só olha o próprio umbigo.

Ser “idiota”, é o papel que se presta uma das maiores empresas de comunicação do Brasil, que em editorial de seu jornal (03.03), questiona o posicionamento do Governo Federal, em relação ao que fazer com os lucros da Petrobras. Questionamento que, não pode e não deve causar surpresa em ninguém neste Brasil. Pois a mais leve pesquisa nos editoriais e manchetes deste jornal, deixará patente que sua linha de pensamento é a mesma desde os anos cinquenta do século passado. Sempre idiotas.

Em ordem cronológica decrescente, temos alguns exemplos das atuações das empresas ligadas ao grupo, sempre dentro de um mesmo padrão, contrária ao grosso da população e sempre favorável aos poucos ricos locais, ou representantes dos ricos de alhures. Pois senão vejamos:


·        Apoio irrestrito à eleição do Bolsonaro;

·        O Golpe iniciado em 2005 com o “Mensalão” e suas fases posteriores - as condenações de Dirceu e companhia, sem provas - o golpe em Dilma - a farsa das acusações e a prisão do Lula;

·        Eleição do Collor e a farsa do caçador de marajás;

·        O apoio ao desmanche do capítulo da comunicação na Constituição de 1988;

·        Posicionamento contrário ao movimento das Diretas Já;

·        Apoio ao Golpe civil militar de 1964 que assassinou, sequestrou e prendeu àqueles que lutaram pela restauração da democracia;

·        As “fakes news” contra o Governo Vargas, levando-o ao suicídio;

·        Campanha contra o “Petróleo é Nosso” e a criação da PETROBRAS.

 

São, pelo menos, 70 anos de manipulações contra a existência da Petrobras e, enquanto não conseguirem sua privatização, que ela alimente, exclusivamente, as contas de seus acionistas em seus paraísos.

Até antes do golpista Temer assumir a presidência, após o golpe de 2016 contra Dilma, parte do “lucro” da Petrobras era direcionado, investido, nas questões sociais e culturais, entre outras ações. Outra parte, investida em pesquisa na busca de uma melhor ação e produtividade na questão da extração, refino e distribuição do petróleo (pré sal), ainda outra no desenvolvimento de novas formas de energia renováveis e, claro, uma distribuição de seu lucro entre seus funcionários (PL) e acionistas.

Aqui em Maricá, por exemplo, com a construção do COMPERJ (obra paralisada pelas ações criminosas do Moro, Dallagnol e suas trupes, com apoio da mesma mídia), foi uma das cidades beneficiadas por parte deste lucro, direcionado como contrapartidas. Um dos exemplos foram as ações de urbanismo no bairro de Itaipuaçu, outro exemplo foi a possibilidade de reflorestamento das matas ciliares dos rios que cortam o Município, com alguns milhares de mudas nativas, que seriam plantadas pela Petrobras ao logo das margens destes rios, sem quaisquer custos para os proprietários das terras cortadas por estes rios. O emissário e a rede de coleta de esgoto, que também faziam parte das contrapartidas. Tudo paralisado por conta dos crimes da Lava Jato. E para aqueles municípios impactados diretamente pela extração do petróleo, os “royalties”. Ações consideradas nefastas para aqueles que só se preocupam com seus umbigos, os idiotas.

Pior do que se posicionarem despreocupadamente com a fome, desemprego e a desestruturação da infraestrutura do Brasil, é ainda “ameaçar” o governo com a queda da popularidade de seu presidente, Lula. Queda esta que sabemos poder ser manipulada, pois os mesmos, possuem uma larga experiencia na manipulação da informação, consequência da total desregulamentação das mídias e redes sociais. Preferem o vale tudo, pois se beneficiam politicamente e, especialmente, financeiramente, o cerne da questão.

O que realmente estão querendo passar ao Governo, com este tipo de editorial? Um aviso explícito, de que podem contribuir com mais um golpe contra a soberania e o povo brasileiro?


Há braços,
Sérgio Mesquita

 

Transformar em imperdoável o que hoje é aceitável.

