sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Ciência e Tecnologia e a Agenda 2030 da ONU.

Muito se discute sobre a Agenda 2030 da ONU, mas poucos sabem do que se trata e o porquê da escolha do ano como referência. Criada em 2015, a agenda é composta por 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável a serem implementados pelos governos, em especial pelos municípios. Cada Objetivo é acompanhado por suas metas que somam 169 no total (https://nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/). A agenda tem, entre suas finalidades, equilibrar o desenvolvimento econômico com a sustentabilidade e a justiça social, através de uma governança baseada na transparência e participação democrática. Cabe aos municípios se organizarem e adaptarem suas políticas públicas e projetos de maneira a se enquadrar nos Objetivos e suas metas.
Por que o ano de 2030? No começo do Século XX, John Maynard Keynes, economista britânico, apresenta uma série de ideias que visavam a recuperação da economia mundial que sofria por conta da crise de 1929 (EUA). A partir da política econômica apresentada por ele, Keynes fez a seguinte previsão: “a humanidade, dali a 100 anos, iria enfrentar seu problema permanente: como usar a liberdade de preocupações econômicas prementes, como ocupar o lazer que a ciência e os ganhos econômicos lhe trariam para viver bem, sábia e agradavelmente?

Nos basta um pouco de fosfato no cérebro, para chegarmos à conclusão de que se não louco, suas ideias foram ignoradas ou aplicadas em partes, em especial no pós Segunda Guerra. Porém, ainda no final dos anos 60 e início de 70, o mundo caiu na graça do neoliberalismo e as ideias de Keynes foram abandonadas e o mundo é o que é hoje. O oposto às previsões de Keynes. Por isso o simbolismo do ano 2030, o ano que estaríamos preocupados em como gastar nosso dinheiro e aproveitar o tempo livre em consequência dos avanços da Ciência e da Tecnologia. Curiosamente, a Ciência e Tecnologia avançaram o suficiente para nos permitir tempo e saúde para aproveitar a nossa vida com mais tranquilidade.

O que aconteceu, uma vez que temos mais intranquilidades que tranquilidades?
A resposta está no uso que o homem dá aos avanços tecnológicos. A sede por lucro e acumulação de bens, acaba por transformar os avanços tecnológicos em inimigo do bem estar e do viver. Alguns poucos encastelados, a partir do uso privado das forças armadas dos EUA, nos impõem o desemprego e a fome.

A partir deste entendimento, a Secretaria de Ciência, Tecnologia e Comunicações de Maricá, tem seu trabalho calcado em três simples perguntas: Para quê? Para quem? Como?
Outro ponto importante de nossa linha de trabalho, está no entendimento da importância do desenvolvimento científico e da pesquisa entre nossas crianças e jovens. Uma população só será independente e soberana se detiver o conhecimento do como fazer e como usar seus saberes na busca da autodeterminação e qualidade de vida.
Por isso iniciamos este começo de governo em Maricá, investindo no aguçar de nossos jovens na iniciação científica a partir da pesquisa, com a instituição do Prêmio Novos Pesquisadores. No reconhecimento dos saberes locais, através do projeto Maricá de todos os Saberes, bem como no reconhecimento sensorial da cidade, de seus cheiros e sabores, através do projeto Maricá de todos os Sabores. Outro ponto importante, está no conhecer cada canto de nossas terras e nossa população, através da implantação do Cadastro Técnico Multifinalitário e um censo socioeconômico e cultural.
Em paralelo e de importância igual a “reconhecer-se” como cidadão de um determinado espaço físico, também trabalhamos na busca do desenvolvimento sustentável a partir das tecnologias já existentes e das ainda por vir. Como um dos exemplos, a implantação de um Parque Tecnológico inteligente, onde pretende-se realizar experimentações que serão disponibilizadas para o conjunto da população.

Encerrando, trabalhar em conjunto com as demais secretarias de governo, inicialmente na busca do resgate dos ideais de Keynes, para em seguida nos transformar em uma sociedade justa e igualitária. Que venha 2030!

Há braços

Sérgio Mesquita

Secretário de Ciência, Tecnologia e Comunicações de Maricá-RJ

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Os assassinatos políticos e os fingimentos moralistas

Por Márcio Valley

O macartismo institucional brasileiro, que se desenvolve desde o mensalão, vem agindo, há anos, com um comportamento que, segundo os conceitos do direito penal, deve ser enquadrado nas figuras do dolo eventual ou da culpa consciente. No primeiro caso, dolo eventual, o agente insiste na própria conduta ainda que ciente dos riscos possíveis, aceitando o resultado que vier, por pior que seja. No segundo, de culpa consciente, acredita sinceramente que a própria perícia será capaz de evitar o resultado danoso.

Há dolo eventual ou culpa consciente de nossas instituições tanto na morte de inocentes, como na derrocada da economia brasileira.

Os assassinatos políticos da ex-primeira dama, Marisa Letícia, e do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina expõem as vísceras da irresponsabilidade institucional na condução política do Brasil. Sim, trataram-se de assassinatos políticos, embora formal e aparentemente sejam categorizados como doença e suicídio. A indagação que deve ser produzida, de forma honesta e sincera, para concluir pelo assassinato político é: as mortes teriam ocorrido não fosse o comportamento açodado e irresponsável dos agentes públicos? A sinceridade exige que a resposta seja não. E se a resposta é “não”, então a morte de ambos decorreu diretamente da ação ou da omissão praticada por terceiros, com intuito político, de modo que se tratam de homicídios.

Nem a ex-primeira dama, nem o reitor, teriam morrido se as condutas dos agentes públicos tivessem sido pautadas pela legalidade material, objetiva, e pelo respeito aos direitos, liberdades e garantias individuais. Marisa Letícia morreu de AVC após intensa pressão psicológica causada pelos desmandos e arbitrariedades praticadas contra sua família. O ex-reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier, aparentemente se suicidou por conta dos mesmos desmandos e arbitrariedades, após ser preso e humilhado sem provas convincentes de culpabilidade.

Tanto num caso, como no outro, os agentes envolvidos partiram do pressuposto de que a vida dos acusados não valia tanto quanto a manchete que seria produzida no dia seguinte ou quanto os objetivos políticos a serem alcançados. Ou, na melhor das hipóteses, que a própria expertise em direito penal não deixaria margem de dúvidas quanto ao acerto da decisão, de modo que avaliar as consequências da ação seria perda de tempo. E se fossem inocentes, qual a repercussão disso na vida dos acusados? Isso, obviamente, não vinha ao caso. Danem-se os prejudicados.

Durante cerca de seis longos anos, na década de 1950, o senador americano Joseph McCarthy aterrorizou a política norte-americana com sua caçada pseudo-moralista aos comunistas. Diversas personalidades por ele perseguidas se suicidaram. Durante sua caçada, McCarthy era saudado como um herói e patriota americano. Com o passar do tempo, a real natureza de sua perseguição veio à tona e, no final, venceu a racionalidade, tendo o senador sido lançado na lixeira da história americana. Hoje, é visto como uma mancha na democracia americana. Nossos macartistas, não tenho dúvida, merecerão o mesmo nível de honra em futuro não tão longínquo assim.

O macartismo brasileiro, inaugurado pelos Procuradores da República Antonio Fernando de Souza, Roberto Gurgel e Rodrigo Janot, juntamente com o então ministro do Supremo Joaquim Barbosa, teve sua bandeira tomada e engrandecida pelo juiz Sérgio Moro, pelos procuradores da república e pelos delegados federais da operação Lava Jato. A tibieza dos tribunais superiores à vara federal de Curitiba serviu como catapulta ao fortalecimento da evidente pretensão da Lava Jato de destruir as políticas de empoderamento da população mais desfavorecida do país, de arruinar a maior agremiação partidária de representação da esquerda nacional e de extinguir as pretensões geopolíticas brasileiras.

Se levado em conta o mensalão, processo que se iniciou nos idos de 2006, nosso macartismo já conta com onze anos de perseguições, aplicação do direito penal do inimigo, mitigação dos direitos processuais dos acusados, escandalização midiática de ninharias e valorização de iniquidades, como o obscurantismo fascistóide e preconceituoso do tipo praticado por movimentos como MBL. Sérgio Moro, hoje, nosso “herói” no combate à corrupção, possui como maior missão provar que Lula é dono de um apartamento e de um sítio, ambos de classe média, o que comprovaria ser ele o chefe da maior quadrilha de políticos corruptos da história nacional. Parece piada, mas é a pura verdade. Enquanto isso, políticos de menor expressão são pegos com milhões de dólares, suficientes para comprar diversos castelos na Europa. Mas o que importa mesmo é um sítio em Atibaia ou um apartamento em Guarujá em nome de terceiros. Será burrice, esperteza ou fingimento?

Aliás, a crença na sinceridade do movimento falso-moralista que está em andamento no Brasil exige uma infindável séria de fingimentos da consciência.

Deve-se fingir que as relações políticas se desenvolvem num ambiente de verdadeira democracia, no qual a parte majoritária dos candidatos aos cargos eletivos é movido por sincero espírito público.

Deve-se fingir que as campanhas dos políticos eleitos não são milionárias, ou mesmo bilionárias, e que não são custeadas pelas corporações interessadas na eleição de “despachantes” que representem seus interesses no parlamento.

Deve-se fingir que o povo de fato é representado pelos parlamentares eleitos e não que estes representam as bancadas corporativas que os elegeram.

Deve-se fingir que, nesse salutar ambiente democrático ilusório, o presidente escolhido pelo povo possui efetivo poder de mando ainda que eleito sem base de apoio parlamentar.

Deve-se fingir que os corruptos não se encontram entranhados na burocracia administrativa desde os tempos de Cabral, sendo irrelevante o nome e o partido do candidato eleito para o Executivo.

Deve-se fingir que o presidencialismo de coalização não implica nomeação de centenas ou milhares de indicados políticos em relação aos quais não é possível aferir a idoneidade moral e ética, sem que isso demonstre que a ação delituosa do indicado seja responsabilidade de quem simplesmente assinou um ato de nomeação que visava um fim político.

Deve-se fingir que toda a corrupção nacional está relacionada a um único partido.

Deve-se fingir que é possível governar sem o PMDB, esteja ele na chapa presidencial ou não.

Deve-se fingir que o PMDB não está na coalização governamental desde o fim da ditadura militar.

Deve-se fingir que o único partido que fortaleceu os instrumentos de combate à corrupção é, de fato, o mais corrupto do país.

Deve-se fingir que os membros do judiciário, do ministério público e da polícia federal são todos irrepreensivelmente honestos.

Deve-se fingir crer na isenção e imparcialidade de um delegado ou de um promotor que faz campanha em redes sociais contra uma pessoa que investigam em inquérito policial ou acusação e de um juiz que atua na ação penal como acusador e que possui notórias ligações de amizade com o candidato derrotado na eleição presidencial.

Deve-se fingir que não há interesse externo nenhum – nem em nosso petróleo, nem em destruir a reputação de nossas empreiteiras no exterior, nem em acabar com nossa indústria naval, nem em evitar a redução dos juros da dívida pública - estimulando as estranhas ações de combate à corrupção no modelo “terra arrasada, incendiada e salgada”.

Deve-se fingir que a destruição de nossa economia, que coincide com o início da “guerra santa” do falso moralismo, é um reflexo da péssima condução da economia pelo governo que se pretende destruir e não da ação dos interesses corporativos interessados e na irresponsabilidade total na condução das investigações.

Deve-se fingir que a destruição de nossa economia, pondo fim a milhões e milhões de empregos, é um preço justo a pagar pelo fim da corrupção, ainda que se saiba que o prejuízo social é várias vezes maior com a “guerra santa” do que com o vício. E o prejuízo das famílias? Trata-se de efeito colateral aceitável.

Deve-se fingir que a economia está melhorando, ainda que com números infinitamente inferiores aos que se via no “governo do partido maldito”.

Deve-se fingir que os delegados, procuradores e juízes que praticam a “guerra santa contra o partido maldito” não revelam suas inclinações partidárias em redes sociais.

Deve-se fingir que o maior dos problemas não está em nosso sistema política, que autoriza a eleição de um presidente com milhões de votos e sem a maioria parlamentar.

Deve-se fingir que Dilma foi “burra” ao sugerir a convocação de uma constituinte política exclusiva.

Deve-se fingir, em suma, que o povo é burro e sem discernimento, quando as pesquisas eleitorais começarem a indicar os erros de estratégia da “guerra santa”.

São incontáveis os fingimentos necessários à crença de que o combate à corrupção, primeiro com o Mensalão, depois com a Lava Jato, são inocentes, imparciais e buscam atacar a corrupção.

Como já destaquei em texto anterior, é importante refletir sobre o custo de aquiescer com a perda de direitos, ainda que na hipótese de prisão do pior dos traficantes. Campanhas moralistas são inapelavelmente daninhas para a sociedade. Concordar com a perda de direitos, em nome de uma pretensa segurança, constitui um bumerangue, que, lançado contra supostos inimigos públicos, sempre retornará em desfavor de inocentes.

Hoje, o fingimento moralista faz acreditar na honestidade e integridade do discurso moralista de um Sérgio Moro. Amanhã, a conversa será com o guarda da esquina.


Quantos mais terão que ser sacrificados no altar do fingimento moralista?

sábado, 30 de setembro de 2017

O RACISTA FUNCIONAL

Não sei se existe o termo e, caso exista, tenha o mesmo entendimento que o construo aqui. 
Analfabeto Funcional é aquele sujeito, que ,no máximo faz umas contas e sabe assinar seu nome. Pode até pensar que sabe ler e escrever com desenvoltura, mas não sabe.
Forçando um paralelo, o Racista Funcional seria aquele que pode até acreditar não ser racista, mas é fruto do meio em que nasceu e se desenvolveu. Pode até acreditar não ser racista, mas...
Usando-me como exemplo, cresci ouvindo várias gracinhas de meu falecido pai. Sempre brincalhão e espirituoso. Uma dessas graças era a que ele não se considerava racista. Não gostava de preto, mas gostava de uma pretinha. Fruto de seu meio, pois era filho de português. Por outro lado, o vi chorar como criança a morte de um amigo negro, policial, que ao não sacar a arma por conta de haver crianças no local, levou três tiros no peito. Dizia ter perdido seu irmão negro.
Como eu, “branquinho”, muitos foram criados nesse “senso comum”. Não éramos racistas, mas tínhamos nossos preconceitos incutidos. A diferença se faz quando, do seu crescimento como pessoa, você se percebe reproduzindo atitudes que vão de encontro com o seu nível de formação. Você começa a se questionar e questionar o seu entorno. Dependendo do grau, de um momento para o outro, torna-se um militante, que de vez em quando, “escorrega” em suas atitudes, fruto de toda uma conjuntura, que ao perceber fica com cara de bunda.
Como já colocado, é muito fácil reclamar do “politicamente correto”, achar um absurdo as críticas em relação a marchinha “Cabeleira do Zezé” e outras. A época da Secretaria de Cultura, em uma apresentação do Tributo a Geraldo Vandré, no Col. Pedro II em São Cristóvão, ouvi que era preciso trocar um verso da música “Cantiga Brava” que versava: O terreiro lá de casa / Não se varre com vassoura, / Varre com ponta de sabre / E bala de metralhadora.// Quem é homem vai comigo / Quem é mulher fica e chora.... pois era machista. Alguém discute que na época o Vandré era um militante de esquerda? Que suas músicas animaram e ainda animam a militância política? Mas a frase hoje é questionada e, de novo, por não ser mulher, nunca ter sentido a discriminação e não ter sofrido os desrespeitos por que sofrem e continuam a sofrer, fico na obrigação de aceitar a situação de mudança, pois por não ter ideia do que é ser mulher, tenho o dever moral de não achar que é besteira - coisa de mulher.
Faço esse preâmbulo, por conta da Moção, que apoiei, em relação a manchete do jornal O Maricá, na IV Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, realizada hoje em Maricá. A matéria retratava uma série de crimes acontecidos em Ponta Negra como “Jovem do crime faz terror em Ponta Negra, que tem um final de sema ‘negro’”.
Poderia considerar o autor da matéria um Racista Funcional. Mas a partir do momento que esse mesmo autor se coloca na defensiva, e como estratégia, ataca quem questionou o título, se perde e acaba por assumir um posicionamento que, além de racista, é agressivo, na mesma “onda” da violência que o Brasil com a homofobia, racismo, intolerância religiosa e o desmontar do Estado.
Um bom exercício, antes de qualquer crítica, é se colocar nas situações que tenhamos que opinar. A vida é curta, e como tal, é para ser vivida e apreciada.


Sérgio Mesquita
Secretário de Formação do PT-Maricá

domingo, 3 de setembro de 2017

Entre Dogmatismo e Falibilismo

Ainda lendo “Pape Satàn Aleppe – crônicas de uma sociedade líquida”, do Umberto Eco, segue abaixo mais uma de suas colunas. Desta vez discutindo a Ciência, Cultura, a informação e o conhecimento... divirtam-se.

Entre Dogmatismo e Falibilismo
Umberto Eco – 2010

No “Corrieri della Sera” de domingo passado, Ângelo Panebianco escreveu sobre os possíveis dogmatismo da ciência. Concordo fundamentalmente com ele, só gostaria de destacar um outro ângulo da questão.

Panebianco disse, em síntese, que a ciência é por definição antidogmática, pois sabe que avança por tentativa e erro e porque (acrescentaria eu, com Peirce, que inspirou Popper) seu princípio implícito é o “falibilismo”, que a mantém sempre alerta para corrigir os próprios equívocos. Ela só se torna dogmática em suas fatais simplificações jornalísticas, que transformam cautelosas hipóteses de pesquisa em descobertas milagrosas e verdades estabelecidas. Mas também corre o risco de tornar-se dogmática quando aceita um critério inevitável, ou seja, que a cultura de uma época é dominada por um “paradigma” (como o darwirniano ou o einsteiniano, mas também o copernicano) que todo o cientista observa, justamente para eliminar as loucuras daqueles que atuam fora dele, inclusive os loucos que continuam a afirmar que o Sol gira em torno da Terra. Como fica então o fato de que a inovação acontece justamente quando alguém consegue questionar o paradigma dominante? Não estaria a ciência se comportando de modo dogmático quando se encastela num determinado paradigma, excluindo quem o contesta como louco ou herege, talvez para defender posições de poder adquiridas?

A questão é dramática. Os paradigmas devem ser sempre defendidos ou sempre contestados? Ora, uma cultura (entendida como sistema de saberes, opiniões, crenças, costumes, heranças históricas compartilhadas por um grupo humano particular) não é apenas um acúmulo de dados, é também o resultado de sua filtragem. Cultura também é a capacidade de se jogar fora aquilo que não é útil ou necessário. A história da Cultura e da civilização é feita de toneladas de informações que foram sepultadas. Vale para uma cultura aquilo que vale para nossa vida individual. Borges escreveu o conto “Funes, el memorioso”, em que fala de um personagem que recorda tudo, cada folha que viu em cada árvore, cada palavra que ouviu em sua vida, cada lufada de vento que sentiu, cada sabor que experimentou, cada frase que leu. No entanto (ou aliás, por isso mesmo), Funes é um completo idiota, um homem bloqueado por sua incapacidade de selecionar e jogar fora. Nosso inconsciente funciona porque joga fora. Depois, se ocorrer algum bloqueio, procura-se um psicanalista para recuperar aquilo que servia e que descartamos por engano. Mas, felizmente, todo o resto foi eliminado e nossa alma é exatamente o produto da continuidade dessa memória seletiva. Se tivéssemos a alma de Funes, seríamos pessoas sem alma.

Assim age uma cultura e o conjunto de seus paradigmas é o resultado da Enciclopédia partilhada, feita não somente com aquilo que conservamos, mas também, por assim dizer, com o tabu sobre aquilo que eliminamos. É com base nesta enciclopédia comum que se discute. Mas para que a discussão seja compreendida por todos, é necessário partir de paradigmas existentes, nem que seja para demonstrar que não se sustentam mais. Sem a negação do paradigma ptelomaico, que se conserva como pano de fundo, o discurso de Copérnico seria incompreensível.

