quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

NÃO PASSARÃO

(...)
Não passarão!
Arde a seara, mas dum simples grão
Nasce o trigal de novo.
Morrem filhos e filhas da nação.
Não morre um povo!
(...)
(Miguel Torga)

Esse texto foi pensado a partir de um momento da história do Sr. Antônio Coutinho. Um Zé Ninguém, não aquele do Wilhelm Reich que se anula perante o sistema, mas naquele que paga por mais de 500 anos de uma existência ainda colonial. Aquele, que por mais que o país tenha avançado socialmente, ainda nos lembra, através de seu suor e fome, que a realidade ainda é dura.
Porém a curta história do Sr. Antônio aconteceu quase que paralela a de outro senhor. Este famoso, sem fome, mas acima de tudo cidadão. Falo do Chico Buarque e dos molequinhos que se acham acima do bem e do mal. Seu Antônio nos comprova a partir de sua dor, que o povo brasileiro ainda é bondoso. Chico, infelizmente, não por ele, mas por aqueles que o confrontaram, mostra o outro lado da moeda. O lado do egoísmo e da ignorância. Do sentimento que mantém o capitalismo vivo, mesmo que incoerente.
De um lado, Sr. Antônio desmaia por conta do calor e fome. Por sorte, em frente ao Recanto do Petisco, em Niterói, do meu amigo e companheiro de décadas de TVE, Gilberto Ribeiro. De imediato socorrido pelo Gilberto, por mim, Marcos de Dios, Rogerinho e pela Sandra, nossa desconhecida que estava em outra mesa, e também percebeu a queda do seu Antônio. De pronto o colocamos mais confortável e Gilberto, de imediato, trouxe uma garrafa de água gelada. Ao identificarmos que o problema era fome, Gilberto trás uma porção de bolinho de feijoada e um mate gelado. Ao abrir a quentinha, o cheiro do quitute toma conta do entorno e, ao senti-lo, seu Antônio abre um sincero sorriso, revelando a falta de muitos de seus dentes. Avisamos para comer devagar e ele sorri. Nesse tempo, Sandra retorna com duas bolsas de compras, com comida para ele levar para casa. Ainda sorrindo, seu Antônio separa mais da metade da poção, colocando-a em um dos sacos de compras e nos avisa: é para os de casa. Levamos seu Antônio até nossa mesa, entregamos nossos trocados para que ele pudesse pagar os dois ônibus para sua casa, e ficamos conversando até que se sentisse melhor para seguir seu caminho, como seguiu. Nos entreolhamos emocionados e voltamos a nossa discussão política.
Do outro lado da baia, outros como nós, possivelmente mais abastados do que nós , aliás... muito mais abastados . Mostraram-se grandes abestados, ignorantes e grosseiros. Não por que pensam diferente de nós. Isso é democracia, é bom. Mas é fato que, a falta de leitura diversificada, a falta de democracia na mídia e a sede de poder de nossa direita escravagista, acabam por transformá-los em ignorantes sem causa. Quase um exército de reserva. Não para trabalhar com salário aviltado, como desejam para o povo, mas para atacar as pessoas nas ruas. Como não sobrevivem aos fatos, só lhes restam à agressão.
Nossa mídia, em especial a Globo, de tanto incentivar a ignorância através de suas manipulações e mentiras, estão conseguindo tirar uma das principais características do povo brasileiro. A sua alegria e solidariedade.
Para eles, do andar de cima, pesa mais a questão da alegria. Sempre foram mais egoístas e focados na obtenção de bens e poder, o mundo foi criado para atender suas necessidades. Para os do andar de baixo, pesa mais o fim da solidariedade. Seja por questões culturais ou de necessidade, a solidariedade no andar de baixo é infinitamente superior ao do andar de cima. Em relação à alegria, perdemos todos, independente do andar.
Uma das grandes características, identificadas por aqueles que nos visitam, está na nossa alegria de viver e no carinho demonstrado pelo abraço fácil e o beijo no rosto. Muitas vezes, motivo de estranheza. Hoje, muito para além do politicamente correto, acabaremos por nos vigiar, mudar nossas vestimentas e tolher nosso sorriso e carinho. Pois àqueles que só se interessam pelo capital, se possível, nos quererão mortos.
O azar desses ignorantes esta na nossa arte e cultura, que insiste no caminho contrário como bem nos guiava Gonzaguinha:
(...)
Somos nós que fazemos a vida
Como der ou puder ou quiser
Sempre desejada
(...)
Eu fico com a pureza da resposta das crianças
É a vida, é bonita, é bonita.

Encerramos o texto desejando a todos ótimas Festas neste findar e começo de ano. E que 2016 venha rico em carinho, alegria e solidariedade.

Marcos de Dios, professor de Filosofia e História, PT-Maricá
Rogério Altameiro, Metroviário, DM PT-Maricá
Sérgio Mesquita, Servidor Público, Sec. Formação PT-Maricá


terça-feira, 22 de dezembro de 2015

UMA PONTE PARA O ABISMO

Começamos este texto com um elogio ao Jornal o Globo. Seu editorial de domingo 13.12, aniversário do AI 5, foi corajoso e sem a sua máscara desgastada por anos e anos de manipulação da informação. Assume que está do lado das Corporações Internacionais e, seu único interesse, é o fatiamento do país como nas Sesmarias do século XVI.
O editorial “Há dinamite de pavio aceso no Orçamento”, página 18, coloca em pratos limpos o que sempre defenderam, um Brasil a la Grécia sem um Syriza e o fim da Constituição de 88. Querem o suprassumo do neoliberalismo, um país onde sua existência é servir as grandes Corporações através do retorno da escravidão (fim dos direitos trabalhistas) e entrega de nossas riquezas naturais com mais privatização (Petrobras e o que FHC não conseguiu ). E internamente, o máximo de poder àqueles que defendem os interesses dos sinhozinhos de além mar.
Elogiamos o editorial, mas fica aqui o aviso à família Marinho: se daqui há 21 anos ou outro tempo, se repetirem o que fizeram com os editoriais de apoio à Ditadura, e começarem a publicarem que “não é bem assim”, “veja bem...”. Que a família vá à ou para merda. Pois confirmariam o seu status de suprassumo da canalhice e falta da ética.
O ponto central do editorial está na questão fiscal e na Constituição de 88, motivo de pesadelos dos adeptos do neoliberalismo. Mas em nenhum momento cita a situação de conjuntura por que passa o mundo desde 2006, apesar da crise ser de 2008, data que a mesma atingiu a classe média americana. O editorial é escrito como se o mundo estivesse em pleno desenvolvimento, sem desemprego, sem fome e o mercado em glória. Para os editorialista do jornal e seus “chicago boys” somente o Brasil está em crise e a culpa é da Dilma.
A questão fiscal chega a ser risível. O Globo sempre foi contra qualquer Reforma Fiscal, Agrária, da Educação entre outras, onde podemos destacar as Reformas da Política e a Regulamentação da Mídia (Comunicação). Mas possuem o descaramento de dizer que o governo não as fez.
Na questão dos impostos não defendem uma nova tabela do IR, e que se mexa no percentual do imposto sobre as heranças. A média nos países ocidentais do primeiro mundo está na casa dos 11% e no Brasil somente 3,86%[i]. Voltando ao IR, além do imposto não ser sobre a renda e sim sobre o salário, sua alíquota máxima é a menor entre 116 países. No governo FHC, em 1995 foi aprovada uma Lei onde os mais ricos se quer pagam o imposto, pois ficaram isentos. Se pagassem, hoje o arrecadado seria próximo a meio ajuste fiscal que não foi aprovado[ii]. Criticam a redução do IPI feita no auge da crise de 2008 e os investimentos (gastos em seus dicionários) em infraestrutura, pois a equação “imposto arrecadado x investimento em obras”, no mundo neoliberal foi negativa,  reduzindo o superávit (que é distribuído entre as Corporações). No mundo da justiça social, gerou empregos, movimentou o mercado interno e permitiu uma melhor redistribuição de renda entre os mais necessitados. Mas nada disso interessa para os donos do capital.
O editorial também critica as verbas carimbadas para Saúde e Educação e a vinculação do salário mínimo à algumas ações de cunhos sociais. No mundo do capital, tudo deve ser privatizado e que o mercado regule os custos com aposentadoria e outros investimento como em educação e justiça social. O que vale é a meritocracia daqueles que mais possuem condição de pagar por seus estudos e saúde.
O cinismo maior vem quanto às críticas ao uso do BNDES em especial, e dos bancos públicos no apoio ao desenvolvimento interno e ao crédito. A Globo abocanhou 284 milhões de reais do BNDES para a Globocabos e através da “contabilidade criativa”, que critica no governo em seu editorial, maquiou outros 305 milhões que seriam sua parcela[iii]. Apesar de a empresa estar com uma dívida de 1,6 bilhões de reais, o governo FHC liberou a operação junto ao BNDES. Quando no governo Lula, essas operações são consideradas lobbies e fraudes, mesmo quando em empresas que estejam em pleno desenvolvimento e gerando empregos, o que não foi o caso da Globo.
Já, em relação à Constituição os golpes são mais baixos e perversos. Como havíamos comentado em outros textos, não estão preparando o Golpe contra a democracia. Na realidade o Golpe já foi dado em 2005 com a quase, se não total, extinção do Estado de Direito. Começou com o resgate da prática nazista do “domínio do fato”, inventada para que Hitler justificasse seus atos contra os negros, ciganos, comunistas, gays e judeus entre outros, no processo do Mensalão. E hoje temos como pérola “o direito existe, mas não é absoluto”, para justificar os atos fascistas da Operação Lava Jato. Duas ações combinadas que jogam no lixo o aprendizado adquirido dentro de uma Faculdade de Direito. Segundo Eros Grau (STF)[iv], o cidadão volta a ser súdito. Dependendo do Juiz e do réu, vale o que está escrito ou, o direito não é absoluto. São esses pontos que põe em risco a Constituição de 88, não são suas verbas “carimbadas” para Educação e Saúde, como já colocado.
Atacar o salário mínimo e a redistribuição de renda é outro sonho das Corporações. Custos menores significam mais lucros e, dinheiro não “jogado fora” significa que irá sobrar mais para o butim e, como consequência, melhores “mesadas” para os seus vassalos de cá.
Trocando em miúdos, o editorial é uma elegia aos fins dos direitos dos cidadãos, pois para eles não somos seres humanos e sim um número em uma planilha. Planilha essa que demonstra que basta o consumo de 20% da população mundial para a manutenção do sistema e suas crises. O restante é peso morto, um fardo inútil que não serve para nada.
Marcos de Dios: Professor de Filosofia e História, PT-Maricá
Rogério Almenteiro Gomes: Metroviário, DM PT-Maricá
Sérgio Mesquita: Servidor Público, Sec. de Formação PT-Maricá


[i] http://economia.ig.com.br/financas/meubolso/2014-06-03/no-brasil-imposto-sobre-heranca-e-um-dos-menores-do-mundo.html
[ii] http://www.cartacapital.com.br/economia/uma-fortuna-de-200-bi-protegida-do-ir-da-pessoa-fisica-3229.html
[iii] http://advivo.com.br/blog/marcos-doniseti/no-governo-fhc-bndes-emprestou-r-284-milhoes-para-a-globo
[iv]No caso que ora cogitamos, esse falso princípio estaria sendo vertido na máxima segundo a qual ‘não há direitos absolutos’. E, tal como tem sido em nosso tempo pronunciada, dessa máxima se faz gazua apta a arrombar toda e qualquer garantia constitucional. Deveras, a cada direito que se alega o juiz responderá que esse direito existe, sim, mas não é absoluto, porquanto não se aplica ao caso. E assim se dá o esvaziamento do quanto construímos ao longo dos séculos para fazer, de súditos, cidadãos. Diante do inquisidor não temos direito. Ou melhor, temos sim, vários, mas como nenhum deles é absoluto, nenhum é reconhecível na oportunidade em que deveria acudir-nos.” (Voto do Ministro Eros Grau no Julgamento do HC 95.009/STF).

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

“Algo deve mudar para que tudo fique como está”

O título desse texto é inspirado no livro “O leopardo” de Giuseppe Tomasi di Lampedusa. Escritor do século XIX que retrata a política na Itália e as influencias da Revolução Francesa e a luta de Garibaldi por sua unificação. A frase do título é o resumo do que pensava a nobreza em decadência que não queria a República, mas sabia que dependia de uma aliança com a rica burguesia de então.
É notório que foi isso exatamente o que o PT fez ao longo desses anos em Brasília, mudou tudo para deixar como estava. Fez com excelência a distribuição de renda, recuperou a indústria petrolífera e naval do país, gerou empregos, dinamizou o mercado interno e levou nossas relações comerciais e políticas para muito além das fronteiras do EUA. Deixamos de ser cucarachas e passamos a ser respeitados como um parceiro importante para o equilíbrio político nas Américas, África e no mundo Árabe. Mudamos tudo e nos tornamos um país capitalista confiável, quem tinha já muito passou a ganhar muito mais. Até aí, na paz com as grandes corporações internacionais, apesar das empresas brasileiras começarem a disputar mercado lá fora.

“Mas a vida é cheia de surpresas”, como os Melhores do Mundo apesentavam em seu show contando a história de Joseph Climber. Veio o pré-sal e a acertada decisão de declará-lo nosso, como bem coloca Márcio do Valley em seu texto “Os EUA por trás dos golpes, as garras da águia”. A partir de 2006 a imprensa que aceitava o PT, virou sua inimiga feroz, o judiciário esqueceu toda e qualquer noção de legalidade e passou a julgar a todos e todas – do PT – politicamente, de forma descarada a ponto de não caber o dito popular “aos amigos tudo, aos inimigos à Lei”, pois a Lei no STF de hoje, é letra morta.

Hoje, o título acima não cabe mais, pois está sendo adaptado para algo mais ou menos assim: “Algo deve mudar, para que tudo fique COMO ANTES DE 2002”. Já cansei de dar exemplos que justifiquem o novo título. Estou cansado de dizer que hoje, a Lava Jato, como foi o Mensalão, nunca quiseram acabar com a corrupção. Sempre tiveram o objetivo de tirar o PT de Brasília e devolver os grandes empreendimentos para as corporações internacionais. Destrói-se as empresas nacionais a partir do falso expediente da luta contra a corrupção. Porque se assim fosse, metade do Congresso provavelmente estaria deposto e preso, mas aos amigos, nem a Lei.
Encerrarei esse texto, com dois exemplos que justificam o colocado acima, um sobre o Mensalão, e outro sobre a Lava Jato.

Vou reproduzir trecho do livro “A Outra História do Mensalão” do Paulo Moreira Leite, onde reproduz editorial da Folha, à época da cassação ou não do Zé Dirceu pelo STF, na página 37:
Para Folha de São Paulo, foi “um mau passo” (Editorial, 18/12/2012, pg 2) “STF extrapolou suas funções ao determinar, pela via judicial, a perda de mandatos conferidos pela vontade popular. Mais razoável seria, como argumentaram os Ministros vencidos, atribuir aos demais representantes eleitos pelo povo a responsabilidade de cassar seus pares”. Em outro trecho, o jornal questionou: “Com a decisão de ontem, como evitar que, no futuro, um STF enviesado se ponha a perseguir parlamentares da oposição? Algo semelhante já aconteceu no passado, e a única garantia contra a repetição da história é o fortalecimento institucional”.

Vejam bem, a Folha participou ativamente da farsa do Mensalão. Seu posicionamento, posso estar errado, não foi pela manutenção do Estado de Direito, e sim por um temor futuro, de poder estar do outro lado e ter um STF fazendo o que não lhes interessa, como acontece hoje. Não se enganem. Agora Lava Jato.

A prisão daquele que nunca me enganou, o ex-PSDB arrependido, hoje “new” PT, Delcidio Amaral. Corrupto deste a época de FHC (foi quem o colocou com o Cerveró na Petrobras), hoje, como dizem os populares, por estar no PT, foi preso pelo juiz Moro que, a exemplo do que aconteceu no Mensalão, rasga as Leis de acordo com ”seus” interesses. Um parêntesis, bem feito para o Senador e, para o PT que o aceitou, fecha o parêntesis. Cito como exemplo o texto de Bruno Milanez (Doutorando e Mestre em Direito Processual Penal. Especialista em Direito Penal e Criminologia. Prof. De Direito Penal e Advogado Criminalista), publicado no sítio “JusBrasil” que, resumidamente, deixa claro de quanto foi ilegal a prisão do Senador.

A partir dos votos dos Ministros do STF, Bruno cita o Ministro Eros: “... No caso que hora cogitamos, esse falso princípio estaria sendo vertido na máxima segundo a qual ‘não há direitos absolutos’. E, tal como tem sido em nosso tempo pronunciada, dessa máxima se faz gazua apta a arrombar toda e qualquer garantia constitucional. Deveras, a cada direito que se alega o juiz responderá que esse direito existe, sim, mas não é absoluto, porquanto não se aplica ao caso. E assim se dá o esvaziamento do quanto construímos ao longo dos séculos para fazer, de súditos, cidadãos. Diante do inquisidor não temos direito. Ou melhor, temos sim, vários, mas como nenhum deles é absoluto, nenhum é reconhecível na oportunidade em que deveria acudir-nos.” (Voto do Ministro Eros Grao no Julgamento do HC 95.009/STF).

“canalcienciascriminais.jusbrasil.com.br/artigos/261756295/prisao-cautelar-de-senador-pode-ate-ser-bem-intencionada-mas-e-inconstitucional”

Encerrando. Depois do exposto, alguém ainda acredita que o Golpe não já foi dado? Que o que discutimos agora é seu aprofundamento, até onde vai? O Ministro Eros já deixou claro, não existe mais Estado de Direito. Nossa mídia que apoiou a ditadura e seus assassinatos está aí, mais uma vez, como em 54, 64, Anistia, Diretas, Collor e FHC, defendendo seus interesses, submissas as grandes corporações internacionais e que se dane o povo.

Não eximo de responsabilidade, aqueles como eu, que são do PT. Pois o PT não teve coragem de combater a mídia e realizar as reformas que deveria pelo menos tentar. Mudamos para deixar como está. Mas isso não pode fazer com que eu, e você que passeia em Copacabana, na Paulista e na Liberdade, quando convocados pela Globo, Cunha e Aécio, permitamos que se acabe com o Estado de Direito. No fascismo do Moro, nos destemperos do Barbosa e aliados, ninguém terá direito, tendo ou não votado e “x” ou “y”. Tenho pena do futuro de meus filhos e prováveis netos. Se não no fascismo político, lhes restarão o fascismo fundamentalista religioso... que merda. Mas a luta continua e de cabeça erguida. Não passarão!

Te abraço,

Sérgio Mesquita

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

'O empregado tem carro e anda de avião. E eu estudei pra quê?'

Se você, a exemplo dos professores que debocharam de passageiro "mal-vestido" no aeroporto, já se fez esta pergunta, parabéns: você não aprendeu nada

O condômino é, antes de tudo, um especialista no tempo. Quando se encontra com seus pares, desanda a falar do calor, da seca, da chuva, do ano que passou voando e da semana que parece não ter fim. À primeira vista, é um sujeito civilizado e cordato em sua batalha contra os segundos insuportáveis de uma viagem sem assunto no elevador. Mas tente levantar qualquer questão que não seja a temperatura e você entende o que moveu todas as guerras de todas as sociedades em todos os períodos históricos. Experimente. Reúna dois ou mais condôminos diante de uma mesma questão e faça o teste. Pode ser sobre um vazamento. Uma goteira. Uma reforma inesperada. Uma festa. E sua reunião de condomínio será a prova de que a humanidade não deu certo.
Dia desses, um amigo voltou desolado de uma reunião do gênero e resolveu desabafar no Facebook: “Ontem, na assembleia de condomínio, tinha gente 'revoltada' porque a lavadeira comprou um carro. ‘Ganha muito’ e ‘pra quê eu fiz faculdade’ foram alguns dos comentários. Um dos condôminos queria proibir que ela estacionasse o carro dentro do prédio, mesmo informado que a funcionária paga aluguel da vaga a um dos proprietários”.
A cena parecia saída do filme O Som ao Redor, de Kleber Mendonça Filho, no qual a demissão de um veterano porteiro é discutida em uma espécie de "paredão" organizado pelos condôminos. No caso do prédio do meu amigo, a moça havia se transformado na peça central de um esforço fiscal. Seu carro-ostentação era a prova de que havia margem para cortar custos pela folha de pagamento, a começar por seu emprego. A ideia era baratear a taxa de condomínio em 20 reais por apartamento.
Sem que se perceba, reuniões como esta dizem mais sobre nossa tragédia humana do que se imagina. A do Brasil é enraizada, incolor e ofuscada por um senso comum segundo o qual tudo o que acontece de ruim no mundo está em Brasília, em seus políticos, em seus acordos e seus arranjos. Sentados neste discurso, de que a fonte do mal é sempre a figura distante, quase desmaterializada, reproduzimos uma indigência humana e moral da qual fazemos parte e nem nos damos conta.
Dias atrás, outro amigo, nascido na Colômbia, me contava um fato que lhe chamava a atenção ao chegar ao Brasil. Aqui, dizia ele, as pessoas fazem festa pelo fato de entrarem em uma faculdade. O que seria o começo da caminhada, em condições normais de pressão e temperatura, é tratado muitas vezes como fim da linha pela cultura local da distinção. O ritual de passagem, da festa dos bixos aos carros presenteados como prêmios aos filhos campeões, há uma mensagem quase cifrada: “você conseguiu: venceu a corrida principal, o funil social chamado vestibular, e não tem mais nada a provar para ninguém. Pode morrer em paz”.
Não importa se, muitas e tantas vezes, o curso é ruim. Se o professor é picareta. Se não há critério pedagógico. Se não é preciso ler duas linhas de texto para passar na prova. Ou se a prova é mera formalidade.
O sujeito tem motivos para comemorar quando entra em uma faculdade no Brasil porque, com um diploma debaixo do braço, passará automaticamente a pertencer a uma casta superior. Uma casta com privilégios inclusive se for preso. Por isso comemora, mesmo que saia do curso com a mesma bagagem que entrou e com a mesma condição que nasceu, a de indigente intelectual, insensível socialmente, sem uma visão minimamente crítica ou sofisticada sobre a sua realidade e seus conflitos. É por isso que existe tanto babeta com ensino superior e especialização. Tanto médico que não sabe operar. Tanto advogado que não sabe escrever. Tanto psicólogo que não conhece Freud. Tanto jornalista que não lê jornal.
Função social? Vocação? Autoconhecimento? Extensão? Responsabilidade sobre o meio? Conta outra. Com raras e honrosas exceções, o ensino superior no Brasil cumpre uma função social invisível: garantir um selo de distinção.
Por isso comemora-se também ao sair da faculdade. Já vi, por exemplo, coordenador de curso gritar, em dia de formatura, como líder de torcida em dia de jogo: “vocês, formandos, são privilegiados. Venceram na vida. Fazem parte de uma parcela minoritária e privilegiada da população”; em tempo: a formatura era de um curso de odontologia, e ninguém ali sequer levantou a possibilidade de que a batalha só seria vencida quando deixássemos de ser um país em que ter dente era (e é), por si, um privilégio.
Por trás desse discurso está uma lógica perversa de dominação. Uma lógica que permite colocar os trabalhadores braçais em seu devido lugar. Por aqui, não nos satisfazemos em contratar serviços que não queremos fazer, como lavar, passar, enxugar o chão, lavar a privada, pintar as unhas ou trocar a fralda e dar banho em nossos filhos: aproveitamos até a última ponta o gosto de dizer “estou te pagando e enquanto estou pagando eu mando e você obedece”. Para que chamar a atenção do garçom com discrição se eu posso fazer um escarcéu se pedi batata-fria e ele me entregou mandioca? Ao lembrá-lo de que é ele quem serve, me lembro, e lembro a todos, que estudei e trabalhei para sentar em uma mesa de restaurante e, portanto, MEREÇO ser servido. Não é só uma prestação de serviço: é um teatro sobre posições de domínio. Pobre o país cujo diploma serve, na maioria dos casos, para corroborar estas posições.
Por isso o discurso ouvido por meu amigo em seu condomínio é ainda uma praga: a praga da ignorância instruída. Por isso as pessoas se incomodam quando a lavadeira, ou o porteiro, ou o garçom, “invade” espaços antes cativos. Como uma vaga na garagem de prédio. Ou a universidade. Ou os aeroportos.
Neste caldo cultural, nada pode ser mais sintomático da nossa falência do que o episódio da professora que postou fotos de um “popular” no saguão do aeroporto e lançou no Facebook: “Viramos uma rodoviária? Cadê o glamour?”. (Sim, porque voar, no Brasil, também é, ou era, mais do que o ato de se deslocar ao ar de um local a outro: é lembrar os que rastejam por rodovias quem pode e quem não pode pagar para andar de avião).

Esses exemplos mostram que, por aqui, pobre pode até ocupar espaços cativos da elite (não sem nossos protestos), mas nosso diploma e nosso senso de distinção nos autorizam a galhofa: “lembre-se, você não é um de nós”. Triste que este discurso tenha sido absorvido por quem deveria ter como missão a detonação, pela base e pela educação, dos resquícios de uma tragédia histórica construída com o caldo da ignorância, do privilégio e da exclusão.

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

EUA por trás dos golpes, as garras da águia, por Márcio Valley

John Adams foi o primeiro vice-presidente dos Estados Unidos, tendo George Washington como presidente, e seu segundo presidente, governando no período de 1797 a 1801. Iluminista e republicano, está inserido num contexto histórico que representa o início do fim de uma longa tradição, cujo berço é Grécia clássica e seu filho dileto é o senado romano, na qual o pensamento filosófico e a arte da oratória ainda eram fortes na política. Tempos nos quais não havia esperança para um candidato a político alienado da razão, das verdades e das condições históricas de sua própria época, como hoje parece ser apanágio necessário de parcela considerável dos políticos brasileiros.
Adams disse uma obviedade que, proferida pela boca de um pensador que experimentou o poder, ganha densidade: “Existem duas maneiras de conquistar e escravizar uma nação. Uma é pela espada, a outra é pela dívida”.
E disse outra que merece profunda e necessária reflexão pelos brasileiros, que estamos numa grave turbulência democrática: "Democracia nunca dura muito e logo se desperdiça, exaure, e mata a si mesma. Nunca houve até agora uma democracia que não tenha cometido suicídio."
As palavras chave aqui são espada, dívida e escravidão.
A sociedade ocidental experimenta, como forma de organização política, a democracia submetida ao estado de direito, entendida a democracia como o direito do cidadão de participar do poder político, em oposição às ditaduras e tiranias, e o estado de direito como o cabedal jurídico que limita a atuação estatal ao garantir os direitos e liberdades individuais, impedindo o despotismo e o esmagamento do cidadão pelo peso do Estado.
Não se pode discordar da afirmação de Churchill de que a democracia é o pior dos regimes políticos, porém não existe nada melhor. De fato, a democracia dá voz potencial a todos os cidadãos na escolha do próprio destino, sendo que a participação nos rumos da coletividade é um dos principais fatores de elevação da autoestima. Mesmo para quem advogue o socialismo, a democracia deve ser considerada indispensável como meio de alcançar a felicidade comum, caso contrário pode-se repetir a farsa que foi a experiência soviética.
A democracia, como forma de governo, encontrou um sistema econômico que aparentemente com ela forma um par perfeito na direção dos negócios públicos e privado: o capitalismo. Baseado na propriedade privada, nenhuma pessoa que defenda o liberalismo, entendido como a liberdade de autodeterminação da própria vida, pode ser contra o capitalismo sem incorrer numa contradição em termos.
Ainda assim, democracia e capitalismo parecem estar fracassando no objetivo de estender à humanidade a qualidade de vida que deveria ser um efeito necessário do desenvolvimento humano. Por quê?
A resposta parece ser: democracia e capitalismo degeneraram por excesso de liberdade deste último.
Praticamente todas as ações humanas estão sujeitas a alguma restrição de liberdade individual, pois tal restrição é absolutamente necessária à manutenção da saúde do tecido social. Seria impossível viver numa sociedade que não penalizasse o homicídio, a apropriação indevida do patrimônio alheio e a violação da liberdade sexual, apenas para ficar nesses exemplos.
A democracia e o capitalismo, como produtos da ação humana, não podem ficar de fora dessa restrição nas respectivas atuações. E, na verdade, estão de fato sujeitos a diversas restrições.
O problema é que o capitalismo consegue escapar dessas amarras e, livre, corrompe a democracia.
Enquanto o capitalismo manteve-se essencialmente territorial, ainda era possível exercer sobre ele algum pouco controle, ante a necessidade do capital, e muitas vezes do próprio capitalista, de permanecer no local da produção. Obrigado a estar no local, devia alguma submissão às leis locais, ainda que mínima. Tal possibilidade de controle, ainda que bastante rarefeita, não mais existe. Atualmente, desvinculado de qualquer território específico, nenhum país é capaz de lhe restringir a liberdade.
A primeira vítima dessa liberdade é justamente a democracia.
Historicamente, os ricos sempre foram senhores do Estado, num primeiro momento como monarcas e, posteriormente, como eleitores privilegiados. Salvo poucas exceções, ou os ricos estão no poder diretamente ou o poder é exercido pelos escolhidos da riqueza. A estreiteza da relação riqueza-governo é de tal ordem que se chega a justificar a existência do Estado como instituição garantidora da propriedade, nada mais.
Democracia real, portanto, sempre foi e continua a ser uma utopia longínqua.
Mesmo quando se fala em democracia clássica grega, isso guarda pouca relação com o que se entende hoje por democracia popular. O comparecimento à praça da Ágora era exclusividade de cidadãos homens nascidos de pais atenienses, uma casta de privilegiados. Mulheres e estrangeiros residentes eram excluídos da democracia. Além disso, havia servidão e escravidão em Atenas, obviamente sem direito algum, o que por si contraria o sentimento que temos hoje em relação aos fins e objetivos da democracia.
Contudo, num único e breve momento da história, que não chegou a cem anos, um espirro histórico em quase cinco mil anos de civilização, uma parte da própria elite, talvez entediada pela mesmice, inaugurou uma nova forma de pensar que hoje designamos por Iluminismo.
Os iluministas eram membros altamente intelectualizados da elite, pensadores que puseram a razão acima dos temores mitológicos que até então dominavam a humanidade. Durante esse período, Nietzche chegou a decretar a morte de Deus. O filósofo só não previu que, tratando-se de um ser todo-poderoso, no final do século seguinte, Ele ressuscitaria, e com bastante disposição para angariar fundos, nas igrejas pentecostais.
Essa facção diletante e aborrecida da elite europeia começou a pensar em coisas como o abandono das barbaridades da Idade Média, do obscurantismo religioso e das arbitrariedades do Estado. Iniciou um processo de valorização do ser humano, visando à construção de uma nova sociedade, fundada axiologicamente no altruísmo social e na dignidade da pessoa humana. Havia um quê de utilitarismo no objetivo pretendido por essa elite de intelecto entendiado que ousou desafiar as repugnâncias de sua época. Não era, propriamente, o bem do indivíduo que se buscava, mas da sociedade. Afinal, uma sociedade com uma carga menor de carências individuais é certamente capaz de gerar um ambiente menos perigoso para circular, possivelmente com um grau de felicidade geral maior e mais cheirosa e bonita de se ver.
Embora o ciclo do pensamento iluminista tenha durado pouco, encerrando-se no despertar do século XIX, ecos dessa forma racionalista de pensar, pressupondo a valorização do ser humano, persiste até os dias de hoje e foi consagrada em instrumentos históricos notáveis, como a constituição americana e a carta dos direitos humanos. Nossa constituição é recheada de valores iluministas.
Esse espirro histórico durante o qual uma fração da parcela rica da sociedade foi confrontada com sua obrigação moral de cuidar dos desvalidos veio a causar, tempos depois, reforçada pela influência de outros eventos históricos importantes, como a ascensão das ideias de Marx e as grandes guerras, um pequeno, mas significativo relaxamento na sofreguidão pelo lucro.
Por um breve momento, repentinamente parecia que a sociedade humana tinha encontrado o caminho para o florescimento de grande parte dos indivíduos, um arranjo saudável entre a busca pelo lucro e a necessidade de excluir a experiência humana da miséria abjeta.
Durante esse piscar de olhos, nós parecíamos realmente ser a espécie mais inteligente do planeta.
A legislação trabalhista protetiva ganhou impulso, um patamar salarial mínimo é garantido, estipula-se um máximo de horas para o trabalho, o Estado passa a conceder assistência social aos desfavorecidos, o acesso a uma educação fundamental é garantida, assim como o acesso à saúde básica, além de outras iniciativas vocacionadas à eliminação da condição de vida degradante.
Um pouco depois disso, em meados do século XX, ao bem-estar da população veio agregar-se uma outra concessão do capital: a redução da miséria pelo incremento na renda. Foi a época dos baby boomers americanos e dos Trinta Gloriosos da França. Nesse momento histórico também se inclui os cinquenta anos em cinco de Juscelino, no Brasil.
Entretanto, quando tudo indicava que a democracia e o capitalismo iriam cumprir o desígnio para o qual estavam predestinados, de conduzir a humanidade ao paraíso na Terra, salvar o planeta da miséria, eis que se inicia um desagradável retrocesso e se reacende a fogueira quase apagada da degradação da condição humana. Perdem-se totalmente ou são mitigadas as conquistas históricas do desenvolvimento civilizatório iniciado a partir do final do século XIX.
A América Latina viu-se arrebatada por ditaduras, no Oriente Médio inicia-se um processo de desestabilização política que ainda continua, a Europa ser torna um fantasma do que chegou a ser do que poderia ainda ser.
Quem é o culpado? Quem estragou a festa da civilização?
O culpado mais provável é a ressurgência da ótica do poder absoluto que dominava o cenário na época da barbárie humana, dos faraós, czares e imperadores. Retorna a vontade do rico de usar o seu poder de forma absoluta, inquestionável, acima do bem e do mal. Poder absoluto que, hoje, se traduz na perspectiva do lucro a qualquer preço, pensamento bárbaro similar à conquista total e da terra arrasada, que se colocou no passado e se coloca no presente acima dos interesses da humanidade. Esse espírito deletério é representado por algo que é celebrado e olhado de forma positiva até por quem é sua vítima: a globalização da economia.
A globalização não é um movimento recente, as grandes navegações do século XVI já representavam esse intuito, e tampouco é culpada pelo problema, trata-se apenas de ferramenta extremamente útil para alcançar o real objetivo: lucratividade desmedida, poder sem limites.
A globalização é atualmente a maior responsável pela renovação da escravidão em roupagens modernas. Hoje o senhor do escravo não precisa mais construir senzalas e nem necessita morar na casa grande. Ele obtém o trabalho gratuito pagando, por exemplo, cinquenta centavos de dólar por uma camisa numa fábrica em Bangladesh, que emprega costureiras por 20 dólares mensais. A corporação fashion americana ou europeia pode afirmar, assim, que não é ela a responsável por pagar esse salário miserável a um trabalhador seu. Certamente.
Numa sociedade saudável, a globalização seria ótima, desde que entendida como a liberdade plena de deslocamento do ser humano no planeta, pessoas e seus patrimônios. No despertar da humanidade, a globalização era um fato, inexistiam fronteiras e impedimentos ao tráfego humano.
Nossa sociedade, porém, está muito longe de ser saudável. Alguém já afirmou que somente uma pessoa muito doente pode se dizer perfeitamente adaptada a essa sociedade degenerada. Nesse sentido, a inquietação, o inconformismo, é que seria sinônimo de inteligência e saúde mental.
A globalização, vista sob seu aspecto meramente econômico, admite apenas a liberdade de tráfego para o capital. Pessoas continuam locais e impedidas de atravessar fronteiras, vide o exemplo trágico dos refugiados, alvo da “piedade” europeia muitas vezes traduzida no afundamento de seus barcos.
Atualmente, o poder político real não está mais nas mãos dos presidentes das nações. Voltamos à era dos faraós, dos reis, dos imperadores. A única diferença é que, hoje, eles sentam em tronos incógnitos. Não se sabe mais quem são os reis e onde estão os seus castelos, porque eles perderam o ancestral orgulho de estar no comando. A nova onda do imperador é não ser admirado, somente temido. As invocações da genealogia e da heráldica tornaram-se anacrônicas e até perigosas para os soberanos num mundo apertado por sete bilhões de pessoas, em grande parte faminta, no qual matar milhares, em caso de convulsão, não é mais assim tão glamoroso. Hoje, nossos novos monarcas se apetecem somente pelo poder e pela riqueza. Alguns poucos, menos cerebrais, à isso acrescentam a vontade da fama.
Os novos reis não possuem um local definido, uma área geográfica, para a ação imperial. No antigo modelo, cada nação representava um pedaço do planeta dominado por seu próprio rei. O poder do rei estava adstrito ao território da nação. Isso é passado. Na atual divisão do poder, território nada mais significa. O comando não mais se divide entre nações e seus territórios, mas entre corporações e seus ramos de negócios. A economia está fatiada e cada uma das fatias representa um reino específico comandado por poucos monarcas absolutos. Há quem sustente que temos atualmente 147 reis, cada um deles comandando as corporações que encabeçam e que, em desdobramento, dominam todas as demais (http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=rede-c...).
O poder dos novos reis emana tanto das riquezas do passado, decorrentes da acumulação primitiva, como das riquezas modernas, obtidas por empreendedorismo e oportunismo. Munidos da força dessas riquezas, manipulam a política como meio de controlar os sistemas monetário e financeiro, ou seja, a toda a economia. Não se trata de uma conspiração, mas de orientação identitária a partir de uma ideia contida no senso comum, de que a riqueza deve ser mantida nas mãos de quem as detém e ampliada ao máximo, independentemente das consequências. Embora não seja uma conspiração, em toda a plenitude da palavra, isso não significa que não se reúnam ocasionalmente para traçar diretrizes comuns. Fazem isso com frequência regular no Fórum Econômico de Davos, na reunião de Bilderberg e em outros grupos menores, mas não menos importantes, como a sociedade Skull & Bones, além de outros, alguns dos quais talvez nem chegue ao conhecimento do público.
Como todo rei, eles precisam de um exército. Esse exército, atualmente, se chama Estados Unidos da América.
Os Estados Unidos não são "o" império, como muitos pensam. São apenas o soldado do imperador, a interface do poder, a máscara com a qual é encenado o teatro farsesco da democracia e da liberdade. São também a espada de que nos alertava John Adams, com a qual é imposta a vontade absoluta dos reis a todos os países.
Os Estados Unidos, como braço armado dos imperadores, submete a economia mundial à vontade do poder de quatro modos distintos: (a) corrompendo os governos nacionais, (b) mediante a concessão de empréstimos condicionados a exigências futuras virtualmente impossíveis de cumprir, concedidos por instituições como Banco Mundial e FMI, (c) assassinando políticos de países estrangeiros que incomodem ou (d) pelo velho, tradicional e eficaz método de invasão armada.
