domingo, 6 de dezembro de 2020

INOVAR A INOVAÇÃO NO GOVERNO

 

O maior perigo em tempos de turbulência,

não é a turbulência em si, mas agir com a lógica do passado.

Peter Druker[1]

 

Início este texto com um rápido resumo de como o Capitalismo se mantém vivo ao longo de séculos.

 

Vivemos há mais de 400 anos sob o domínio do poder do capital. Neste interim, aconteceram “n” crises por conta de suas incoerências. Foram “n” crises não resolvidas, todas contornadas por novas facetas do mesmo. Primeiro capitalismo mercantil, depois o industrial, e o atual, financeiro, que ainda não se recuperou da crise de 2006 (2008 foi quando a classe média americana foi atingida). Ao longo de suas facetas e séculos, sempre se pautou a partir da escassez, para que poucos acumulassem capital.

 

Nos dias de hoje, segundo o Prof. Dr. David Sánches Rubio, da universidade de Sevilha, o mundo vem passando por quatro processos de desconstrução, iniciados antes mesmo do surgimento da COVID-19. Um processo de “Desmocratização”, onde os processos democráticos e a própria política são criminalizadas, transferindo-se para os tribunais as pendengas, sejam comerciais ou de garantias dos Direitos Sociais; um processo de “Desconstitucionalização”, onde as Constituições, as Leis e as instituições também passam pelo processo de diminuição de seus alcances e motivos de suas existências onde, o que passa a prevalecer é o direito comercial e/ou empresarial em detrimento dos direitos sociais; um processo de “Mercantilização” da vida, onde todo e qualquer bem público ou natural passa a ser precificado e privado; e o processo da “Destruição da Natureza”, a favor dos negócios e do lucro, colocado como “ecocídio”. Estes processos aceleraram muito a desigualdade no mundo e o cerceamento à liberdade. Aumentaram o “fosso” que já existia entre os mais ricos e os mais pobres, além da destruição do nosso ambiente. E mais uma vez o sistema se exime de buscar uma solução para todos e tenta se reinventar, seguindo o pensamento do príncipe Falconeri, persobagem de Giusuppe de Tomasi em seu livro Il Gatopardo (O Leopardo), “tudo deve mudar, para que tudo fique como está”.

 

Recentemente começou a ser entendida, e negada pelos defensores mais radicais do sistema, que a própria COVID-19 poderia ser uma consequência do modus operandi do capitalismo.  A ponto de alguns de seus operadores, hoje pensarem até em voltar a fazer alguma concessão ao exemplo do bom e velho “Estado de Bem Estar”. Tentam inclusive se apropriar da Agenda 2030 da ONU, colocando-se como adeptos da mesma.

 

O que isso tem a ver com inovar a inovação? Começo lembrando a citação do Peter Druker colocada acima. A lógica deve ser outra.

 

Segundo o relatório Oxfam de 2019[2], 2.153 bilionários detém a mesma riqueza que 60% da população da Terra, algo próximo a mais de 4 bilhões e 600 milhões de pessoas. E continuamos a pensar em Tríplice Hélice, e achar que inovação é aquilo que chega sem muita discussão, mas com muita perspectiva de retorno financeiro, ao mercado e a sociedade. Pergunto: qual mercado e qual sociedade?

 

Aprendi o significado do mundo VUCA[3], que em uma das suas características, a Complexidade por exemplo, é baseada no enxergar o todo, o contexto e o ambiente em que se dá o problema. Se é para abrir o campo de visão, não devemos ignorar o ambiente e o que vai mudar na vida das pessoas como um todo – o que vai impactar, e não somente para aquele quantitativo que dizem ser necessário para manter o sistema - aqueles 20% da população mundial.

 

Transformemos a Hélice Tríplice em Quíntupla: Academia, Empresa, Governo, Sociedade e Ambiente. Com certeza iremos impactar na vida de mais do que os tradicionais 20% da população. Pois se assim não for, as chances de uma nova faceta do capitalismo bater à porta, serão mais fortes: o capitalismo da vigilância, que vem sendo gestado, o novo ovo da serpente. Esse poderá vir a ser o nosso Novo Normal, pós pandemia. Que aproveitemos os ensinamentos da pandemia para revolucionar as nossas relações, sejam pessoais ou de trocas, escambo.

 

É com esse entendimento que esta Secretaria enxerga a Tecnologia e todos os seus processos, como uma das ferramentas de resgate de nossas humanidades. A Tecnologia a favor do humano e do planeta, e não a favor do acúmulo para uns pouquíssimos privilegiados.

 

A mesma tecnologia que mata, também salva; a tecnologia que permite os fakes News, também permite a horizontalização da informação e sua disseminação. Enquanto um chinês e uma russa colocaram suas almas em leilão na Internet, o sub comandante Marcos impediu o massacre do povo de Chiapas, no México, pelo exército, também usando a Internet. Hoje, ainda, quem aperta o botão do salvar ou matar, é o humano. Somos nós que usamos a Tecnologia para o bem ou para o mal.

 

A Inteligência Artificial já está entre nós, em franco desenvolvimento. O que devemos nos perguntar é qual modelo de humanidade iremos terceirizar para as máquinas? O modelo atual de exclusão e desrespeito pela vida humana e do planeta, ou um modelo, que leve em consideração o bem estar de todos e a recuperação do planeta? Pois, pelo “andar da carruagem”, quem irá passar a apertar o botão, pode não ser mais o humano.

 

Que as inovações sejam auto disruptivas, e que o governo de Maricá também seja disruptivo e busque novas formas de se relacionar com seu território e sua população. Sejamos disruptivos na forma e conteúdo, principalmente neste momento em que estamos rediscutindo nosso Plano Diretor, onde a empresa contratada nos alerta em seu Diagnóstico Técnico no Caderno 1, página 10:

 

(...)

Tal exigência incide especialmente na perspectiva de implantação dos inúmeros projetos que

compõem hoje a agenda municipal que, se por um lado, tem por objetivo diversificar e criar

oportunidades para o incremento de sua economia, de outro lado, pode surtir efeitos

indesejados, socioambientais e sobre o território, se não foram tomadas as devidas

precauções.

 

Isto significa que o patamar positivo alcançado ainda está sujeito a instabilidades e, até que se

firme, com risco de comprometer suas conquistas. Maricá se encontra em um estágio de

‘turning point’ - no momento de decisão ou da ‘virada’ -, de fazer escolhas quanto à

sustentabilidade de seu desenvolvimento, de qualificação de suas infraestruturas e de controle

sobre os impactos territoriais e urbanos de suas iniciativas. (...)

 

Estamos entrando em nosso quarto mandato, como aconteceu também com o PT e o governo nacional. A experiência nos mostra/ou que o fazer a coisa com eficiência melhora a vida da população como um todo.  Mas o fazer certo a coisa (eficiência) não é o mesmo que fazer a coisa certa (eficácia). Uma sem a outra não solidifica os fazeres nem os dá sustentabilidade, seja política, financeira ou de empoderamento, principalmente. Precisamos ser disruptivos neste ponto também. E as inovações tecnológicas estão aí para nos ajudar a ter eficiência e eficácia. Não só melhorando a vida do povo, mas o empoderando para que seja partícipe nas políticas públicas, mas que justificando as pás da Sociedade e do Ambiente na Hélice Quíntupla.

 

Há braços.

 

“Transformar em imperdoável o que hoje é aceitável”[4]

 

Sérgio Mesquita

 Secretário de Ciência, Tecnologia e Comunicações-Maricá/RJ



[1] Peter Druker (1909-2005); considerado o pai da administração/gestão moderna; maior estudioso dos efeitos da Globalização na economia e, em particular nas Organizações; https://pt.wikipedia.org/wiki/Peter_Drucker

[3] VUCA; O termo VUCA é um acrônimo das palavras inglesas Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity (volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade)

.

[4] Délcio Teobaldo; jornalista, roteirista, produtor de cinema e teatro, escritor, etino-músico e Coordenador de Projetos as Secretaria de Ciência, Tecnologia e Comunicações de Maricá-RJ 

sábado, 31 de outubro de 2020

POR UMA MARICÁ AINDA MELHOR

 O país passa por problemas, talvez nunca antes experimentados em sua história. Terra Plana, uma nova revolta da vacina, o fim de uma instituição como o Itamarati, sempre respeitada ao longo de sua existência, hoje motivo de piada no mundo, as tentativas de privatização do SUS, da Petrobras e uma Justiça que também saiu do armário; ela tem lado e faz questão de deixar isso as claras. E para não cansar com outros exemplos, uma pandemia que tirou o mundo inteiro dos trilhos. É neste caos que estaremos passando por mais uma eleição, que não direi democrática, pois o dinheiro e o poder Judiciário, resolveram executar e legislar e, como colocado acima, tem seu lado e seus candidatos. É neste caos que Maricá escolherá, no quinze de novembro, o seu futuro Prefeito e a nova composição de sua Câmara de Vereadores.

Estamos completando doze anos à frente da Prefeitura de Maricá, enquanto Partido Político – PT. Doze anos de dificuldades, como nos quatro primeiros anos até acertar a casa, mas também de muitos acertos e avanços. Hoje, com certeza, aqueles que moram há menos de dez anos na cidade, não tem ideia do tamanho da transformação por que passou o Município e sua população. Ouviu falar, mas não presenciou, o que de forma alguma desqualifica a sua opinião e seus sentimentos, então pedimos um pouco de calma. Sabemos que há muito o que fazer ainda. Então... que façamos juntos!

Costumo dizer que governamos estes anos na linha colocada pelo Betinho, em sua Campanha contra a Fome, onde dizia: “quem tem fome tem pressa”. E nós tínhamos pressa em retirar o Município de sua letargia, suas mesmices, deixar de ser um município dormitório. Agora é a hora de começar um outro tipo de mudança, talvez na linha colocada pelo Raul Castro, presidente de Cuba, que disse: “sem pressa, mas sem pausa”. Tratamos muito bem em atender as necessidades individuais, melhoramos a Educação, Saúde, Trabalho, e o que pensarem, teremos uma resposta. Seja na linha do executado, seja na linha do em execução, teremos o que falar e discutir. Então o que nos falta? O mais óbvio... a Participação Popular.

Sem pressa, mas sem pausa. Neste segundo mandato do Fabiano – lembrando a Química, na CNTP, esta eleição para Prefeito tem favorito, mas não esqueçam de “colocarem” os votos nas urnas. Este novo mandato, deve ser prioritariamente, o mandato que impulsionará os Conselhos Municipais, as Audiências Públicas, o Orçamento Participativo, que considero ser uma dívida para com a população. Ouvir a voz da população em cada canto deste município, deverá ser a prioridade do governo. Abrir as instâncias de decisões para a participação popular.

Sabemos que levará algum tempo de preparação, mas também sabemos ser possível esta preparação, sem pressa e sem pausa. Discutir internamente e externamente o alcance desta participação e o como se dará, deve ser o foco principal do governo. E como conheço o MEU candidato a Prefeito há quase uma trinca de décadas, sei que ele não só pensa igual, como também deseja esta Participação.

Por isso voto sem qualquer problema de consciência no 13, no número do Fabiano Horta, o número do PT. Como também voto no garoto Hadesh, de vinte e quatro anos, que acredita ser este mundo de todos, e não só daqueles “escolhidos pela meritocracia”. Por conta disso, tem na Participação Popular a sua prioridade. Hadesh, número 13.500, junto com Fabiano, 13, será meio caminho andado. A outra metade, dependerá dos demais escolhidos e do quanto a população vai desejar sua participação cívica, para além do voto. O quanto esta população desejará ser ouvida.

Até o 15 de novembro.

Há braços.

“Transformar em imperdoável o que hoje é aceitável”

Prof. Dr. Otávio Ferraz

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Calígula e Mad Max num planeta devastado por juízes

Fábio de Oliveira Ribeiro

GGN 14.09.20

 

Esta semana ocorreu um dos mais graves incidentes processuais desde a promulgação da Constituição Cidadã. O escritório de Cristiano Zanin, o advogado de Lula, foi invadido a mando de Marcelo Bretas.

Antes de entrar no assunto farei algumas observações sobre dois filmes. Elas serão utilizadas para ilustrar o que está ocorrendo no Brasil e no mundo.

Em Calígula (1979), filme descrito como sendo uma paródia das produções épicas da Cinecittà, o imperador é convocado a decidir em última instância uma disputa jurídica qualquer. Os argumentos das partes são entregues a ele. Calígula segura a pretensão de uma parte com a mão direita e a da outra com a mão esquerda. Como se fosse uma balança ele compara o peso dos argumentos proferindo sua decisão sem nem mesmo se dar ao trabalho de ler com atenção os documentos e as razões que foram apresentadas.

No filme Mad Max – Além da Cúpula do Trovão (1985), a justiça é distribuída de maneira extremamente brutal. Quem arruma briga em Bartertown, o povoado governado por Titia Entity (personagem interpretada por Tina Turner), tem que combater seu inimigo até a morte no Thunderdome: dois homens entram na arena e apenas um sai dela. Caso a disputa não seja resolvida através do combate singular ou uma nova infração ocorra (Max se recusa a matar o adversário retardado quebrando o contrato que fez com Titia Entity) outra forma de distribuir justiça é utilizada: o réu é obrigado a girar uma imensa roleta. A sorte decide se o infrator será ou não punido e qual a punição ele receberá.

Num dos filmes o juiz decide o conflito desprezando o conteúdo das provas. No outro, a justiça equivale ao predomínio do mais forte ou depende totalmente da sorte. Os dois filmes são representações de uma racionalidade jurídica totalmente distinta daquela que orienta o Estado de Direito. Entre nós, a autotutela é uma exceção e as disputas jurídicas devem ser resolvidas dentro dos limites legais por um juiz imparcial. As partes têm o direito de sustentar seus argumentos e o juiz decide o caso apreciando as provas que foram apresentadas pelos advogados. As prerrogativas outorgadas por Lei aos advogados equilibram as relações processuais entre eles e as autoridades do Sistema de Justiça.

Leia também:  Lava Jato faz operação "estranhíssima" e "pirotécnica" contra advogados de Lula Esta semana ocorreu um dos mais graves incidentes processuais desde a promulgação da Constituição Cidadã. O escritório de Cristiano Zanin, o advogado de Lula, foi invadido a mando de Marcelo Bretas. A reação da comunidade jurídica foi imediata, pois o abuso cometido pelo juiz carioca é evidente.

Nas últimas semanas André Mendonça, Damares Alves e Ives Gandra começaram a ser seriamente cogitados para a vaga no STF que surgirá em razão da aposentadoria do Ministro Celso de Mello. Portanto, devemos supor que Bretas agiu contra Cristiano Zanin para voltar a ficar em evidência na imprensa. Ao atacar o advogado do ex-presidente petista ele reafirmou sua devoção ao presidente Jair Bolsonaro voltando à disputa pela vaga no STF? Só o tempo pode responder essa pergunta.

Uma coisa é certa: ao lançar os dados contra Zanin o juiz da Lava Jato carioca parece ter se inspirado mais em Mad Max – Além da Cúpula do Trovão (1985) do que em Calígula (1979). Marcelo Bretas transformou sua Vara Federal no Thunderdome tupiniquim. Ele acredita realmente que sairá ileso do combate mortal contra o advogado de Lula? O desafio que ele fez já foi aceito. Zanin já afirmou que se defenderá empregando a LEI Nº 13.869, DE 5 DE SETEMBRO DE 2019.

O caso envolvendo Bretas e Zanin não é diferente do processo absolutamente nulo através do qual Sérgio Moro condenou Lula. Ambos se parecem muito com o procedimento que opõe o governo dos EUA à Julian Assange na Justiça da Inglaterra. Nos três casos, a Lei foi esvaziada e transformada num instrumento para destruir o adversário político. Negar o acesso à Justiça no momento mesmo em que ela deveria ser distribuída é uma característica do Lawfare.

No caso de Julian Assange, ao que parece, a Justiça inglesa está inclinada a utilizar o método de Calígula (1979). De um lado nós temos o poder político, econômico e militar dos norte-americanos e as necessidades diplomáticas da Inglaterra do outro os direitos outorgados ao jornalista odiado pelos militares dos EUA e da Inglaterra em virtude de ter revelado crimes de guerra cometidos durante a invasão do Iraque. As “evidências” mais pesadas favorecem a extradição ou Assange? Até a presente data o juiz do caso tem sinalizado que fará prevalecer os interesses de longo prazo da Inglaterra, país que se distanciou da União Europeia e pretende se aproximar dos EUA.

A justiça será feita se Assange e a liberdade de imprensa forem sacrificados para garantir a melhora do desempenho da economia inglesa? É evidente que não, pois no mundo moderno ninguém deve ser julgado e condenado à revelia da Lei porque os interesses de terceiros podem ser prejudicados pela solução dada ao caso.

Kaj Birket-Smith afirma que práticas culturais semelhantes podem ter sido difundidas através do contato entre os povos ou surgido de maneira independente em civilizações distintas e distantes. O que ele disse em relação à cultura também se aplica aos conceitos jurídicos e práticas processuais. Em virtude do sucesso da Internet, podemos dizer com segurança que na atualidade o Lawfare é um fenômeno global.

Ao redor do mundo Sistemas de Justiça que levaram séculos para superar o barbarismo estão sendo transformados em simulacros. O que os juízes distribuem em casos como aqueles que foram aqui mencionados (Bretas x Zanin; Moro x Lula; EUA e Tribunal Inglês x Assange) é mais parecido com a justiça dos filmes Mad Max – Além da Cúpula do Trovão (1985) e Calígula (1979) do que com a Justiça que eles devem distribuir na forma das legislações nacionais e da Lei Internacional.

Portanto, a reação ao Lawfare também deve ser global. O contato entre as vítimas do fenômeno já está ocorrendo e é essencial. Todavia, algo mais pode e deve ser feito: o Lawfare precisa começar a ser debatido nas Nações Unidas. Estados que sonegam a distribuição de Justiça usando Lawfare devem sofrer consequências diplomáticas.


quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Abandonando algumas redes...

 Bom dia a todxs.

Ontem, enquanto com paciência para a mecânica do compartilhamento, repassei mensagem recebida sobre a estreia do documentário “O Dilema das Redes” na NetFlix. Reafirmo aqui a excelência do documentário. Muitos com certeza já leram ou ouviram falar sobre a manipulação que sofremos por conta do “vício” em estar conectado. Mas mesmo para os que acreditam ou desconfiam, vale muito a pena. Para aqueles crédulos (cachorros – entenderam o porque ao lerem o texto que segue ao final) com certeza sairão abalados em suas crenças.

Como já vinha matutando sobre o assunto, abandonar as redes sociais. Manterei o mínimo necessário por conta de trabalho, cursos e etc. Tomei a decisão de abandonar o Face e filiais (talvez não o Skype – apesar do pouco ou quase nenhum uso – decidindo). São mais de 3300 “amigos” que perderei...na realidade não conseguimos monitorar 150... Priorizarei o Telegram e manterei alguns grupos do whatsapp e os contatos individuais.