Ora, a internet é como Funes. Como totalidade de conteúdos disponíveis de modo desordenado, não filtrado e não organizado, ela permite que cada um construa sua enciclopédia, ou seja, o próprio livre sistema de crenças, noções e valores, no qual podem estar presentes, como acontece na cabeça de muitos seres humanos, tanto a ideia de que a água é H2O quanto a de que o Sol gira em torno da Terra. Na teoria, portanto, poderíamos chegar à existência de 6 bilhões de enciclopédias diferentes e a sociedade humana estaria reduzida ao diálogo fragmentar de seis bilhões de pessoas, cada uma delas falando uma língua diversa, só entendida pelo próprio falante.


Felizmente, esta hipótese é só teórica, mas justamente porque a comunidade científica zela para que circulem linguagens comuns, sabendo que para derrubar um paradigma é necessário que exista um paradigma para ser derrubado. Defender os paradigmas pressupõe certamente o risco do dogmatismo, mas é esta contradição que serve de base para o desenvolvimento do saber. Para evitar conclusões apressadas, concordo com o que dizia o cientista citado no final do texto do Panebianco: “Não sei, é um fenômeno complexo, preciso estuda-lo”.

sexta-feira, 1 de setembro de 2017

Impressões sobre o artigo do Washington Quaquá (Por um Partido Lulista, Burguês e , Reformista) e a entrevista de Lula para uma rádio em Pernambuco, disponibilizada nas redes sociais.

Confesso ter levado um susto inicialmente. Posteriormente, após conversas com companheiros mais próximos, o susto transformou-se em respeito pela honestidade do companheiro de longas caminhadas juntos, Quaquá. Quem o conhece sabe bem que, como coloca no texto, não tem a boca para guardar sua língua. E provoca.

O texto casa bem com a entrevista do Lula, que quando questionado sobre a manutenção de uma aliança que acabou trocando de lado e apoiando o Golpe, se o mesmo não poderia se repetir? E Lula banca com maestria o pragmatismo eleitoral. Com verdades que, muitas vezes, são ignoradas pela esquerda dita pura. Os fatos são colocados à mesa. Não existe vitória eleitoral sem as alianças. E mesmo que fosse possível, não existiria governo. Fica claro que, em nosso atual sistema de governo, a fala do Lula é só verdade.

Quaquá, que teve mais tempo para escrever seu artigo, fez uma rápida “mea” culpa (do partido) e aponta como uma das causas, que concordo, o abandono das organizações populares e termos perdido toda uma geração de militantes, que poderiam ir às ruas no combate ao Golpe. Pura verdade, mas não como muitos colocam, que a culpa está em nossa burocratização. A culpa está em nossa institucionalização! Acabamos por nos “patrimonializar”.

O problema que identifico, entre outros, está na questão do incentivo a imagem de um “herói da pátria”, com a criação de mais um “ismo”, como foi o getulismo e o brizolismo. Quando o sufixo perde sua raiz, é como tiro na água no jogo de batalha naval. Essa é uma das preocupações.

Outra preocupação está no como incluir as organizações civis e populares através da política, e não pelo clientelismo. Concordo quando é apontado o erro de não se ter preparado a grande massa de beneficiários dos programas sociais para o sentimento de pertencimento dos mesmos, e da política de afastamento das organizações civis e populares, para priorizar os acordos por cima. Na minha opinião, esse foi o grande motivo que nos levou a não ter a população nas ruas, para além do que sobrou da militância. Muitas das pessoas que hoje estão nas ruas, por onde passa a Caravana do Lula, podem não ter ido as ruas antes do leite ter derramado.

Lembro da primeira reunião de secretários do governo Fabiano Horta em Maricá, sucessor do Quaquá, quando em um exercício de Planejamento, ponderei como força externa negativa para o governo, o próprio sistema de governo, que privilegia a corrupção e os arranjos. Não apanhei, mas foram vários elogios ao sistema e duas adesões ao meu posicionamento. Meses depois, a continuação do golpe em Brasília ganhava força por conta do sistema.

O fato é que para podermos realizar as reformas que defendemos, inclusive a política, temos que ter o povo nas ruas, brigando e muito. Quando a PM tentou invadir a escola do MST, a Florestan Fernandes, seus integrantes e alunos foram para o enfrentamento e a PM recuou. As mesmas corporações que apoiaram o golpe aqui, tentam fazer o mesmo na Venezuela. O povo foi para as ruas e Maduro se mantém no governo. A estudantada em São Paulo atrasou o projeto do Alkmim em fechar as salas de aula. Não por serem formados na política, mas por entenderem que o modelo atual está esgotado e se faz necessário inventar um novo, fizeram as ocupações. Saramago, em 94 já questionava a fala de Churchill, acreditava que poderia existir algo melhor que a democracia, entendida hoje como o menos pior dos sistemas.

Na realidade, o que me põe em dúvida é o que apresentaremos de novidade, de maneira a poder ter alguma esperança e sentir o cheirinho da chuva em meio aos bolsões de calor, lembrando Ignácio de Loyola Brandão em seu livro “Zero”.

Essa preocupação não vejo em nenhum lado da dita esquerda brasileira, muito pelo contrário. Cada vez mais a citação do Yanis Varoufakis em seu livro “O Minotauro Global”: Os políticos que queriam fazer diferente perceberam que era tarde demais. E assim eles recuaram, preferindo manter-se vivos do que viverem mortos politicamente, faz sentido.

Sei bem como age o Quaquá e sei mais ainda o que foi feito em Maricá, mesmo que não muito ao modo petista de governar. A cidade cresceu, melhorou seus índices e, de fato, existe distribuição de renda e crescimento econômico, como aconteceu no Brasil no período petista em Brasília. Mas é preciso ter a clareza de que o que acontece com o país, não só vai refletir em Maricá, como também pode acontecer em Maricá, pois vivemos em um Estado de Exceção, golpista.

Tenho certeza que a solução não passa pela simples possibilidade de se vencer a eleição. Pois a mesma seria certa nas MCTP (mesmas condições de temperatura e pressão). O problema é que não temos como afirmar se ocorrerão e se ocorrerem, se Lula será candidato. Se for eleito, se conseguirá governar.

Não estamos discutindo como organizar a população e as organizações civis para nosso sustento nas ruas, e isso me preocupa. Pois estamos com o foco somente nas eleições. Se nada mudar, não adiantará criar um novo partido (reformista e burguês) ou acabar com o velho espírito petista. O poder continuará nas mãos deles.

Sérgio Mesquita

Secretário de Formação do PT-Maricá

domingo, 13 de agosto de 2017

SOCIEDADE LÍQUIDA

Final de tarde de domingo (dia dos pais), assistindo a um show do Eric Clapton na televisão, pego o livro do Humberto Eco, “Pape Satàn Aleppe – crônicas de uma sociedade líquida” para começar a lê-lo.

Sua primeira crônica é a que empresta o subtítulo ao livro, “crônicas de uma sociedade líquida”. Já em seu início, começo a marcar a caneta algumas linhas. Ao final, ainda ao som do Eric, resolvo reproduzir a crônica e dividir com quem ler este texto. Só conseguiria dar continuidade a leitura do livro depois disso. Divirtam-se e preocupem-se. Há braços.

Sociedade Líquida – Umberto Eco (2015)

A ideia de modernidade ou sociedade “líquida” deve-se, como todos sabem, a Zygmunt Bauman. Para quem quiser entender as várias implicações do conceito, a leitura de “Estado de crise” (Zahar, 2016), onde Bauman e Carlo Bordomi discutem estes e outros problemas, pode ser útil.

A sociedade líquida começou a delinear-se com a corrente conhecida como pós-modernismo (aliás um termo “guarda-chuva” sobre o qual se amontoam diversos fenômenos, da arquitetura à filosofia e à literatura, e nem sempre de modo coerente). O pós-modernismo assinalava a crise das “grandes narrativas” que se consideravam capazes de impor ao mundo um modelo de ordem e fazia uma revisitação lúdica e irônica ao passado, entrecruzando-se em várias situações com pulsões niilistas. Mas para Bordoni, o pós-modernismo também conheceu uma fase de declínio. Era um movimento de caráter temporário, pelo qual passamos quase sem perceber, e que um dia será estudado, assim como o pré-romantismo. Servia para analisar um acontecimento em andamento e representou uma espécie de bolsa que levava a modernidade a um presente ainda sem nome.

Para Bauman, entre as características deste presente nascente podemos incluir a crise do Estado (que liberdade de decisão ainda têm os Estados nacionais diante dos poderes das entidades supranacionais?). Desaparece assim uma entidade que garantia aos indivíduos a possibilidade de resolver de modo homogêneo os vários problemas de nosso tempo, e com sua crise, despontaram a crise das ideologias, portanto, dos partidos e, em geral, de qualquer apelo a uma comunidade de valores que permita que o indivíduo se sinta parte de algo capaz de interpretar suas necessidades.

Com a crise do conceito de comunidade, emerge um individualismo desenfreado, onde ninguém mais é companheiro de viagem de ninguém, e sim seu antagonista, alguém contra quem é melhor se proteger. Este “subjetivismo” solapou as bases da modernidade, que se fragilizaram dando origem a uma situação em que, na falta de qualquer ponto de referência, tudo se dissolve em uma espécie de liquidez. Perde-se a certeza do direito (a justiça é percebida como inimiga) e as únicas soluções para o indivíduo sem pontos de referência são o aparecer a qualquer custo, aparecer como valor (fenômenos que abordei com frequência nas “Bustinas”), e o consumismo. Trata-se, porém, de um consumismo que não visa a pose de objetos de desejo capazes de produzir satisfação, mas que torna estes mesmos objetos imediatamente obsoletos, levando o indivíduo de um consumo a outro numa espécie de bulimia sem escopo (o novo celular nos oferece pouquíssimo a mais em relação ao velho, mas descarta-se o velho apenas para participar dessa orgia do desejo).

Crise das ideologias e dos partidos: alguém já disse que estes últimos se transformaram em táxis que transportam caciques políticos ou chefes mafiosos que controlam votos, que escolhem em qual embarcarão com desenvoltura, segundo as oportunidades que oferecem – o que até torna compreensível e não mais escandaloso os vira-casacas. Não somente os indivíduos, mas a própria sociedade vive em um contínuo processo de precarização.

O que poderá substituir esta liquefação? Ainda não sabemos e este intervalo ainda vai durar muito. Bauman observa que (com o fim da fé numa salvação proveniente do alto, do estado ou da revolução) os movimentos de indignação são típicos de períodos de intervalo. Estes movimentos sabem o que não querem, mas não o que querem. E recordo aqui que um dos problemas levantados pelos responsáveis da ordem pública a propósito dos “black blocs” é a impossibilidade de rotulá-los, como se fazia antes com os anarquistas, os fascistas, as Brigadas Vermelhas. Eles agem, mas ninguém sabe mais quando e em que direção. Nem eles mesmos.

Existe um modo de sobreviver à liquidez? Existe e é justamente perceber que vivemos em uma sociedade líquida que, para ser compreendida e talvez superada, exige novos instrumentos. Mas o problema é que a política e grande parte da “intelligentsia” ainda não entenderam o alcance do fenômeno. Por ora, Bauman continua a ser uma “vox clamantis in deserto”.

Sérgio Mesquita

Secretário de Formação do PT-Maricá

sábado, 10 de junho de 2017

DIRETAS JÁ OU ELEIÇÕES GERAIS? CONCURSO PÚBLICO OU ELEIÇÕES PARA OS JUÍZES?

JUSTIÇA

"... a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exato e rigoroso sinônimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em ação, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste."
José Saramago

Discute-se muito nas redes sociais e nas rodas políticas a questão das Diretas Já e sobre concurso ou eleição para juízes, em especial para o Supremo Tribunal Federal. Tenho questionamentos sobre ambas as posições.

Primeiro:- para se aprovar uma PEC que permita as eleições diretas para presidente e não a indireta, como querem aqueles envolvidos nos escândalos das delações premiadas, pode muito bem ser chover no molhado. Mesmo que a PEC “ande” com celeridade, a eleição só poderá acontecer em 2018, ano da próxima eleição presidencial, que ao contrário do período da Ditadura, já está no calendário. Ah! Mas pode ser adiantado o calendário! Verdade! Pode! Mas só em 2018, e mesmo assim, no caso de impedimento da participação do Lula como candidato. Caso contrário, o STF será questionado e algum daqueles ministrecos, se não outro/a devem pedir “vistas” a perder de vista. Na prática, acredito estarmos queimando cartuchos e cansando o povo (não o povão, que ainda não foi às ruas). Porque não disputamos com a mídia bandida e seus deputados/as, também bandidos/as, as eleições gerais? Porque não levamos às ruas a necessidade de eleição de um novo Congresso, de uma nova Constituinte?

O fato de mais de 90% da população estar pedindo “Diretas Já” não pode também ser manipulação? Comemorar como comemoramos a aprovação da emenda das Diretas na Comissão do Senado, mesmo sabendo que nada acontecerá este ano, está correto? A possibilidade das Eleições Indiretas acabou?

Segundo: - Na questão do STF é ainda pior. Tem gente defendendo que sejam concursados os juízes. Pergunto para quê? Para termos outros Moros e Dallagnóis como ministros do STF? É isso? Defesa do patrimonialismo exacerbado?
Façamos um corte aqui, depois voltemos à discussão.