Délcio Teobaldo

 

Gruvi Quântico

Forfun

 

Um mergulho no céu estrelado
Banho frio mantém relaxado
Olha só o relevo, que montanha linda!
Limonada gelada no almoço
Mil beijos com amor no pescoço
Quando se manifesta a beleza dessa vida

Embriagada no egoísmo que lhe embaça a visão
A humanidade enxerga a vida como competição
O concreto toma conta do que era verde
Desequilíbrio, miséria, fome e sede
Essa lógica corrói os seres humanos
Fode o planeta e seus recursos naturais
Ignora o fato da existência de outros planos
E nos afasta de avanços espirituais

Luz, preencha todo o meu ser
E mostre o que podemos ver
Além do que é material, se encontra a alegria
Flui, em tudo uma força maior
Que cria e muda pra melhor
Que só quer ver você dançar
Em sintonia

Criançada na rua brincando
Seu quadril segue um mantra dançando
O barulho da chuva que te lava a alma
Um sorriso, um brinde, um abraço
Gratidão, peito aberto no espaço
Quando a mãe natureza te devolve à calma

Neoliberalismo, monocultura, padronização
O aquecimento global já não é ficção
Movidos pelo lucro, a vaidade e o poder
Homens mortos pelo ego antes de nascer
Na nova era chega à Terra a nova concepção
Respiro fundo, fecho os olhos, de pé permaneço
Abro ao cosmos as janelas do meu coração
Entrego, confio, aceito e agradeço

Luz, preencha todo o meu ser
E mostre o que podemos ver
Além do que é material, se encontra a alegria
Fé! Ô Jah, eu vou seguir com Fé!
Fluindo na força maior
Que cria e muda pra melhor
Em sintonia

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Uma nova classe de pessoas deve surgir até 2050: a dos inúteis

 

“Uma nova classe de pessoas deve surgir até 2050: a dos inúteis”

Yuval Noah Harari

 

“São pessoas que não serão apenas desempregadas, mas que não serão empregáveis”, diz o historiador.

Por A Soma de Todos Afetos -

 

Especialistas e historiadores como Yuval Noah Harari há muito vêm prevendo que as máquinas tornariam os trabalhadores redundantes. Esse momento já pode estar aqui. Mas o que isso traz de ruim?

 

Em artigo publicado no The Guardian, intitulado O Significado da Vida em um Mundo sem Trabalho, o escritor comenta sobre uma nova classe de pessoas que deve surgir até 2050: a dos inúteis. “São pessoas que não serão apenas desempregadas, mas que não serão empregáveis”, diz o historiador.

 

“A questão mais importante na economia do século 21 pode muito bem ser: o que devemos fazer com todas as pessoas supérfluas, uma vez que temos algoritmos não-conscientes altamente inteligentes que podem fazer quase tudo melhor que os humanos?”

 

“A maioria das crianças que atualmente aprendem na escola provavelmente será irrelevante quando chegar aos 40 anos.”

 

De acordo com Harari, esse grupo poderá acabar sendo alimentado por um sistema de renda básica universal. A grande questão então será como manter esses indivíduos satisfeitos e ocupados. “As pessoas devem se envolver em atividades com algum propósito. Caso contrário, irão enlouquecer. Afinal, o que a classe inútil irá fazer o dia todo?”.

 

O professor sugere que os games de realidade virtual poderão ser uma das soluções e faz um paralelo com costumes antigos, que, segundo ele, teve propósito semelhante:

 

“Na verdade, essa é uma solução muito antiga. Por centenas de anos, bilhões de humanos encontraram significados em jogos de realidade virtual. No passado, chamávamos esses jogos de ‘religiões’”

 

Abaixo leia o artigo

O significado da vida em um mundo sem trabalho
Por: Yuval Noah Harari

A maioria dos empregos que existem hoje pode desaparecer dentro de décadas. À medida que a inteligência artificial supera os seres humanos em tarefas cada vez mais, ela substituirá humanos em mais e mais trabalhos. Muitas novas profissões provavelmente aparecerão: designers do mundo virtual, por exemplo. Mas essas profissões provavelmente exigirão mais criatividade e flexibilidade, e não está claro se os motoristas de táxi ou agentes de seguros desempregados de 40 anos poderão se reinventar como designers do mundo virtual (tente imaginar um mundo virtual criado por um agente de seguros!?). E mesmo que o ex-agente de seguros de alguma forma faça a transição para um designer de mundo virtual, o ritmo do progresso é tal que, dentro de mais uma década, ele pode ter que se reinventar novamente.