Independentemente do método, o objetivo é o mesmo: fragilizar a nação-alvo e obrigá-la ao cumprimento da agenda corporativa. Um interesse presente é a venda de ativos do colonizado. A privataria tucana praticada durante o governo de Fernando Henrique Cardoso não possui outra explicação. Um intuito marcadamente presente é o controle de recursos naturais, principalmente o petróleo. Outras vezes, o desejo é instalar bases militares americanas no país. Enfim, a submissão das demais nações é interessante sempre e pelos mais variados motivos, mas principalmente por interesse em recursos minerais ou de proteção aos produtos das corporações internacionais.
Embora na superfície se tratem de solicitações americanas, o interesse subjacente, e principal, é das corporações. Apenas como exemplo, a guerra do Iraque favoreceu empresas de construção e petrolíferas, tendo o governo americano arcado com a totalidade do prejuízo. Na privatização brasileira, foram corporações que se beneficiaram do sucateamento de nossas estatais.
Constitui fato histórico reconhecido que o governo dos Estados Unidos atuou para desestabilizar governos de países soberanos, muitos deles pacíficos e amigos dos americanos, inclusive através de assassinatos políticos.
Foi assim em 1949, quando o governo americano auxiliou o golpe de estado que conduziu Husni al-Za'im ao comando da Síria. Alçado ao poder, Za'im implementou ações em benefício de corporações do petróleo.
Em 1953, os americanos, com apoio dos ingleses, derrubaram Mohammed Mossadegh, que fora democraticamente eleito presidente do Irã. Mossadegh ousou nacionalizar a indústria de petróleo iraniana, até então controlada por uma corporação britânica, porque entendia que essa riqueza mineral deveria beneficiar primeiramente o povo iraniano. Em seu lugar, ascendeu Mohammad Reza Pahlavi, um tirano autoritário, porém simpático ao poderio americano. Reza Pahlavi permaneceu no poder até 1979, quando uma revolução iraniana, liderada pelo Aiatolá Khomeini, o depôs.
Como agiram os americanos nesse episódio? Enviaram um emissário, munido de milhões de dólares, para corromper os adversários políticos de Mossadegh. Mossadegh, um democrata eleito, foi retratado pela imprensa como um tirano, enquanto Reza Pahlavi, um monarca absolutista despótico, era fantasiado de liberal.
Conduzido pela desonestidade da imprensa e por políticos corruptos totalmente desvinculados dos interesses do Irã, o povo aderiu ao golpe a auxiliou na queda de Mossadegh. Tiro no próprio pé, movido pela ignorância e pela fraude.
O modelo utilizado no Irã, contra Mossadegh, torna-se padrão para a derrubada discreta de governos incômodos: envio de poucos emissários americanos, preferencialmente um homem só, com acesso ilimitado a dinheiro, para corromper a imprensa e políticos locais.
O modus operandi é relatado por John Perkins, no livro Confissões de um Assassino Econômico, ele próprio tendo sido um desses agentes infiltrados.
Em 1954, na Guatemala, o governo de Arbenz Guzmán, eleito democraticamente presidente em 1951, desejava realizar uma ampla reforma agrária no país, em benefício de seu povo. Isso, porém contrariava amplamente os interesses de uma corporação americana do ramo de frutas. O governo dos EUA enviou emissários para corromper os políticos da oposição. Novamente a imprensa mundial agiu, passando a imagem de que Arbenz era um agente soviético. Arbenz foi deposto, sendo substituído por uma ditadura militar que atendia aos interesses da corporação prejudicada. Esse é considerado o primeiro dos vários golpes militares patrocinados pelos americanos na América Latina, Brasil inclusive.
Em 1963, no Iraque, o general Abd al-Karim Qasim, que havia liderado um golpe contra monarquia e proclamado a república, foi deposto e preso com apoio dos americanos. Qasim era nacionalista, o que sempre desagrada as corporações. De 1963 a 1968 há uma sucessão de golpes e assassinatos no poder iraquiano, sempre com suspeitas de participação dos americanos, até se estabilizar a presidência nas mãos de Ahmed Hassan al-Bakr do Partido Baath, auxiliado por um jovem político, que se tornará seu vice-presidente em 1979 e, finalmente, dez anos depois, passará a comandar o país, Saddam Hussein.
Saddam se tornaria marionete dos EUA em suas tentativas de derrubar o governo do Irã, iniciadas em 1980, novamente por interesses no petróleo.
Em 31 de março de 1964, João Goulart, democraticamente eleito vice-presidente do país e que assumiu de forma constitucional a presidência após a renúncia de Jânio Quadros, também sob a pecha de agente soviético e que também pretendia realizar uma reforma agrária no país, foi deposto por um golpe militar apoiado financeiramente pelo governo dos Estados Unidos. Como sempre, em seu lugar assumiu uma ditadura militar, que vigorou até 1984, vinte anos após.
Em 1981, Jaime Roldós, eleito democraticamente presidente do Equador em 1979, morreu num acidente de avião. Existem fortes suspeitas de que o acidente tenha sido obra do governo americano. Roldós, assim como Mossadegh no Irã, desejava, e estava adotando ações para esse fim, que o petróleo equatoriano beneficiasse o povo do Equador, o que desagradou as corporações do petróleo. Afirma-se que, não sendo possível desinstalar Roldós pela corrupção, restou a opção de simular um acidente de avião.
Hugo Chavez, eleito democraticamente para presidente da Venezuela em 1998, reelegendo-se em 2000 e novamente em 2006, foi duramente combatido pelo governo americano, com apoio integral da imprensa venezuelana. O discurso de Chavez era anti-neo-liberalismo e contrário à geopolítica americana. Em sua primeira eleição, Chavez encerrou um ciclo de 43 anos no poder de um conluio de políticos corruptos que englobava os três maiores partidos venezuelanos. Chavez utilizou o imenso poderia da Venezuela no petróleo como uma arma contra os americanos. Novamente um político nacionalista pretendendo utilizar o petróleo para ajudar o próprio povo. O percentual de venezuelanos classificados como pobres despencou de quase metade da população, 49,4% no ano de 1999, para menos de um terço, 27,8% no ano de 2010. A história revela que esse comportamento não agrada às corporações. Por isso, em 2002, com a imprensa totalmente contrária a Chavez, um golpe de estado o depôs, com fortes indícios de participação ativa dos americanos, que imediatamente reconheceram a legitimidade do governo golpista. Entretanto, ante a reação mundial negativa, o golpe foi um fracasso e, três dias depois, Chavez voltou ao poder.
Os exemplos de intervenção americana direta e indireta poderiam continuar por longo tempo, como no golpe do Chile em 1973, na Argentina em 1976, na morte de Omar Torrijos do Panamá em 1981, na tragédia do Afeganistão, na invasão do Iraque em 2003, na Nicarágua e em El Salvador na década de 1980, Camboja, Vietnã e etc e etc...
Brasil. 2002. Um partido criado pelos trabalhadores e com origem nitidamente socialista elege o seu candidato para a presidência da república. O político de origem sindicalista e sem formação acadêmica, Luis Inácio Lula da Silva, após três tentativas infrutíferas, finalmente sobe a rampa do Palácio do Planalto, não sem antes se comprometer formalmente a não instalar um governo comunista no país, num documento denominado Carta aos Brasileiros, nítida concessão às corporações.
Lula surpreende os conservadores, pois sob seu governo a economia avança admiravelmente. De fato, no período de 2003 a 2010, o PIB brasileiro apresenta um aumento anual médio de 4% ao ano, enquanto o representante da elite neoliberal, o acadêmico laureado Fernando Henrique Cardoso, nos oito anos anteriores, obteve somente 2,3% ao ano. No último ano do governo de Fernando Henrique Cardoso, em 2002, a taxa de desemprego era de 10,5% da população economicamente ativa. Lula a reduz para 5,3%. A arrecadação tributária bate recordes em cima de recordes, não por aumento da tributação, mas como reflexo de um incrível incremento no mercado interno. Lula liquida a dívida brasileira com o FMI e aumenta as reservas de US$ 37,6 bilhões para US$ 288,5 bilhões . A taxa de juros Selic cai de 25% ao ano para 8,75% ao ano. O Brasil atravessa sem grandes danos a maior crise econômica desde 1929, que foi a crise de 2008. O salário mínimo, que teve redução real (descontada a inflação) no governo FHC de cerca de 5%, consegue aumento real de cerca de 54% nos oitos anos do governo petista.
Enfim, Lula surpreendeu positivamente durante os oito anos de seu mandato. Contudo, somente obteve paz no primeiro mandato, de 2003 a 2006. A partir do final do primeiro mandato, todavia, passou a ser alvo de crítica feroz da grande imprensa e dos políticos de oposição, principalmente do próprio PSDB.
O que mudou?
Muitas coisas podem ter provocado essa mudança de atitude. Uma delas, talvez a mais relevante, foi o anúncio da descoberta de imensas jazidas de petróleo na camada do pré-sal, ocorrida justamente em 2006. Segue-se à descoberta o anúncio do governo petista de que essas jazidas de petróleo seriam resguardadas para o interesse nacional, inclusive com a possibilidade de criação de uma estatal específica para elas, a Petrosal, o que desagrada às grandes corporações de petróleo do mundo.
Petróleo, nacionalismo, interesses corporativos, ação desestabilizadora. A história se repete.
Um governo cujo sucesso, até então, e embora com um certo ar blasé, era reconhecido pela imprensa, numa reviravolta passa a ser alvo de uma campanha difamatória impiedosa dessa mesma imprensa. Ilícitos que, quando comprovados em governos passados, sequer mereciam manchetes, passaram a ser estampados na capa de jornais e revistas por meras suspeitas.
Adotou-se a prática da escandalização do banal, da manipulação dos fatos e da culpabilidade por dedução lógica.
O escândalo do mensalão transforma uma prática corriqueira em todos os partidos, incorreta, porém usual, de utilização das sobras do caixa 2 de campanhas para a conquista de apoio político, é manejado para parecer compra de votos. Se foi comprovada a compra de votos para votar a emenda da reeleição da Fernando Henrique Cardoso, obviamente interessado nessa emenda, e nada respingou na reputação de FHC, no mensalão afirma-se a compra de votos para aprovação de leis de interesse público, como leis da previdência e outras, sem que se pare para pensar porque um partido iria adotar tal prática para aprovação de projetos de interesse nacional. E ainda que se comprovasse o pagamento, e isso não foi provado, o erro estaria no partido que compra ou no político que precisa ser comprado para aprovar tais leis?
Sem conseguir evitar a reeleição de Dilma pelo PT, mesmo com o mensalão, a escandalização avança, provocando dissensões no próprio tecido social. Amigos deixam de se falar, parentes se dividem, pessoas brigam nas ruas por conta de opiniões contrárias, cadeirantes são agredidos por se manifestarem a favor do PT, velórios são vilipendiados pelo ódio político, pessoas públicas são agredidas em restaurantes em função de exercerem cargo no governo, sair à rua com uma estrelinha do PT aos poucos vai se transformando numa aventura mortal.
Nada impede a imprensa e um setor menos intelectualizado do PSDB de prosseguir nessa sanha acusatória. O governo se vê envolvido numa trama que envolve a grande mídia, um partido (PSDB) que representa os interesses neoliberais desejado pelas corporações, parcela do Ministério Público Federal e do judiciário federal simpáticos ao PSDB, com alguns de seus componentes inclusive tendo sido nomeados pelo próprio Fernando Henrique Cardoso.
A corrupção sistêmica, que Fernando Henrique Cardoso, recentemente, reconheceu existir desde o seu governo, e que soube e que nada fez pois sabia que isso seria mexer num vespeiro incontrolável, é atribuída ao único partido político que em toda a história brasileira agiu de forma republicana e deixou as instituições funcionarem no combate à corrupção.
Como se diz, o PT torna-se vítima de seu próprio republicanismo.
O povo, conduzido como massa de manobra, não percebe as discrepâncias no discurso oposicionista da moralidade seletiva e se agita contra o partido que forneceu as melhores condições jamais experimentadas pelos trabalhadores e pela parcela menos desfavorecida do país.
Contudo, por mais insana que se apresente a conduta da oposição tucana e da imprensa, não parece provável que assumiriam a possibilidade de causar uma ruptura social no país se não houvessem interesses ocultos muito mais sólidos.
A imprensa parece estar cavando a própria sepultura, ao enterrar sua credibilidade em toneladas de lama desveladas rapidamente pela internet. Um ato de suicídio dessa magnitude não pode representar um mero interesse em se livrar de um partido incômodo. Deve existir algo mais.
Quais são os verdadeiros interesses ocultos por trás desse movimento de desestabilização do governo brasileiro?
A equação possui governo de tendência socialista, petróleo, nacionalismo, escandalização pela imprensa e um partido político que atua de forma contrária aos interesses do próprio país.
Todas as vezes em que esses elementos estiveram presentes na mesma equação, os Estados Unidos da América atuaram em desfavor do governo nacional rebelde aos interesses das corporações.
Não há motivo algum para supor que agora fariam diferente.
Na eleição americana do ano 2000, Al Gore foi nitidamente alvo de uma fraude eleitoral que conduziu Bush filho ao poder. Poderia ter iniciado uma disputa jurídica acirrada para obtenção de recontagem. Republicanamente, porém, abdicou dessa disputa em nome da paz política dos Estados Unidos.
No Brasil, Aécio Neves, coloca a própria ambição política acima de um resultado político justo, honesto e reconhecido pelo seu próprio partido após realizar dispendioso e inútil esmiuçamento nas urnas eleitorais. Isso, todavia, não impede Aécio de assumir essa insanidade vexatória num comportamento que o fez ser apelidado corretamente por Jânio de Freitas de “taradinho do impeachment”.
Aécio Neves, cuja riqueza pessoal em grande parte é devida à ação política oligárquica de sua família e à sua própria atuação política, pois está envolvido na política desde antes de se formar na faculdade, se vende como um paladino da moralidade e da ética para maquiar o que é somente mera ambição política, egolatria e mania de grandeza. Se acha no direito de desestabilizar a nação em nome desses vícios de caráter, sendo ombreado nesse propósito por pessoa vaidosa que pensa incorporar a figura de estadista e de sábio político, Fernando Henrique Cardoso, mas que não revela a grandeza de impedir a luta fratricida que está se iniciando no Brasil.
Todavia, não se vê uma defesa contundente da democracia pelo “parceiro amigo” do Brasil, os EUA, que seriam capazes de adotar ações através das próprias corporações donas dos meios de comunicação brasileiros.
O silêncio dos americanos em relação a assuntos internos de outros países que com potencial de atingi-los, mesmo superficialmente, é revelador, pois sempre foi indicativo, não de neutralidade, mas de incitação, apoio material ou, no mínimo, posição favorável aos revoltosos.
O Brasil sempre foi um empecilho às corporações por sua inclinação a um alinhamento com os países sul-americanos e com outras nações menos privilegiadas.
Isso, por si só, já constitui uma ofensa ao imperialismo corporativo.
A gota d'água foi a política protecionista do pré-sal.
É muito possível, pelo que se extrai dos relatos históricos, que a tentativa de desestabilização do governo do PT, acentuado no governo da Dilma, possua garras de águia habilmente escondidas.
Garras que manipulam marionetes brasileiras.
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Eleição de 2018: atenção ao legislativo - Por Márcio Valley