Nos 14 anos de governo do PT, vocês sabem dizer quantos Ministros do STF Lula e Dilma nomearam? Se não sabem, aqui vai a resposta...13 Ministros nomeados por nós. Quase um por ano na média. Hoje, dos 11 Ministros lá togados, 8 foram nomeados por nós (sendo solidário na cagada). Barroso, Fachim, Fux, Rosa Weber, Carmem Lúcia, Ayres Brito, Lewandowski e Toffoli. Os demais são Celso Mello (Collor), Gilmar Mendes (FHC) e Alexandre Moraes (Temer). Com uma composição dessas, onde a imensa maioria seria “nossa”, o problema está na não eleição de seus membros ou na péssima escolha de seus membros?

Não está aqui a defesa de só escolher partidários, essa escolha quem fez foi o FHC, o Collor e o Temer. Nós devíamos escolher sim, pessoas que tivessem a mesma visão de mundo, e não avessa, patrimonialista. Juízes que estão lá não para defender e/ou fazer cumprir a Constituição, mas sim para defender os espaços da classe dominante, para atender as necessidades da classe dominante, através das Leis criadas pela própria classe dominante. Essa é a grande verdade.

Vão insistir que defendo a mesma prática de FHC, Collor ou Temer, a partir de suas escolhas? Não! Pasmem “cucarachas”. Vou citar o exemplo do sonho de vocês. Tentem imaginar nos EUA, um presidente democrata, indicando um juiz republicano para a Suprema Corte deles. Ou o contrário, um republicano indicando um democrata. Nunca verão isso lá. Roosevelt, quando presidente dos EUA, para aplicar o “New Deal” e tirar do buraco os EUA por conta da crise de 1929, esperou 3 mandatos para ter maioria na Suprema Corte e poder colocar em prática as ações, o “novo acordo”. Indicou pessoas íntegras, mas com pensamentos próximos a sua linha de pensamento. Outro ponto interessante, é que os juízes e procuradores lá de cima, podem ser demitidos pelos mandatários, como o Trump acaba de fazer com o atual Procurador Geral.
Voltando a discussão...

Na realidade, tem muita culpa nossa (continuando solidário) no que passa o país nos dias de hoje. Optamos, acreditamos que seria possível fazer acordos com o andar de cima, fazer a tão sonhada por eles, conciliação de classe. Acreditamos que eles, íntegros e morais que são (nunca foram), manteriam suas palavras e permitiriam a continuidade da – considerada por eles - perda de seus privilégios. Acabamos no tal acordo – ”caracu”.
Na realidade, continuamos fugindo da autocrítica e continuamos nos escondendo na luta institucional, no sistema viciado, mesmo que, como consequência, ao participar do jogo da PEC das Diretas Já, acabemos por ter que reconhecer o Golpe como legítimo.
Muito foi feito pelo país e seu povo, mas houve ilusão e recuos. O preço, pagamos hoje.

Sérgio Mesquita
Secretário de Formação do PT-Maricá/RJ

A injustiça que se faz a um, é uma ameaça que se faz a todos.
Montesquieu


sábado, 20 de maio de 2017

Efeitos da delação da JBS e a insistência no modelo "eles sabiam mas não tenho prova"

Márcio Valley


A delação da JBS evidenciou a gritante diferença no modo de aplicação do instituto da delação premiada entre a Lava Jato de Brasília e a da República de Curitiba. Em Brasília, houve a primazia da inteligência no curso da operação e do sigilo das diligências. O vazamento, quando ocorreu, foi após a consumação das principais diligências e não antes ou durante, como age Moro, mais interessado nas repercussões políticas de suas ações do que em produzir justiça. Segundo analistas políticos, o vazamento possivelmente foi realizado por algum partidário de Aécio infiltrado na PF ou na PGR, como modo desesperado de alertar os companheiros de tunga e, assim, permitir a ocultação de provas.

As novas delações, ao lado de provocar talvez o maior terremoto político da história nacional, desmoralizam o modus operandi da República de Curitiba. A PGR de Brasília mostra para o Brasil como se faz investigação com base em delação premiada. Os delatores não foram presos preventivamente. Suas famílias não foram perseguidas. Não se apreendeu tablet do neto de ninguém. Não houve necessidade de tortura psicológica. As delações foram realizadas em sigilo.

Moro e seus seguidores ficam, a partir de agora, com a brocha na mão; espera-se que tenham a vivacidade de perceber que não há mais parede para pintar. Como comparar a imensidão corruptiva desvelada pela JBS com as traquinas, as insignificâncias perseguidas por Moro com tanto ardor? Imóveis em nome de outros, barquinhos de alumínio, pedalinhos de criança, as tralhas recebidas de presente por Lula, como continuar essa pantomima farsesca sem cair cada vez mais fundo no ridículo do judiciário mundial?

A partir da exposição das provas incontestáveis produzidas na operação JBS, o que dirão, agora, os tolos que propagandearam por anos a mentira de que Lulinha era o dono da Friboi? Ou de que o PT era a maior organização criminosa política da história do país? Tal tese implica, primeiro, fechar os olhos para as provas incontestáveis, produzidas na própria Lava Jato, que demonstram que a promiscuidade entre empresários e políticos remonta a Cabral. No máximo, e de forma injusta, pode-se culpar o PT por ter aderido ao modelo ou não tê-lo impedido, nada além disso. Segundo, importa aquiescer com a ideia esdrúxula de que personagens secundários, que nem do PT eram (PMDB) ou nem no governo federal estavam (PSDB), receberam centenas de milhões de reais em propinas, enquanto o chefe da quadrilha se contentou com um apartamento e um sítio em nome de terceiros, imóveis, aliás, de classe média, baratos.

Porém, passado o susto inicial, tenta-se equilibrar a balança política. Para suavizar a situação dos amigos, buscam envolver o PT na história. O problema é que, em relação ao PT, a Lava Jato de Brasília abdica da mesma inteligência e eficiência demonstrada quanto a Temer e Aécio. Para incriminar Lula e Dilma, Janot utiliza a surrada cartilha da República de Curitiba que deu azo àquela malfada capa de Veja: "Eles sabiam".

Janot, como grande parte dos operadores da Lava Jato, é antiesquerdista e suas ações são direcionadas para proteção do mesmo modelo de neoliberalismo admirado por Moro. Para que o projeto prossiga sem percalços, é preciso destruir a hipótese Lula nas eleições presidenciais, que agora aparentam estar perigosamente mais próximas.

O padrão de investigação e busca de provas que incriminaram Temer e Aécio foi de eficiência. Produziram-se provas muito fortes que chegaram aos próprios acusados, gravados em conversas comprometedoras. "Tem que ser um que a gente mate antes de fazer delação" diz Aécio Neves em um dos grampos, referindo-se à pessoa que receberia o dinheiro sujo que ele pediu, segundo notícia publicada na imprensa. A ser confirmada a notícia, trata-se de coisa costumeiramente dita por mafiosos e traficantes de droga, não daquilo que se esperaria de um senador da República.