O problema crucial não é criar novos empregos. O problema crucial é a criação de novos empregos que os humanos apresentam melhor desempenho do que os algoritmos.

 

Consequentemente, até 2050, uma nova classe de pessoas poderá surgir – a classe desocupada. Pessoas que não estão apenas desempregadas, mas desempregáveis. A mesma tecnologia que torna os seres humanos inúteis também pode tornar viável alimentar e apoiar as massas desempregadas através de algum esquema de renda básica universal. O problema real será, então, manter as massas ocupadas e o conteúdo. As pessoas devem se envolver em atividades propositadas, ou ficam loucas. Então, o que a classe desocupada irá fazer o dia todo?

 

Uma resposta pode ser jogos de computador. Pessoas economicamente redundantes podem gastar quantidades crescentes de tempo dentro dos mundos da realidade virtual 3D, o que lhes proporcionaria muito mais emoção e engajamento emocional do que o “mundo real” externo. Isso, de fato, é uma solução muito antiga. Por milhares de anos, bilhões de pessoas encontraram significado em jogar jogos de realidade virtual. No passado, chamamos essas “religiões” de jogos de realidade virtual.

 

O que é uma religião, se não um grande jogo de realidade virtual desempenhado por milhões de pessoas juntas? Religiões como o Islã e o Cristianismo inventam leis imaginárias, como “não comem carne de porco”, “repita as mesmas preces um número determinado de vezes por dia”, “não faça sexo com alguém do seu próprio gênero” e assim por diante. Essas leis existem apenas na imaginação humana. Nenhuma lei natural exige a repetição de fórmulas mágicas, e nenhuma lei natural proíbe a homossexualidade ou a ingestão de porco. Muçulmanos e cristãos atravessam a vida tentando ganhar pontos em seu jogo de realidade virtual favorito. Se você reza todos os dias, você obtém pontos. Se você esqueceu de orar, você perde pontos. Se, no final da sua vida, você ganhar pontos suficientes, depois de morrer, você vai ao próximo nível do jogo (também conhecido como o paraíso).

 

Como as religiões nos mostram, a realidade virtual não precisa ser encerrada dentro de uma caixa isolada. Em vez disso, ele pode se sobrepor à realidade física. No passado, isso foi feito com a imaginação humana e com livros sagrados, e no século 21 pode ser feito com smartphones.

 

Algum tempo atrás, fui com o meu sobrinho de seis anos, Matan, para caçar Pokémon. Enquanto caminhávamos pela rua, Matan continuava a olhar para o seu telefone inteligente, o que lhe permitia detectar Pokémon à nossa volta. Eu não vi nenhum Pokémon, porque não carregava um smartphone. Então vimos outras duas crianças na rua que estavam caçando o mesmo Pokémon, e quase começamos a lutar com eles. Parecia-me como a situação era semelhante ao conflito entre judeus e muçulmanos sobre a cidade sagrada de Jerusalém. Quando você olha a realidade objetiva de Jerusalém, tudo que você vê são pedras e edifícios. Não há santidade em qualquer lugar. Mas quando você olha através de smartbooks (como a Bíblia e o Alcorão), você vê lugares sagrados e anjos em todos os lugares.

 

A ideia de encontrar um significado na vida ao jogar jogos de realidade virtual é, evidentemente, comum não apenas às religiões, mas também às ideologias seculares e estilos de vida. O consumo também é um jogo de realidade virtual. Você ganha pontos adquirindo carros novos, comprando marcas caras e tendo férias no exterior, e se você tiver mais pontos do que todos os outros, dizendo a si próprio que ganhou o jogo.

 

Você pode contrariar dizendo que as pessoas realmente gostam de seus carros e férias. Isso certamente é verdade. Mas os religiosos realmente gostam de orar e realizar cerimônias, e meu sobrinho realmente gosta de caçar Pokémon. No final, a ação real sempre ocorre dentro do cérebro humano. Não importa se os neurônios são estimulados observando pixels em uma tela de computador, olhando para fora das janelas de um resort do Caribe ou vendo o céu nos olhos da mente? Em todos os casos, o significado que atribuímos ao que vemos é gerado pelas nossas próprias mentes. Não é realmente “lá fora”. Para o melhor de nosso conhecimento científico, a vida humana não tem significado. O significado da vida é sempre uma história de ficção criada por nós humanos.