O comentarista Weden, em texto de sua autoria publicado no blog do Luis Nassif, ancorado no portal de notícias GGN, cujo link forneço ao final, fala sobre o imenso capital político de Lula, sustentando que talvez não seja na presidência que ele poderá dar sua melhor contribuição em favor do país. Na opinião de Weden, numa conjuntura política em que se tem um legislativo reacionário e a necessidade de um presidencialismo de coalisão para obtenção governabilidade, o presidente eleito, qualquer que seja, se torna apenas um sócio do poder e, às vezes, nem isso.
Weden nos chama a atenção para um fato: “Hoje as esquerdas estão reduzidas a 1/6 do Congresso. Com isso, direitos de cidadania e trabalhistas estão correndo sérios riscos. E outros tantos que precisam ser conquistados estão infelizmente adiados.”
Constatada essa realidade política, Weden sugere que “Lula poderia ser um inestimável puxador de votos para as esquerdas na próxima legislatura.”
Absolutamente perfeita a lógica do Weden.
De fato, talvez a melhor estratégia política a ser adotada pelo PT para as eleições de 2018 fosse colocar a eleição presidencial em segundo plano, um objetivo secundário. O momento poderia ser adequado para mirar outro alvo, tão importante quanto, que vem sendo negligenciado pelo partido desde as eleições de 2002, quando conquistou o poder federal. Desde então, o foco em manter a presidência custou ao partido perdas muito importantes, não somente no legislativo, como em mandatos municipais e estaduais.
Como partido, o PT se manteve razoavelmente estável na Câmara dos Deputados desde a eleição de Lula, em 2002, embora reduzindo suavemente a bancada em cada eleição. Todavia, sofreu uma redução acentuada em 2014. De fato, foram eleitos 91 deputados federais petistas em 2002, 89 em 2006, 86 em 2010 e 70 em 2014.
No Senado, sua bancada permaneceu mais estável. Em 2002, nas eleições para renovação de dois terços do senado, sendo disputadas, portanto, 54 das 81 vagas, o PT elegeu 10 senadores. Em 2006, para renovação de um terço, 27 das 81 vagas, foram eleitos 2 senadores petistas. E assim sucessivamente, 11 senadores em 2010 (eleição de 2/3) e 2 em 2014 (eleição de 1/3).
No conjunto das forças progressistas, porém, o tombo foi ainda mais retumbante. As eleições passadas para o legislativo, em 2014, produziram o congresso certamente mais obscurantista das últimas décadas e possivelmente o pior da história do Brasil. Congresso que se apresenta com uma tessitura política engendrada a partir de um conservadorismo que se poderia considerar honesto, mas é manchado ao se aliar, por mero oportunismo político, à pior espécie do conservadorismo fundamentalista religioso e à fatia mais abjeta do patriamonialismo político.
A conclusão resulta, primeiro, da observação pura e simples das práticas que, desde então, passou a pautar as ações do Congresso, que, por exemplo, em nada se envergonha de eleger, para presidi-lo, um político que sabidamente representa o mais vil patrimonialismo político. Ou, ainda, que nomeia um pastor evangélico retrógrado, e por isso mesmo contra qualquer avanço nos direitos dos homossexuais, para presidir a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, o que representa um insulto a todo e qualquer eleitor que se posicione favoravelmente à supremacia dos direitos humanos.
Segundo, da análise de levantamento realizado pelo Diap logo após as eleições e que já prenunciava o que viria. Numa contagem mínima e otimista, o Diap concluiu que foram eleito 30 deputados federais representantes da bancada da segurança, mais 52 representando os evangélicos e outros 190 pela bancada corporativa.
Tem-se, pois, nada mais, nada menos, do que 272 deputados federais inclinados ao conservadorismo, ao obscurantismo e à redução dos direitos e liberdades individuais. Como são 513 deputados federais que formam a Câmara dos Deputados, isso significa que 53% de sua composição é hoje formada por políticos que atuam na contramão dos avanços civilizatórios.
O horror, o horror!
Um congresso dessa qualidade precisa ser urgentemente defenestrado e renovado.Impõe-se ampliar o número de parlamentares com ideias arejadas sobre a questão social, não somente em relação à mitigação da desigualdade de renda e riqueza, importante por óbvio, mas também quanto a questões sensíveis envolvendo direitos das minorias, como os preconceitos em geral e notadamente o racial, direitos homoafetivos, a questão do aborto e outros. São assuntos que, com essa composição congressual, somente serão colocados em pauta com o objetivo de cassar conquistas, jamais para avançar.
Com um congresso abjeto, como o atual, de pouco ou nada adianta conquistar a presidência. Fica-se amarrado à lógica fisiologista de produzir governabilidade a qualquer custo, com a única alternativa de lutar contra a sanha oposicionista e sucumbir, pois, sem maioria no Congresso e sem o apoio da imprensa, não há chance de vitória.
O segundo governo Dilma, sob a coação desse Congresso obscurantista, é um exemplo perfeito de como é possível à oposição paralisar por completo a materialização do projeto político eleito pelo povo.
Vive-se um momento paradoxal da política nacional. Dilma foi obrigada a se render ao inimigo. Doravante, e até o final de seu mandato, qualquer conquista social, se houver, será mínima. O que deveria ser o ministério de um partido, o PT, é hoje, em essência, o ministério de um segundo partido, o PMDB, que por sua vez põe em prática uma cópia suavizada da proposta de poder de um terceiro partido, o PSDB.
Trata-se de uma insanidade política e uma violação ao direito democrático de opção popular. O povo escolheu o PT, não foi o PMDM e nem o PSDB.
O momento, assim, é de olhar para a eleição legislativa com mais carinho. A esquerda precisa ser reforçada.
Muito melhor para o povo a existência de um legislativo progressista fiscalizando um eventual executivo conservador, do que um executivo progressista manietado por um legislativo reacionário.
E não é impossível que o PT, mesmo sem Lula candidato, ganhe a eleição presidencial. Mesmo a derrota talvez seja positiva. Nada como a comparação para dissipar mentiras e possíveis dúvidas. Deixe o conservadorismo desmiolado mostrar o seu trabalho e ele se derrotará sozinho.
Lula, em São Paulo, se candidato a deputado federal, por exemplo, levaria com ele para Brasília, talvez, mais uns quinze deputados. Tiririca, com pouco mais de um milhão, elegeu outros cinco. Liberado da eleição presidencial, seria capaz, ainda, de auxiliar na conquista de cadeiras no senado e ajudar a eleição de deputados federais em outros estados.
A guerra política pode ser vencida de muitas maneiras. Talvez a batalha direta pela presidência não seja assim tão importante nessa guerra que se trava no país entre progressistas e reacionários.
É hora de pensar o legislativo.
Link para o texto do Weden: http://jornalggn.com.br/blog/weden/o-capital-lula