Esse tipo de prova dificilmente será apresentado no que concerne à Lula ou Dilma.

As novas acusações contra Lula e Dilma seguem o modelo de Curitiba: "delator disse isso" e "delator disse aquilo". Prova material? Nenhuma. Como sempre, só a palavra dos delatores.

Ora, o delator da JBS diz que havia uma conta com milhões de dólares para Lula e Dilma, o que torna fácil demais a investigação: apresenta-se o número da conta e solicita-se o extrato da conta. O problema é que certamente a conta está em nome da própria JBS ou do delator, assim como o triplex está em nome da OAS. Nesse caso, há que se provar que algum dinheiro da conta apontada chegou nas mãos de Lula ou de Dilma. Fora isso, a presunção é de inocência e a acusação, de tão frágil, não deveria sequer ter chegado às manchetes. Aceitar a palavra do delator, nessas circunstâncias, torna fácil para qualquer um acusar sem responsabilidade penal pela eventual possibilidade de mentira: o delator apresenta um bem próprio e diz que ele pertence a Lula ou a Dilma. Pergunta-se, por que esse modelo de propina somente é utilizado por Lula e Dilma? Por que os demais corruptos não deixaram o produto da corrupção em nome dos corruptores? Seria um novo modelo de corrupção superinteligente, no qual o dinheiro da corrupção nunca sai do patrimônio do corruptor?

Aguardemos o desenrolar das acusações contra Lula e Dilma.

Quanto aos acusados em face dos quais efetivamente existem provas, Aécio é afastado do Senado, mas não é preso, ainda que sua conduta seja mais grave do que a do Delcídio (sugerir a morte de testemunha é gravíssimo). Quanto a isso, o problema é o desequilíbrio no tratamento, mas penso que a segurança jurídica orienta para a liberdade dos acusados enquanto não houver condenação transitada em julgado. É o custo dos direitos e garantias individuais: alguns culpados se beneficiam, mas milhares de inocentes deixam de ser presos injustamente.

Paralelamente, apesar da gravidade das acusações e da existência de provas robustas contra si, o vampiro resiste a sair da luz do sol, o que o fará se queimar cada vez mais. Temer diz que não renuncia e não renuncia, repete. O que isso significa? Que ele supõe que poderá permanecer no poder? Claro que não, ele tenta apenas se valer do cargo para se imunizar pelo tempo que puder. Ao se agarrar à presidência, nos obriga apenas a aturá-lo por mais uns vinte dias.

Temer é um produto com data de vencimento estabelecida: entre os dias 6 e 8 de junho ocorrerá o julgamento da impugnação da chapa Dilma-Temer no TSE. Antes, era dado como certo o desmembramento da chapa para condenar apenas a Dilma e livrar o Temer. Agora, com esse complicador da JBS, o julgamento se tornou o meio mais célere e institucional para defenestrá-lo de Brasília. Os ministros do TSE dificilmente perderão essa chance.

O problema é que, depois, ficaremos com Rodrigo Maia até a eleição de um presidente para o mandato tampão. Em princípio, eleição indireta, mas, se o povo pressionar nas ruas, pode ser que aprovem as diretas.

Há os que invocam a hipótese "Volta, querida". Sem dúvida alguma, a anulação do impeachment e o retorno de Dilma à presidência seria o melhor caminho, o mais adequado, o mais honesto. Erraram, pois que consertem o erro e devolvam ao povo a mandatária que escolheram. Existem ações que visam a declaração de nulidade do processo de impeachment. Com vontade política, bastaria ao STF pô-las em pauta com a urgência que o caos político exige e julgar procedente o pedido. Pronto, o vampiro sairia e Dilma retornaria de forma institucional e constitucional. A chance disso ocorrer, porém, é próxima do zero. O STF é majoritariamente conservador, antiesquerdista e, mais do isso, antipetista.

A hipótese mais provável é que Temer seja defenestrado pelo TSE, no julgamento da chapa Dilma-Temer. Se isso se confirmar, seria a segunda oportunidade na qual o "glorioso" STF permitiria, em pouco mais de um ano, que um desqualificado chegue ao mais alto cargo público do país e nele instale a sua quadrilha. Empossado na presidência provisória, Rodrigo Maia, filho e genro de políticos da pior estirpe, articulará para ser eleito indiretamente e, com a caneta na mão, suas chances são grandes. Se não houver rebuliço nas ruas, provavelmente será eleito. O povo nas ruas, exigindo diretas, é capaz de mudar esse destino provável.

A possibilidade de eleições direta antecipadas deve estar deixando Sérgio Moro irritadíssimo com a delação da JBS. Todo o seu calendário, milimetricamente planejado, pode ter ido para o brejo. Se Temer cair e tiver eleições diretas ainda esse ano, não haverá tempo para condenar Lula com decisão definitiva em 2º grau. Como segurar o "sapo barbudo"?


Fazer o quê, né? Shit happens.

sábado, 6 de maio de 2017

Alerta à juventude – O que é ser revolucionário?

Assistimos em Maricá, no dia 05/5, um belo evento patrocinado pelo Sindicato dos Profissionais de Educação – SEP-Maricá, com apoio da Secretaria de Cultura de Maricá, que foi o lançamento do livro “Calabouço”, de Geraldo Jorge Sardinha. O evento contou com a presença de várias entidades representativas da juventude e estudantis. Contou também com presença do grupo musical, composto por professores, “Docentes Bárbaros” que levantava a plateia entre as diversas falas que aconteceram e, em especial, na homenagem ao Belchior falecido recentemente.

Paulo Gomes e Geraldo Sardinha, estudantes em 1968, estavam no restaurante Calabouço quando a ditadura civil-militar assassinou o também estudante Edson Luiz. Sardinha foi um dos que carregou o corpo do Edson até a Assembleia Legislativa. Falaram da época e apresentaram o Núcleo dos “Irredentos”, formado por pessoas que, como eles, não se renderam durante o Golpe de 64 e não se rendem até os dias de hoje, quando acontece mais um Golpe contra a democracia e o povo brasileiro.

Situado o evento, vamos ao que me levou a escrever este texto.

“Por isso cuidado, meu bem / Há perigo na esquina / Eles venceram e o sinal / Está fechado pra nós / Que somos jovens.”

Preocupou-me alguns dos discursos apresentados pelos jovens presentes, que deixou claro a falta de unidade na luta contra o que está acontecendo no Brasil e no mundo: -o desmantelamento da sociedade democrática e das instituições civis e politicas.