 

Em seu ensaio inovador, Deep Play: Notas sobre a Briga de Galos em Bali (1973), o antropólogo Clifford Geertz descreve como na ilha de Bali, as pessoas passaram muito tempo e dinheiro apostando em brigas de galos. As apostas e as lutas envolveram rituais elaborados, e os resultados tiveram um impacto substancial na posição social, econômica e política de jogadores e espectadores.

 

As brigas de galos eram tão importantes para os balineses que, quando o governo indonésio declarou a prática ilegal, as pessoas ignoraram a lei e se arriscavam a prisão e multas pesadas. Para os balineses, as brigas eram “jogo profundo” – um jogo confeccionado que é investido com tanto significado que se torna realidade. Um antropólogo balines poderia, sem dúvida, ter escrito ensaios semelhantes sobre futebol na Argentina, Brasil ou no judaísmo em Israel.

 

De fato, uma seção particularmente interessante da sociedade israelense fornece um laboratório exclusivo de como viver uma vida satisfeita em um mundo pós-trabalho. Em Israel, um percentual significativo de homens judeus ultraortodoxos nunca trabalhou. Eles passam toda a vida estudando escrituras sagradas e realizando rituais de religião. Eles e suas famílias não morrem de fome, em parte porque as esposas muitas vezes trabalham, e em parte porque o governo lhes fornece generosos subsídios. Embora geralmente vivam na pobreza, o apoio do governo significa que eles nunca faltam para as necessidades básicas da vida.

 

Isso é uma renda básica universal em ação. Embora sejam pobres e nunca trabalhem, em pesquisa após pesquisa, esses homens judeus ultraortodoxos relatam níveis mais elevados de satisfação com a vida do que qualquer outra parte da sociedade israelense. Nos levantamentos globais sobre a satisfação da vida, Israel está quase sempre no topo, graças em parte ao contributo destes pensadores profundos e desempregados.

 

Você não precisa ir a Israel para ver o mundo do pós-trabalho. Se você tem em casa um filho adolescente que gosta de jogos de computador, você pode realizar sua própria experiência. Fornecer-lhe um subsídio mínimo de Coca-Cola e pizza e, em seguida, remover todas as demandas de trabalho e toda a supervisão dos pais. O resultado provável é que ele permanecerá em seu quarto por dias, colado na tela. Ele não vai fazer qualquer lição de casa ou tarefas domésticas, vai ignorar a escola, ignorar as refeições e até mesmo ignorar os chuveiros e dormir. No entanto, é improvável que ele sofra de tédio ou uma sensação de sem propósito. Pelo menos não no curto prazo.

 

Portanto, as realidades virtuais provavelmente serão fundamentais para fornecer significado à classe desocupada do mundo pós-trabalho. Talvez essas realidades virtuais sejam geradas dentro dos computadores. Talvez sejam gerados fora dos computadores, sob a forma de novas religiões e ideologias. Talvez seja uma combinação dos dois. As possibilidades são infinitas, e ninguém sabe com certeza que tipos de peças profundas nos envolverão em 2050.

 

Em qualquer caso, o fim do trabalho não significará necessariamente o fim do significado, porque o significado é gerado pela imaginação em vez de pelo trabalho. O trabalho é essencial apenas para o significado de acordo com algumas ideologias e estilos de vida. Os escravos ingleses do século XVIII, os judeus ultraortodoxos atuais e as crianças em todas as culturas e eras encontraram muito interesse e significado na vida, mesmo sem trabalhar. As pessoas em 2050 provavelmente poderão jogar jogos mais profundos e construir mundos virtuais mais complexos do que em qualquer momento anterior da história.

 

E quanto à verdade? E a realidade? Realmente queremos viver em um mundo no qual bilhões de pessoas estão imersas em fantasias, buscando objetivos criativos e obedecendo leis imaginárias? Bem, goste ou não, esse é o mundo em que vivemos há milhares de anos.

 

Yuval Noah Harari é professor na Universidade Hebraica de Jerusalém e é autor de ‘Sapiens: Uma Breve História da Humanidade’ e ‘Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã’