segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

As “identidades” e a invisível luta de classes, por Nuno Ramos de Almeida


“Tentam, por exemplo, resolver o problema da pobreza mantendo os pobres vivos; ou, no caso de uma escola muito avançada, divertindo-os...”
Oscar Wilde

No drama dos imigrantes, uma chave para compreender o estratagema das elites dominantes: querem converter conflito social a mera disputa entre etnias ou gêneros. É outra máscara do eterno esforço para dividir os explorados

A portuguesa Ana Telma Rocha interrompeu um direto da Sky News para expressar a sua revolta. Vive há quase 20 anos no Reino Unido. Serviu nesse país “em 32 empregos diferentes”, segundo confessa. Trabalha 63 horas semanais. Cria riqueza na Grã-Bretanha, mas só serve para trabalhar calada. Na hora de decidir, sobre o seu futuro e a sociedade em que vive, ela não é chamada.

“O que me preocupa é o estado das coisas, o estado da sociedade da qual uma pessoa fez parte durante 20 anos e do nada é apagada, é invisível”, diz.

A operação que permite descartar os imigrantes como se fossem lixo baseia-se numa correlação de forças que faz com que lhes seja negada a voz nas nossas democracias.

As sociedades europeias têm como modelo a Grécia antiga: não a sua elevação filosófica, mas o fato de só os nacionais terem alguns direitos, o resto são metecos, que servem para trabalhar calados.

Aqueles que trabalham têm a força do trabalho, mas a sua fraqueza política baseia-se na divisão. Metade dos pobres da Europa dirigem o seu ódio e rancor para a outra metade dos pobres, por razões tão curiais como não terem nacionalidade, “raça” ou religião que os mandantes de turno garantem que é a certa. Os pobres de todas as “raças”, credos e nacionalidades podem bater-se à paulada, mas o resultado é que ficarão sempre na mesma, pobres e subalternos.

A criação da invisibilidade é uma operação ideológica que se alicerça na privação de poder da maioria da população do planeta. É um poderoso instrumento que permite fazer várias coisas, desde não conceder direitos políticos aos imigrantes nos países europeus, até negar o direito à vida às milhares de pessoas que são literalmente jogadas ao mar para morrerem afogadas no Mediterrâneo. Gente que tem como único crime procurar uma vida melhor para si e para os seus.

Para os pobres se sentirem contra outros pobres e esquecerem que quem fica com a sua parte são os ricos é preciso um processo histórico, econômico, político e conseguir condicionar a forma como os oprimidos, migrantes ou não, veem a realidade.

As migrações são um dos processos que se aceleram com a globalização. Tal como acontecem, no capitalismo globalizado, elas não derivam da liberdade para circular, mas da liberdade de explorar. Os imigrantes – mantidos propositadamente com poucos direitos sociais e nenhuns direitos políticos – são usados como tropa de choque para implodir os poucos direitos conquistados ao longo de gerações pelas classes operárias locais. Esta degradação das condições sociais para a maioria da população é acompanhada por uma outra operação ideológica de relevo: a tentativa de etnização do conflito social.

Quem manda na política define um território e escolhe aqueles que são amigos e aqueles que são inimigos, como explicava Carl Schmitt. Quem consegue tornar hegemônicas essas regras ganha o tabuleiro do confronto político. As elites que mandam no capitalismo vendem-nos, nos países desenvolvidos, como uma divisão entre uma enorme classe média, a que eles também pertenceriam, e uma matilha de imigrantes que habitam nos territórios selvagens dos subúrbios.

Entre as elites autoritárias, do novo populismo de extrema-direita, e as elites com o discurso clássico, apenas muda o tom. Nos primeiros, os imigrantes devem ser controlados pela polícia e não ter apoios sociais; nas elites do bloco central dos interesses, os imigrantes não devem ter direitos, mas devem ter caridade e reconhecimento da sua diferença cultural. Na maioria dos países da Europa os governos reconhecem com mais facilidade a existência de comunidades com culturas próprias que a existência de direitos sociais para toda a gente.

Nessa operação ideológica, em que se divide a sociedade em classes médias e gente de fora, consegue-se fazer desaparecer as classes populares originárias do país e, mais importante, fazem-se desaparecer da vista das pessoas o fato das elites ganharem uma fatia cada vez maior do rendimento mundial.

Transforma-se o conflito social num jogo de sombras em que se opõem comunidades culturais e étnicas diferentes, tornando invisível a luta de classes. Essa estrutura generaliza-se para a sociedade no seu conjunto. Todo o campo da luta social se torna um conflito entre identidades diferentes. A luta das mulheres pela igualdade, dos migrantes pelos direitos políticos e sociais, dos homossexuais pelo direito a não serem discriminados, dos negros contra o racismo deixam de ser lutas universais pela igualdade para passarem a ser apenas políticas identitárias. A ideologia dominante aprofunda divisões e identidades de modo a que nunca haja uma maioria social pela igualdade de todos, e para que toda a luta seja uma continua multiplicação de divisões entre aqueles que não têm nenhum poder.

Blanqui esteve preso 37 anos. Na sua última prisão, nas vésperas da Comuna de Paris, escreveu um enigmático texto chamado “A Eternidade Conforme os Astros”. Páginas esquecidas que o malogrado pensador Walter Benjamin comparava a Baudelaire. Nelas, o homem das muitas conspirações dos iguais remetia para um universo frio e infinito as possibilidades de novas formas de vida e sociedade que triunfassem onde a humanidade tinha tropeçado. “Saberão por certo que o céu obedece às leis da igualdade, e encontra em si mesmo os recursos para escapar à morte. Mas saberão que esse combate da vida contra a morte é um drama que não tem nem começo nem fim, que obriga os que o tomam como modelo a travar um combate indefinidamente repetido, e certo apenas quanto a uma coisa, que nenhum final feliz se encontra no fim do caminho”.

Vendem-nos muitas vezes que a política é a arte do possível. E que qualquer acordo medíocre é melhor que uma divergência de princípios. É desta massa que é feita a atual Europa, onde se promete aos eleitores votarem em candidatos a presidente da Comissão Europeia, mas no fim, o Conselho Europeu resolve mandar fechar esse circo de ilusões e vender os lugares de poder à melhor licitação negocial.

Num livro de Slavoj Zizek, A Europa à Deriva, encontram-se duas citações da obra de Oscar Wilde, A Alma do Homem e o Socialismo: “É muito mais fácil ter-se simpatia para com o sofrimento do que ter-se simpatia para com o pensamento”, acrescentando-lhe uma outra passagem de Wilde em que este defende que o simples horror ao sofrimento e a caridade em relação à pobreza não fazem mais que prolongar as suas causas e aliviar a consciência dos responsáveis por essa situação. “Tentam, por exemplo, resolver o problema da pobreza mantendo os pobres vivos; ou, no caso de uma escola muito avançada, divertindo-os. Mas isso não é uma solução, é um agravamento da dificuldade. O objetivo adequado é tentar reconstruir a sociedade sobre uma base em que tal pobreza venha a ser impossível. E as virtudes altruístas têm, sem dúvida, impedido a realização de tal desígnio”, conclui o autor de A Importância de ser Ernesto.

Não é por acaso que Zizek escolhe o grande provocador britânico para inventariar aquilo que se propõe neste livro. O esloveno coloca-se na posição que mais gosta: a de provocador. Mas sempre vai dizendo algumas coisas fundamentais. A solução para a questão dos refugiados, apesar dos horrores das imagens, não passa pela simples caridade para resolver o problema imediato de centenas de milhares de pessoas; embora esse drama tenha que ser já resolvido, a urgência da ação não nos pode dissuadir de afirmar que essas pessoas são sujeitas de direitos e não apenas objetos de caridade. O autor defende que a resolução da crise humanitária não se faz pela abertura, maior ou menor, das fronteiras, mas por responder aos problemas globais e às suas implicações nos países de origem dos refugiados. Zizek defende, também, que não se pode deixar à extrema-direita o monopólio da proximidade das pessoas e da preocupação sobre a situação criada na Europa com o enorme fluxo de refugiados. É talvez aí o ponto mais polêmico do livro, a ideia que uma posição de abertura de fronteiras aqui e agora, é meramente uma posição simbólica de quem sabe que isso não acontecerá. Slavoj Zizek, num capítulo sugestivamente chamado “Quebrar os Tabus da Esquerda”, atira-se a uma concepção muito difundida da esquerda, dita multiculturalista, segundo a qual “um inimigo é alguém cuja história nunca ouvimos”.

Para o filósofo, “existe um claro limite para este procedimento. Também estaremos prontos a afirmar que Hitler era só um inimigo porque a sua história não foi ouvida? Ou, será que, pelo contrário, quanto mais conheço e ‘compreendo’ Hitler, mais Hitler é o meu inimigo?” E não se fica por aí, há em parte da esquerda a ideia que tudo o que vem dos oprimidos é necessariamente bom. Para além de defender que essas pessoas não sejam oprimidas, deveríamos, segundo essa esquerda, compreender de tal maneira a sua situação e circunstâncias, que tudo o que eles fazem deve ser defendido. Para o autor da Europa à Deriva, as coisas quase nunca são assim. Faz uma crítica similar a Etore Scola no filme Feios, Sujos e Malvados. A miséria não nos faz ser boas pessoas e gente aconselhável. Mas isso só reforça a convicção que se deve combater as causas que levam as pessoas a ser exploradas. No seu pensamento, a contemporização com os aspetos retrógrados da religião, em prol de um multiculturalismo fofo, não existe. Ele recupera a ideia de Marx que “a religião é o ópio do povo” ao defender que “o próximo tabu a ser descartado sem piedade é a equiparação de qualquer referência ao legado emancipatório europeu com o imperialismo cultural e o racismo”. Criticar práticas e concepções culturais do islamismo dos refugiados não significa ser cúmplice da sua opressão. “O próximo tabu esquerdista a deixar para trás é o de obstar a qualquer crítica ao islão como um caso de ‘islamofobia’”. A superação desta situação de profunda desigualdade que se vive no mundo, e a situação de selvageria a que foram levados grande parte de territórios do mundo, a golpes de mísseis, não se corrigem por uma questão de tolerância multicultural, mas resolvendo as questões através de um novo projeto de  universalismo emancipatório. Para Zizek, existem quatro antagonismos que podem permitir que o capitalismo global, que gera os racistas e os fundamentalistas, não se reproduza eternamente: “a ameaça iminente de catástrofe ecológica, a inadequação da propriedade privada para a chamada ‘propriedade intelectual’, as implicações sócio éticas dos novos desenvolvimentos técnico-científicos (sobretudo a biogenética), e , por último mas não menos importante, as novas formas de apartheid, os novos muros e bairros de lata”. É, para o autor, este aspeto final que politiza e dá tom às contradições existentes no sistema.


Balanço de 2019: o império da impostura - 26/12/2019


Afora os grandes empresários que aplaudem calorosamente o ministro Paulo Guedes porque ganham com a crise, o balanço de 2019 na perspectiva das vítimas dos ajustes fiscais, dos que perderam direitos na reforma da previdência e dos resistentes é repudiável.

Instalou-se aqui o império da impostura. Um presidente que deveria dar exemplo ao povo de virtudes que todo governante deve ter, realizou atos acintosos que na linguagem religiosa, bem entendida por ele, são verdadeiros pecados mortais. Pela moral cristã mais tradicional é pecado mortal caluniar certas ONGs, bem o ator Leonardo di Caprio culpando-os de incentivar os incêndios da Amazônia ou difamando o reconhecido educador Paulo Freire e o cientista Ricardo Galvão ou mentir contumazmente mediante fake news e alimentar ódio e rancor contra homoafetivos, LGBTI, indígenas, quilombolas, mulheres e nordestinos. A lentidão no julgamento do massacre de Brumadinho-MG e de Mariana-MG está mostrando a insensibilidade das autoridades. Algo parecido ocorreu com o derrame ignoto(?) de petróleo em 300 praias de 100 municípios do Nordeste.

Não cabe a ninguém julgar sua intenção subjetiva. Isso é coisa para Deus. Mas cabe fazer um juízo sobre fatos e atos, portanto, realidades objetivas e concretas para as quais cabe um juízo ético e teológico. Tal atitude imoral foi entendida por muitos como carta branca para desmatar mais, assassinar lideranças indígenas e a polícia tornar-se mais violenta e até assassina.

Estamos vivendo sob o império da impostura no campo nacional e no internacional. Um psicanalista francês, Roland Gori escreveu um instigante livro “La fabrique des imposteurs” (Paris 2013). Para ele o impostor é aquele que prefere os meios aos fins, que nega as verdades científicas, que distorce a realidade solar, que não se rege por valores porque é apenas um oportunista, que afirma algo e logo depois o nega conforme suas conveniências, que pratica a arte de iludir as pessoas ao invés de emancipá-las pelo pensamento crítico, que despreza o cuidado pelo meio ambiente, que passa por cima das leis, que culpabiliza os pobres e que não demonstra  amor nem  piedade.

O que transcrevi aqui está referido no livro “La fabrique des imposteurs e representa um retrato da atmosfera de impostura reinante nas mais altas instâncias políticas do Brasil.

As medidas contra a educação, a saúde, a ciência, ao meio ambiente e aos direitos humanos concretiza a mais rude impostura contra tudo o que se construiu de positivo nos últimos decênios. Somos conduzidos a um estágio regressivo, anterior ao iluminismo, numa mentalidade fundamentalista com viés fascistóide.

Talvez o ato para nós mais humilhante foi o gesto de vassalagem explícita do atual governante ao presidente dos USA, oferecendo-lhe o que podia sem receber nada em troca. Risível e ridículo foi quando, numa recepção de chefes de estado lhe diz a Trump “I love you” e recebeu apenas 17 segundos de atenção.

A impostura grassa veemente, em primeiro lugar, nos USA onde o presidente Trump, segundo repete Paul Krugman, Nobel de economia, constitui um perigo para a humanidade. Mente a mais não poder e se justifica ao dizer que são “verdades alternativas”. Igual impostura ocorre nos países ultra neoliberais onde o povo se rebela como no Chile, no Equador, na Colômbia, culminando com um golpe de estado contra a população indígena e seu representante na Bolívia, lançando o povo na fome e no desespero.

Perigosa impostura ocorreu na COP25 em Madrid que contra todas as evidências e dados científicos predominaram os negacionistas do aquecimento global, o Brasil incluído. Contra eles o relatório final recolhe a advertência da ONU: ”Se nada fizermos, no final do século, a temperatura pode aumentar de 4-5 graus”. Com estes níveis, a vida que conhecemos não subsistirá. Será um verdadeiro Armagedom ecológico. Nossa espécie correrá perigo.

Não obstante esta atmosfera tenebrosa cabe celebrar a libertação de Lula, vítima da aplicação da law fare, instrumento de perseguição política com o objetivo de prendê-lo. O que ocorreu.

Termino com as palavras severas do prêmio Nobel de medicina de 1974, Christian de Duve: ”A perspectiva não é apenas preocupante: é aterrorizante. Se não conseguirmos conter o crescimento demográfico (poderia dizer o aquecimento global) racionalmente, a seleção natural fará isso por nós irracionalmente, às custas de privações sem precedentes e de danos irreparáveis ao meio ambiente. Tal é a lição que quatro bilhões de anos nos oferece a história da vida na Terra” (Poeira vital 1997,369).

Bem o enfatizava o Papa Francisco em sua encíclica ecológica: ”as previsões catastróficas não se podem olhar com desprezo e ironia”(n,161). A impostura nos faz surdos a estes clamores. Por causa disso, o destino humano dificilmente escapará de uma tragédia.

Leonardo é teólogo e filósofo e escreveu: A saudade de Deus - a força dos pequenos, Vozes 2019.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Sobre o Pacto pela Inovação para o Desenvolvimento do Leste Fluminense


A ideia é transmitir aos participantes do PIDLF algumas preocupações que me ocorrem.

Nada que se oponha a necessidade, ao acerto, ao “o tiro na mosca”, que entendo ser a viabilização deste Pacto. Pacto que será benéfico para os municípios participantes, bem como para o Estado do Rio em sua totalidade, e porque não, para o Brasil. Pode vir a ser um exemplo, como o consórcio do NE na Saúde.

Passamos por um momento que não é privilégio do Estado do Rio, ou mesmo do Brasil. Ainda sofremos com a continuidade da crise de 2008 e seus fantasmas.

Na questão nacional, está claro para o mundo, que as medidas tomadas pelo governo federal somada a pouca lucidez de muitos de seus dirigentes, faz com que a luz no final do túnel não seja alcançada. Pelo contrário, nos leva a crer que o túnel se alonga em seu tamanho. Ao contrário da Utopia, que nos serve para a caminhar, segundo Galeano, este alongamento nos leva a mais miséria, perda de soberania, injustiças e um retorno criminoso a Idade Média.

Na questão estadual, temos seus problemas aumentados pela questão nacional. Navega em mares revoltos, alinhado com Brasília. Não tem demonstrado capacidade de enfrentamento da crise e das questões políticas. Segue a corrente, torcendo para que o “pibinho” anunciado com pompas pela Globo, realmente seja um alento.

Por outro lado, os grandes meios de comunicação, continuam pulando de galho em galho e, de acordo com seus interesses ou verbas de publicidade, no geral, mantêm as mesmas práticas de 50 anos. São contra a democracia e soberania do país. Funcionam para menos de 10% da população do país. O restante só serve para manipulação.

Mesmo com todo esse quadro, e claro, pelo clã de Brasília não ter encontrado ainda uma fórmula que leve a uma nova distribuição dos “royalties” ou mesmo ao seu fim, enquanto riqueza distribuída. Cidades como Maricá e outras poucas, pensam em sua utilização como indutor de um crescimento regional e não local. Não por ser boazinha, madre Tereza. Mas sim, por entender a necessidade, a urgência de um crescimento regional e não como uma ilha de prosperidade cercada de pobreza. Como é comum acontecer com empreendimentos em que só são levados em questão, planilhas financeiras e não a sua população.

Não repitamos os erros de muitos estados e municípios, que por conta de uma guerra fiscal, distribuíram ao léu isenções fiscais por decênios e decênios. O resultado são uns poucos bolsões de prosperidade cercados de vários bolsões de pobrezas, pois os municípios ficam sem arrecadação fiscal para cuidar de seu povo.

Uma região que tem em seu território estruturas como o COMPERJ, um Parque Tecnológico nascendo, um futuro Porto e acesso a um Anel Rodoviário, deve é cobrar contrapartidas das empresas que aqui se instalarem, em prol de sua população empobrecida.

Fazer como nos conta Requião. Quando governava o Paraná e uma fábrica de tratores agrícolas queria isenções absurdas para se instalar no estado. O empresário ameaçava ir para Minas, que cedia as suas exigências. Requião pega o telefone e dá os parabéns ao Hélio, pois ele havia ganho uma fábrica de tratores. Passados dois meses, a fabrica se instala no Paraná sem as benesses exigidas. O Porto de exportação de grãos era no Paraná, a produção agrícola era no Sul, porque o empresário iria montar uma fábrica no interior de Minas para depois vender os tratores no Sul?

Vamos ao exemplo de minha querida Santa Rita do Sapucaí, MG, o vale da eletrônica, nosso vale do silício. Cidade pujante, uns dos melhores “hacktown” do Brasil. Várias empresas de ponta e faculdades instaladas. Pobre. Sem orçamento.

Lá trás aprovaram uma Lei de incentivo onde, as empresas quando cresciam em faturamento e tamanho, poderiam se subdividir em empresas menores...

São vários os exemplos e várias as mentiras como a geração de emprego, pois a automação está aí e devemos estar preparados, não para os empregos que serão criados, mas para os empregos não criados. E sem orçamento, não teremos solução.

Há braços.

Sérgio Mesquita
Secretário de Ciência, Tecnologia e Comunicações de Maricá-RJ

segunda-feira, 25 de novembro de 2019


As tecnologias nos contos de fadas

Délcio Teobaldo

As pedrinhas deixadas por Joãozinho, no chão da floresta, para sinalizar a ele e à imã Maria, a volta segura para casa, seriam um Protótipo de Baixa Fidelidade do atual sistema de posicionamento global (GPS)?! Por que não? Ora, assim como, pelos séculos dos séculos, os Contos de Fadas têm transmutado a realidade em fantasia; sem perder o fluxo, na mesma vibe (pensei usar aqui a palavra dinâmica, mas vibe é mais adequada ao tema), as novas tecnologias comprovam que, hoje, quaisquer fantasias podem se tornar reais.

Sonhos prototipados, num mundo onde, sem dúvida, o “Abre-te e o fecha-te Sésamo!” de As Mil e uma Noites, assim como o Tapete Voador, eram Protótipos de Alta Fidelidade das senhas de comando de voz e dos drones tripulados. Seriam os hieróglifos, emojis? Seria o desafio “Decifra-me ou devoro-te?”, da Esfinge de Tebas, a senha derradeira que daria ao usuário o acesso seguro ao pluriverso da Internet? Por que não?

A partir dessas evidências, proponho as releituras, tão urgentes, quanto necessárias, dos Contos de Fadas sob a ótica das tecnologias. A troca é justa: se, através dos contos ancestrais, herdamos a fantasia e, dela, extraímos a força e a possibilidade de sonhar acima e muito além do óbvio, nada mais compatível que, pelo bem do próprio bem desta geração, sejam respeitados seus ideogramas, tanto quanto deve ser mantida a reverência à oralidade, onde o contos foram gerados e ao abecedário, que os mantém vivos e interessados.

Esse respeito, reverência e reconhecimento se baseiam, logicamente, em perpetuar o “quem conta um conto aumenta um ponto”, pois a fantasia é um alinhavo sempre pra frente. Ascendente. Transcendente. O respeito, reverência e reconhecimento se baseiam, também, no compromisso de continuarmos conjugando o verbo ser no passado, pois sempre foi e será “Era uma vez...”, não importa o deslumbramento pelas belezas do presente, porque a criação e a fantasia sempre estarão (devem estar!) a um passo da realidade, não importa se os avanços da Tecnologia da Informação (TI) nos coloquem, diariamente, no ventre do seu admirável assombro novo.

Nesses tempos em que o fantasma da Nomofobia ronda corações e mentes e amplia a lista de doenças a que estão vulneráveis os que têm medo irracional de ficar sem o celular ou quaisquer meios de interação e compartilhamento, nada mais saudável e sensato que amenizar danos, num mergulho ao mundo do “Era uma vez...” (Re) imaginar, experimentar, fazer contrapontos, um exercício que, seja aplicado à música ou às partilhas cotidianas, sempre harmoniza. Enriquece. Oxigena. Poderia, para isto, utilizar, como reconto, a tela do smartphone, associando-a à deslumbrante Toca do Coelho Branco de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll... Ou, quem sabe, invocar Kobold, o duende que habita as minas. O demônio brincante que, se não for respeitado, enlouquece tanto aqueles que se aventuram pelo coração da terra, sem lhe pedir licença, quanto os que vivem na superfície.

Seria um caminho seguro a seguir, afinal, Kobold e Cobalto, o minério azulado que sai das minas da República Democrática do Congo para alimentar as empresas fabricantes de celulares, são sinônimos. Estaria Kobald, fazendo valer sua natureza mágica, atazanando o cotidiano dos usuários de celulares que, além de o ignorarem, sequer o agradecem, pelas maravilhas que essas ferramentas, simples artefatos da metalurgia, acrescentam às suas vidas? Os celulares estão sendo manuseados de maneira afetiva e cuidadosa, como Kobold exige, seja utilizado o minério que ele fornece ao bem estar lúdico e para otimizar as relações humanas? Hem?

Bom, aqui caberiam todas as perguntas e especulações possíveis, mas vou me limitar ao reconto do clássico João e Maria (Hansel e Gretel), dos Irmãos Grimm. Não há motivo especial, mas como iniciei o artigo falando do conto, ensina a boa norma da oralidade, uma vez puxado, não se deve soltar o fio da meada. Então...

Partindo do princípio que, na tentativa de reencontrar o caminho de volta à casa dos pais, Joãozinho antecipou em centenas de anos a criação do GPS, podemos afirmar, sem receio algum, pois somente a fantasia se permite contrariar a Rosa dos Ventos, que a Casa de Doces da Bruxa Ranheta era um gigantesco smartphone. Afinal, quem resiste ao desejo de saborear (não se esqueçam que sabor e saber possuem o mesmo radical latino, sapere), tocar, provar, experimentar o alcance, os recursos de um tablet, ou de um celular, achados numa floresta?

Foi o que Joãozinho e Maria fizeram, devorando a casa da Bruxa Sinistra. E por que ela era cega? Ora, ora, mesmo sabendo o que é Nomofobia, todos os fabricantes de celulares, assim como a Bruxa Cabulosa, também, não fazem vista grossa, fecham os olhos ou se fingem de cegos diante disso? E para fechar este reconto, vamos desfazer, definitivamente, o enredo em que Joãozinho era o protagonista da história ou que a Bruxa Carcereira planejava comê-lo, após a engorda. O que ela queria, realmente, era ter o domínio da senha digital de Joãozinho para, a partir dela, navegar no mundo virtual. Vasto. Ilimitado. Sem vassoura voadora. Livre. Leve. Solta. Por isso, semanalmente, verificava se o menino havia “engordado”, se estava no ponto, ou melhor, empanturrado de guloseimas e satisfeito, a ponto de oferecer-lhe a senha digital. Não fosse esta a intenção ou a verdade, que explicação pode ser dada ao ato de avaliar a engorda de alguém, com a ordem bizarra: “Mostre-me o dedo!”?
Mais surreal, impossível, mas é do improvável que se alimentam as fantasias...

Rio de Janeiro, 11 de novembro de 2019

A terra treme


*A terra treme*
Mario Sérgio Conti
23.nov.2019 às 2h00


NO MUNDO...
É tanta revolta que, para não esquecer nenhuma, é bom botá-las em ordem alfabética. Em um mês, houve rebeliões na Argélia, Catalunha, Chile, Colômbia, Equador, Haiti, Hong Kong, Irã, Iraque e Líbano. Milhões e milhões de pessoas querem mudar de vida. Agora, e não depois.

Diferentes entre si, os motins têm traços insurrecionais pela duração (desde fevereiro, Argel fecha para protestos às sextas-feiras), pela abrangência (em Santiago, mais de um milhão de pessoas participaram de uma passeata) e pela coragem (centenas de mortos em Teerã e Bagdá).

Na regra, os levantes começaram com demandas particulares que logo se alastraram. Secundaristas pularam catracas do metrô para se insurgir contra o aumento das passagens —e em dez dias uma greve geral parou o Chile.

O governo libanês quis impor uma taxa para mensagens de WhatsApp —e 12 dias depois o primeiro ministro se demitiu. O reajuste da gasolina desencadeou quebra-quebras em Quito. A corrupção alimentou convulsões em Bagdá e Teerã.
As reivindicações foram atendidas e as praças não se aquietaram. A China voltou atrás na intenção de querer que o Partido Comunista julgasse os dissidentes de Hong Kong. Mas, como quando da renúncia do presidente argelino, a contestação só fez aumentar.

Com o quebra-quebra,  governo chileno teve que convocar plebiscito sobre constituinte. No Líbano, a palavra de ordem passou a ser a unidade nacional, acima das divisões religiosas. O separatismo ganhou força na Catalunha e em Hong Kong.

É preciso aguardar os desdobramentos para avaliar a insurgência. Dá para dizer, contudo, que ela lembra as revoluções europeias de 1848 e tem algo da explosão do stalinismo, em 1989-1991. Parece um segundo momento da Primavera Árabe de 2011, só que agora em vários cantos do globo.

Embora o seu alcance geográfico seja muito maior, as explosões não pegaram em cheio os países centrais. Mas, também neles, algo fermenta: coletes amarelos na França; passeatas pró e contra o brexit na Inglaterra; a greve da GM nos Estados Unidos.

O que fermenta é a insatisfação com a política apodrecida. Com o status quo criado pela economia neoliberal. Com a ordem mundial sino-americana. Com a espoliação de milhões por um punhado de bilionários. O combustível da turbulência é a desigualdade social.

As multidões sabem o que repudiam. Mas apenas intuem o que querem: justiça, democracia, igualdade.

Os poderes constituídos têm horror a isso. Sua reação automática foi cair de pau na plebe rude.

A teocracia tirou a internet do ar no Irã e, segundo a Anistia Internacional, matou mais de cem. O exército encarcerou dezenas de dissidentes na Argélia, a começar pela médica Louisa Hanoune. A polícia chilena atirou na cabecinha e cegou dezenas de insatisfeitos.

JÁ NO BRASIL...

As multidões cantam seus mutilados e mártires. E os bens de vida zelam para que os pés-rapados não se aposentem nunca, os desempregados sejam taxados e o agronegócio queime a Amazônia: é cultural, tá oquei?

Bolsonaro vem se armando para enfrentar eventuais revoltas. Pôs 2.500 militares em ministérios e cargos de chefia (Folha de 14/10). Moro quase dobrou o contingente verde-oliva no Ministério da Justiça; e toda a milicada trabalha fardada às quartas-feiras.

*Agora, o presidente mandou ao Congresso um projeto de lei que isenta de punições policiais e militares que, em defesa da lei e da ordem, “cometam excessos”. Na prática, inocenta previamente soldados e meganhas que cegarem, aleijarem ou matarem quem protestar contra Bolsonaro.*

Por fim, lançou a Aliança pelo Brasil. Seu manifesto de fundação fala em “ordem nova”, “degeneração moral” e de “livrar o país dos larápios, dos espertos, dos demagogos e dos traidores”. É explícito: não usa nunca a palavra democracia.

A Aliança não precisa disputar as próximas eleições, como admitiu. Seu objetivo implícito é juntar a banda podre das polícias, do Exército, das seitas, das milícias e de toda a corja lúmpen numa organização de combate —de luta ideológica e física, nas ruas.

*Enquanto os bem-pensantes batem papo sobre 2022, e avaliam as chances de Huck e Haddad, Bolsonaro se prepara. Tem o apoio de empresários e de Guedes, de moralistas e de Moro, de generais e de Villas Bôas, de pastores e do bispo Macedo, do “império” e de Trump.*

Continuará a provocar arruaças, a destruir direitos e a solapar as liberdades públicas. Se a revolta vier e tiver condições, Bolsonaro posará de salvador da pátria, de Bonaparte. Tentará um golpe.

*Mario Sergio Conti*
*Jornalista, é autor de "Notícias do Planalto".*

domingo, 17 de novembro de 2019

Para tentar entender um pouco da encrenca... ou, mais trevas na luz


O texto a seguir é pensado a partir do livro “Quem Manda no Mundo”, escrito por Noam Chomsky, em sua 3ª edição de 2018. Que confirma uma prática iniciada ainda na década de 60 (Sec. XX), em plena “Guerra Fria”, quando os EUA começam a exportar “religiosos” pelo mundo, em especial, aqui em nossa América Latina, para evitar o “perigo comunista” e implantar o neoliberalismo, colocado em experiência no Chile, pelo ditador Pinochet.

Com certeza não esperavam o sucesso alcançado, pois duvido que sequer pensaram em aplicar em suas fronteiras o que exigiam nos países “amigos”. Não esperavam por cidades fantasmas como Detroit, os sem tetos, desempregos e outras. A Globalização também os atinge, e não se dão conta que, as corporações e os grandes conglomerados são os verdadeiros donos do mundo. São os que ditam as regras, deixando ao governo dos EUA o mero papel de exército mercenário das Corporações.

Hoje, sentem na pele o mesmo que passamos aqui, onde todos foram colocados em um mesmo saco: - política é coisa de bandido e só Deus salva.

O trecho abaixo, colocado pelo Chomsky, nos traz esta preocupação, pois passa a impressão que tanto aqui, como lá, a política perde a razão de existir, em nome de uma fé que nos levará de volta a Idade Média, com a Terra plana e outras idiotices. A Fera do obscurantismo está solta, e quem irá colocar a coleira nela?

Cap. XXII: O relógio do Juízo final, página 287

“Os partidos Republicano e Democrata deram uma guinada à direita durante o período neoliberal da geração passada. Os democratas do mainstream são agora o que costumávamos chamar de republicanos moderados. Enquanto isso, o Partido Republicano desgarrou-se do espectro, tornando-se o que os respeitáveis analistas políticos conservadores Thomas Mann e Norman Ornstein chamam de uma insurgência radical que praticamente abandonou a política parlamentar normal. Com a guinada à direita, a dedicação do Partido Republicano à riqueza e ao privilégio tornou-se tão extremada que suas efetivas políticas não foram capazes de atrair eleitores, de modo que agora tem de buscar uma nova base popular, mobilizada em outros setores: cristãos evangélicos aguardando a Segunda Vinda de Jesus, nativista que temem que eles estejam roubando de nós o nosso país, racistas estagnados, pessoas com queixas reais que confundem suas causas e outros que, como eles, são presas fáceis de demagogos que podem tornar-se uma insurgência radical.

Em anos recentes, o establishment estava expressando considerável desalento e desespero diante de sua incapacidade de fazê-lo, à medida que a base republicana e suas escolhas saíam do controle.

Os políticos republicanos eleitos e os presidenciáveis da campanha de 2016 expressaram desprezo franco pelas deliberações de Paris, recusando-se inclusive a comparecer nos trabalhos. Os três candidatos que à época lideravam a pesquisa eleitorais – Donald Trump, Ted Cruz e Bem Carson – adotaram posição de base amplamente evangélica: os seres humanos não exercem nenhum impacto sobre o aquecimento global, se é que está mesmo acontecendo um.”

O fato, é que o terraplanismo chegou lá também. O tiro também saiu pela culatra.

Não adianta filmes, séries e livros como Elysium, The Handmaid`s Tale, 1984, Admirável Mundo Novo, Fahrenheit 451 e etc. O que interessa é a Segunda Vinda de Jesus. Até lá, contentemo-nos com as fakes news, mamadeiras de pirocas, a facada no Bolsonaro e idiotices. Mas, que o Queiroz continue em paz.

Sérgio Mesquita
PT-Maricá

segunda-feira, 19 de agosto de 2019


ELEIÇÕES EM MARICÁ

“Se quebraram as lanças, se botaram uma grade diante do olhar do índio, o momento agora é de você pular esta cerca, o momento é de você reconstruir esta lança, e admitir que isso é o que te resta. Se você não fizer isso agora em que o confronto é possível, você nunca fará mais.”
Delcio Teobaldo
II Seminário Internacional Arte, Palavra e Leitura-2019

Estamos nos aproximando das eleições municipais de 2020. Eleições de características calorosas, pois são em nossos quintais, onde muitos se conhecem e se relacionam com muitos.

Por conta do momento por que passa o país, a previsão de termos uma eleição mais “violenta”, com os “fakes news” envolvendo pessoas próximas, como vizinhos e parentes, não é absurda. Principalmente quando se encontram na casa de um “miliciano” ou, quem sabe, “membro de esquadrão da morte” ( como existiram os CCC, CONDOR, SA (nazista), Triple A (Argentina)), fuzis de uso privado dos “marines” americanos... tudo é possível quando um presidente diz ser necessário matar uns 30.000. Já contaram quantos ativistas sociais já morreram?

Mas o que realmente me preocupa é como vamos nos preparar para estas eleições em Maricá. Principalmente depois que tivemos o Marcelo Delaroli envolvido em uma delação premiada. Já comecei ouvir que será uma “barbada”, que a direita perdeu seu candidato. Pode até ter ficado sem, mas o que nos garante que não importarão um “salvador do município”? O que nos garante que o Marcelo não concorrerá? Nada! Pelo contrário, no Brasil de hoje pode até não acontecer as eleições, fala-se abertamente em fechamento do Congresso. Legislativo, Executivo e Judiciário, estão em aberta guerra entre eles e internamente. A direita pela primeira vez apresenta-se dividida. O problema é que, no momento das eleições, o pragmatismo deles deve leva-los a uma nova união. E o da esquerda, onde irá nos levar? Façamos um exercício de futurologia, nos uniremos em busca do bem maior ou iremos disputar cargos e/ou espaços dentro de um sistema que foi pensado para eles, pelas Leis feitas por eles e para atender as necessidades deles.

As grades colocadas acima delimitam nossos quadrados de atuação. Vamos pulá-las? Fica a observação - não falo em revolução. Hoje nem pensar! Falo em colocarmos os pés para além das marcas que nos impõem. Nossas lanças, são os movimentos sociais, dos quais nos afastamos. A reconstrução de nossas lanças passa pela reestruturação da participação popular. Se assim não acontecer, não vejo futuro após mais uma “vitória” eleitoral. Ganhamos o segundo mandato da Dilma e perdemos logo a seguir, porque nos mantivemos nos limites da grade e não reconstruímos nossas lanças. Como bem escreve Delcio: “admitir que isso é o que te resta”.

Sérgio Mesquita


O FIO CONDUTOR

“Estamos vivendo um período pré-insurrecional onde a população
está extremamente insatisfeita e a extrema-direita
tem maior facilidade de conversar com o povo do que a esquerda.
Precisamos prestar muita atenção neste momento,
pois estamos definindo o país que teremos nos próximos 40 ou 50 anos”
Márcio Pochmann

No mundo espírita, diz-se que quando o projetor sai de seu corpo físico, ele mantém uma ligação com o mesmo através de um cordão de prata. Dependendo da distância entre o projetor e seu corpo físico, este cordão pode não ser percebido, quando distante; ou ser bem visível, quanto mais próximo do corpo físico.

Espíritos à parte, podemos dizer que nas ações políticas existem dois cordões que, por coincidência ou não, são mais fortes ou fracos de acordo com a proximidade do “corpo físico”, neste caso, as populações alvo destas ações e as próprias ações. Chamemos estes cordões de Fios Condutores.

Um dos Fios, liga a ação diretamente à sua população fim. No caso, a medida não é a distância física, e sim a qualidade da participação da população na discussão, no desenho e, finalmente, na materialização da ação pelo governo. O nome dado a este tipo de estratégia de execução é a participação popular. Quanto maior a participação, maior o sentimento de pertencimento e maior será a defesa que esta mesma população, fará por esta ação. Pois também será fruto de seu trabalho.

O outro Fio, salvo pequenas nuances, segue a mesma linha, só que, sua condução se dá entre ações. A medida está no quanto uma determinada ação dialoga com uma ou mais ações do governo. Neste caso, mesmo que bem-sucedida a ação, se não houver diálogo com outras ações, seu fio condutor não será percebido. Seu resultado será isolado, não complementará ou provocará outros resultados. Será uma ação eficiente, não eficaz. Ações são eficazes quando além de sua eficiência, fazer certo as coisas, também faz as coisas certas. Não nos basta e nem basta à população, a conquista de seus corações, temos que conquistar também suas mentes, no sentido de abri-las a novos pensares e fazeres. A transformarem informação em conhecimento.

Não adianta alfabetizar, dar diplomas de Ensino Fundamental e Médio, bolsas de estudo, transporte e muitas outras ações, se não existirem estes dois fios condutores. Como exemplo, não nos adianta incentivar o consumo inconsciente e depois querer discutir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Faltará a liga, os fios condutores.
Precisamos mudar hábitos, no seio do governo e junto à população. Como? Só conversando.

Há braços.

Sérgio Mesquita

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

NÃO VOU ME ADAPTAR


“Será que eu falei o que ninguém ouvia?
Será que eu escutei o que ninguém dizia?”
Nando Reis

Sem qualquer sutileza, pego emprestado título e versos da música do Nando Reis. Nada cai tão bem para retratar o momento em que o mundo e o Brasil, em especial, passam. Lembrando Marx, desta vez como farsa.

Primeiro vamos deixar claro para quem ainda não entendeu: no período de 2002 a 2016, em nenhum momento participamos ou tivemos um governo socialista. Tivemos sim, um governo capitalista que tentava se afastar da corrente neoliberal e se aproximar do “Estado do Bem Estar Social”, internacionalmente conhecido como “welfare state”. Melhoramos e muito a vida da população sem que fossem mexidas as estruturas de poder e as que mantinham o andar de cima, muito acima. O andar de baixo passou por experiências antes tidas como impensáveis. O país cresceu, mas a outra metade do dever de casa não foi feita – a conquista das mentes -, nem a “recuperação” nos foi permitida: fomos reprovados.

É certo que poderia ser diferente se o dever fosse completo, mas o grande problema foi acreditar na possibilidade de se manter acordos com o andar de cima, na alegria ou na tristeza, sem o apoio massivo da população – nas ruas e não em pesquisas. Deu divórcio sem direito a divisão dos bens, pois perdemos na velha/nova “justiça” patrimonialista.

Outro problema está na tal da “mosca azul” que picou muitos do que poderiam estar na linha de frente, na defesa de princípios até então inegociáveis. Abriu-se mão destes princípios e a prioridade passa a ser a manutenção de cargos na estrutura achando que a luta seria facilitada. Mesmo depois do impeachment, a tática foi mantida. Abrimos mãos de possíveis vagas no Congresso e nos Estados nas eleições de 2018, em nome de aliança com pessoas que nos atacavam e continuaram a fazê-lo. Não entendemos ou ignoramos o porque de nossa luta coletiva e passamos a tratar da sobrevivência no sistema político. Nossos governos foram republicanos para além da conta. O “coiso” assume, e seus primeiros atos são na direção de acabar com os “petralhas” no governo, uma “caça as bruxas” como no período da guerra fria nos EUA. Servidor público, professor, toda e qualquer organização de caráter popular é atacada – literalmente, bem como os mais elementares dos direitos conquistados. A Justiça, aliviada, ultrapassa a atuação passiva do período da ditadura e passa a atuar ativamente no e pelo golpe.

Nos aproximamos de mais uma eleição, agora de caráter municipal (20). O que faz a maioria da esquerda? Mantém a mesma linha de ação e de maneira cordata, como gado, segue para o matadouro, acreditando que o povo caminhará automaticamente ao seu lado e os acordos serão mantidos. Por tratar-se de uma questão municipal, algumas alianças e/ou acordos podem até serem respeitados, mas acredito que na prática, muitos ruirão. Pior, alguns companheiros acham que o “coiso” não se mantém, o que não é impossível tamanha a quantidade de merdas que estão fazendo, mas na mão de quem ficaria o governo? Com certeza não será na nossa e, não vejo qualquer possibilidade de fingirem uma “coalisão”. O “rodo” vai continuar e com possibilidades de piora.

O que fazer neste menos de dois anos de governo? Para quem não se preocupou até o momento, quase nada poderá ser feito, até porque as instituições foram retomadas e eles nunca perderam o poder. Para quem teve preocupação, e a questão é local, deve conversar muito interna e externamente com a população, caso contrário, pode-se morrer na praia...

Retomando a letra da música, encerro o texto com uma estrofe, que pode caber àqueles que buscam a manutenção dos cargos como tarefa essencial para continuidade da luta, que ao acordarem se verão representados na estrofe...

“Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia
Eu não encho mais a casa de alegria
Os anos se passaram enquanto eu dormia
E quem eu queria bem me esquecia”

Nando Reis

Sérgio Mesquita
Secretário de Formação do PT-Maricá-RJ

Como ficam as memórias e o legado entre gerações?


Por Simone Silva Jardim em 26/08/2014 na edição 813 – Observatório da Imprensa

Andrew Hoskins tem estudado um tema instigante: a sociedade digital e a ampla a interação e impacto das novas mídias contemporâneas na formação da memória. Seu trabalho visa entender como essas novas tecnologias influenciam no lembrar e no esquecer, e como a atual “compulsão por conectividade” está mudando a forma de vivermos o presente e entendermos o passado.
Hoskins é professor de Pesquisa Interdisciplinar da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Glasgow, Escócia, e fundador e editor-chefe da revista Memory Studies. Atualmente, lidera o ESRC Google Data Analytics Project, que financia projetos voltados a demonstrar o potencial de informações e dados públicos disponíveis na internet para o desenvolvimento de pesquisas sociais e econômicas. Sem seu livro iMemory: Why the past is all over?, ele propõe uma reflexão sobre a nova forma de testemunhar e compartilhar o presente através da cultura do selfie.

De passagem pelo Brasil (ver aqui), Hoskins fez uma apresentação pública sobre como as tecnologias digitais e a cultura do selfie estão alterando a forma de testemunhar e compartilhar os acontecimentos atuais, além de fazer reflexões sobre como o que foi registrado no passado se insere no ambiente virtual. Sua exposição, realizada durante o8º Fórum de Gestão do Conhecimento, Comunicação e Memória, uma iniciativa da Aberje, ECA-USP, Grupo de Estudo de Novas Narrativas, Museu da Pessoa e Memória Votorantim, foi seguida de debate mediado pelo jornalista Mauro Malin, do Observatório da Imprensa.

“Conectividade tóxica”

Hoskins tem se dedicado à pesquisa do que define como iMemory, ou seja, a “memória digital”, processo de lembrar e registrar as coisas no ambiente das novas tecnologias, que não tem a mesma permanência das recordações feitas na era pré digital.

“Até tempos atrás, as famílias faziam álbuns de fotografias reveladas em papel ou vídeos em fitas VHS dos momentos que consideravam mais importantes. As fotos em papel sobrevivem ao tempo. Já as gravações dependem, para sua reprodução, de aparelhos que caíram em desuso. De qualquer forma, essas memórias estão mais seguras, no que diz respeito à sua armazenagem, que os vídeos e selfies de hoje, que podem ser facilmente corrompidos ou perdidos no ambiente digital. Sem contar que atualmente as pessoas estão obcecadas pelo ato de registrar uma certa imagem. Memória não é registro, e sim, o ato de lhe dar significado.”

Hoskins considera que a compulsão por conectividade (estar sempre “tuitando” ou postando mensagens nas redes sociais) e o compartilhamento de selfies (quando a pessoa tira fotografias dela própria) tem acelerado um processo de esvaziamento da memória. “O registro via selfies transforma eventos coletivos em vivências individuais que são exibidas nos perfis pessoais de cada um, em meio a várias outras imagens, o que acaba banalizando o que deveria ser um registro da memória. Precisamos encontrar um caminho para que as mídias e as novas tecnologias digitais fortaleçam a memória e não a deteriorem ou a façam entrar em declínio.” Hoskins também defende que é preciso dar um valor adequado ao que classificamos como passado.

“Os mais jovens, e os adultos também, estão engrossando esse movimento de ‘conectividade tóxica’, que se traduz na compulsão por gravar e fotografar os momentos que estão vivendo. Pergunto: o que estão fazendo com essas lembranças e experiências? Esse legado pessoal será transmitido, naquilo que tem de mais significado, como fizeram seus pais e avós? As gerações passadas não tinham, como as de hoje, a possibilidade de distribuição e compartilhamento de suas memórias a um nível praticamente infinito e inimaginável que a web permite. Em compensação, tinham mais consciência de que eram arquivos vivos, daí fazerem registros mais seletivos dos momentos que realmente tinham como importantes em suas vidas.”

Desafio hercúleo

Hoskins também destacou a audiência efêmera dos selfies.

“São ao mesmo tempo pegajosos e essencialmente obsoletos. Sua vida útil é curtíssima. Esse fenômeno parece indicar que não dominamos nossa memória, que era bem mais ativa no passado. Afinal, hoje dependemos cada vez menos do que somos capazes de encontrar naturalmente em nossas lembranças e mais dos mecanismos de busca que as tecnologias digitais proporcionam.”

As ideias de Hoskins abrem uma boa discussão. Afinal, vivemos tempos em que as tecnologias e mídias digitais nos inebriam, a uns mais, a outros menos. O fato é que proporcionam aos nossos pequenos grandes egos as luzes da ribalta virtual. Para isso, só precisamos acionar os dispositivos fotografar ou gravar de nossos smartphones e tablets.

De pessoas anônimas em atividades triviais a eventos que têm o poder de mudar a História, hoje nada escapa das indiscretas lentes digitais. Em meio a esse turbilhão massacrante de imagens e breves registros escritos – o sucesso do Twitter com seus 140 caracteres é emblemático – fica um desafio hercúleo. Manter intacto e sempre fluindo o fio da memória coletiva e individual no que ela tem de mais significativo e valioso, o legado de uma geração para outra.

Simone Silva Jardim é jornalista