Assisti a reprodução de uma velha política, esgotada e que só serve a manutenção do “status quo”, independente da sigla e cor de sua bandeira. Como disse Che, “ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição genética.” Portanto o que é ser revolucionário nos dias de hoje? Repetir velhas práticas? A manutenção do tal “centralismo democrático”? A luta por dentro das instâncias criadas por eles, para eles e pelas leis feitas por eles? Como bem colocou Paulo Gomes - estas maneiras de fazer politica já eram denunciadas como velhas por Gramsci, quando nos porões das prisões italianas, no período fascista de Mussolini.

Minha geração e anteriores, não tem mais resposta para mudar o que está colocado hoje. Não nos adianta repetir estratégias e táticas anteriores, mesmo que bem elaboradas e exitosas à sua época, em outras conjunturas, em outras realidades. Realidades estas totalmente diferentes da que encontramos hoje.

“É você / Que ama o passado / E que não vê / Que o novo sempre vem.”

Eduardo Galeano nos dizia que “como um povo pode almejar um futuro melhor se não conhece seu passado”. Devemos sim, conhecer nosso passado, nossa história. Para, a partir das boas práticas, do exitoso, sedimentar a base necessária para a mudança, para a busca do novo. Para revolucionar! Os jovens de 1968 não aceitaram o “lutar por dentro das instituições” como pregava o PCB, por exemplo. Pegaram em armas e foram à luta. De forma acertada ou não, atendendo ou não à conjuntura do momento, tentaram revolucionar.

Esse tipo de revolução nos atende nos dias de hoje? Vamos chegar à conclusão que devemos ser mais radicais? Ou temos que nos preparar melhor para não repetir os mesmos erros, e inovar e transformar a partir dos acertos de antes. Repito, não será o PT, PCB, PcdoB, PSOL, PMDB, PSB, PSDB e demais, que estão imbuídos na manutenção do atual status quo, imbuídos na manutenção desse sistema político esgotado e atrasado, que permite desvios de condutas e princípios, que vocês jovens devem se apoiar. Não! Está na hora de deixarem de serem tutelados e a começar a mudar a forma de fazer política dos “véios”. São vocês que devem nos pautar e apontar os novos caminhos e as novas formas de fazer política. A estudantada de São Paulo mostrou a todos ser possível fazer diferente.

“Ainda somos / Os mesmos e vivemos / Como os nossos pais.”

Infelizmente assisti a reprodução da política “menor” que acontece no Brasil. Forças que deveriam estar unidas em um combate comum, por um objetivo final que atenda a grande maioria da população, disputando espaços e quinhões de poder. Quem tem cargos, mesmo que sem “garrafas”, entendendo-se por “garrafas” à população nas ruas.

Estamos perdendo e, não acredito que nos deixem em 2018 ou em 2020 como já insinuam, voltar a ocupar o Palácio em Brasília. Pois continuamos egoístas frente às necessidades do país. E se, por “felicidade” chegar, vamos chegar para quê? Vamos regulamentar a mídia? Fazer as reformas necessárias? Ou vamos manter o sistema?

Se for conosco, os “véios,” é bem possível que prevaleçam os acordos que a direita só cumpre quando de seus interesses. Mas se a juventude estiver revolucionando, inovando, estarão nos calcanhares dos “véios”, nos mordendo. Provocando-nos a ouvi-los e a perceber que mudanças são necessárias e possíveis.

“Mas também sei / Que qualquer canto / É menor do que a vida / De qualquer pessoa”

À luta.

Sérgio Mesquita
PT-Maricá

terça-feira, 4 de abril de 2017

"Tudo caminha para que não haja eleições em 2018"

"Tudo caminha para que não haja eleições em 2018", diz Marcio Pochmann
 
BRASIL DE FATO
Ednubia Ghisi


Para o economista Márcio Pochmann, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o cenário de ruptura da democracia brasileira exige reações fora da institucionalidade. “Não tem saída institucional e nem tradicional. Os que deram o golpe não entregarão pela via democrática”, garante, se referindo às eleições de 2018. A afirmação acalorou o debate do I Seminário "Contra a crise, pelo emprego e pela inclusão", parte do Simpósio SOS Brasil Soberano, realizado nesta sexta-feira (31/3), no Rio de Janeiro. O evento é realizado pelo Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge-Rio) e pela Federação Interestadual dos Sindicatos de Engenheiros (Fisenge).

Pochmann chama de otimista a análise de que seria possível interromper o golpe por meio de um processo democrático eleitoral, com a candidatura de Lula ou de outra candidatura de esquerda em 2018. “Mas eu não acredito que esse [novo] governo teria condições de apresentar resultados positivos à população”, ressalva.
Na avaliação do economista, “tudo caminha para que não haja eleições em 2018” e, por isso, a necessidade de avançar em outras saídas. “A democracia no Brasil é uma exceção, a regra é o autoritarismo. Em mais de 500 anos de história, temos 50 de democracia”.
Neste cenário de quebra da ordem democrática, o economista aponta a necessidade de ir além de denunciar e reagir. “Se quisermos uma eleição democrática em 2018, precisamos radicalizar. O que nós vamos impor de prejuízo a eles? Se nós não impusermos prejuízo a eles, nós não avançamos. Não estou defendendo a ruptura democrática, porque ela já houve. […] Quanto mais você se abaixa, menos você se levanta”, opina.

Bases do golpe


Sobre as bases em que se deu o golpe, avalia a opção pela recessão como uma das principais. “Sem a recessão não haveria golpe, ou não neste termos”, o que levou a um enfraquecimento da base e de apoio. O segundo elemento foi a descrença de que nós estamos, de fato, num processo de golpe. Apesar da “retórica”, a presidenta Dilma Rousseff não reagiu à altura e participou do processo parlamentar que levou ao golpe.
“Se há golpe, não há normalidade democrática, então requer outro tipo de postura”, e cita como ações que poderiam ser tomadas pela presidenta seria a suspensão das Olimpíadas, a declaração do golpe nas Nações Unidas, o chamado para uma grande reunião de chefes de estado para articular uma reação.
Soluções para a crise

O I Simpósio SOS Brasil Soberano ocorreu na sexta-feira (31), e terá outras três edições, em Salvador (BA) Belo Horizonte (MG) e Curitiba (PR), nos próximos meses. O evento busca soluções práticas para a crise que ocorre no país. Para o presidente do SENGE-RJ, Olímpio Alves dos Santos, o principal objetivo é construir uma discussão de projeto de nação.
“Precisamos de um projeto de emergência, urgente. É necessário abrir o debate a despeito de toda a resistência. O que assistimos é o desmonte do Estado, que foi construído na década de 30”, critica.
Clovis Nascimento, vice-presidente do SENGE-RJ e presidente da Fisenge, afirma que o Brasil vive uma crise sem precedentes.
“É uma crise institucional e política, que partiu de um golpe muito bem engendrado. Temos que construir propostas. Nossas contribuições devem ter como objetivo a melhoria da qualidade de vida”, defende Clovis.