Meu prazo é no final de setembro...

Texto retirado do livro “Dez argumentos para você deletar AGORA suas Redes Sociais” de Jaron Lanier.

Introdução (com gatos)

Vamos começar com gatos.

Os gatos estão por toda parte na internet. Estão nos memes mais difundidos e nos vídeos mais fofinhos.

Por que mais os gatos do que os cachorros?

Os cachorros não foram até os humanos antigos implorando para viver conosco; nós os domesticamos. Eles foram criados para serem obedientes. Aceitam ser treinados, são previsíveis e trabalham para nós. Isso não é nenhum demérito para os cachorros. É ótimo que sejam leais e confiáveis.

Os gatos são diferentes. Eles apareceram e, em parte, domesticaram a si próprios. Não são previsíveis. Os vídeos populares de cachorros costumam mostrar treinamentos, ao passo que a maioria dos vídeos absurdamente populares de gatos são aqueles que expõem comportamentos estranhos e surpreendentes.

Embora inteligentes, os gatos não são uma boa escolha para quem quer um animal que aceite o treinamento de maneira confiável. Basta assistir a um vídeo de circo de gatos na internet: o mais comovente é que fica claro que os animais estão decidindo se colocam em prática o truque que aprenderam, não fazem nada ou saem andando em direção à plateia.

Os gatos fizeram o que parecia impossível: se integraram ao mundo moderno, de alta tecnologia, sem se entregarem. Eles ainda estão no controle. Você não precisa se preocupar que algum meme furtivo produzido por algoritmos, pago por um oligarca sinistro e oculto, passe a dominar seu gato. Ninguém domina seu bichano; nem você, nem ninguém.

Ah, como gostaríamos de ter essa segurança não apenas em relação a nossos gatos, mas a nós mesmos! Os gatos na internet representam nossas esperanças e sonhos para o futuro das pessoas na grande rede.

Ao mesmo tempo, ainda que a gente adore os cachorros, não queremos ser como eles, pelo menos no que se refere à relação de poder com as pessoas. Tememos, porém, que o Facebook e redes afins estejam nos transformando em cachorros. Quando do nada fazemos alguma coisa desagradável na internet, podemos considerar isso uma resposta a um “apito de cachorro”,

daquele tipo que só pode ser ouvido por eles. Temos medo de ficar sob algum tipo de controle obscuro.

Este livro é sobre como ser um gato, à luz das seguintes perguntas: como permanecer independente em um mundo onde você está sob vigilância contínua e é constantemente estimulado por algoritmos operados por algumas das corporações mais ricas da história, cuja única forma de ganhar dinheiro é manipulando o seu comportamento? Como ser um gato, apesar disso tudo?

O título não mente: este livro apresenta dez argumentos para você deletar todas as suas contas nas redes sociais. Espero que ajude. E mesmo que você concorde com todo o meu raciocínio, pode ser que ainda queira manter algumas contas. Enquanto gato, você está no seu direito.

Ao apresentar os dez argumentos, discutirei algumas maneiras pelas quais você pode pensar sobre sua situação para decidir o que é melhor para a sua vida. Mas só você é capaz de saber.

Há Braços

Transformar em imperdoável o que hoje é aceitável

quinta-feira, 27 de agosto de 2020

INOVAR A INOVAÇÃO

 

Texto postado no blog de discussão do curso “CURSO DE PARCERIAS EM CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO: compras públicas de inovação e encomendas tecnológicas. Promovido pela Prefeitura de Maricá, através do Instituto de Ciiência, Tecnologia e Inovação de Maricá, em parceria com a escola de Administração de Maricá.

 

INOVAR A INOVAÇÃO

 

O maior perigo em tempos de turbulência,

não é a turbulência em si, mas agir com a lógica do passado.

Peter Druker

 

Vivemos há mais de 400 anos sob o domínio do poder do capital. Neste interim, aconteceram “n” crises por conta de sua incoerência. Foram “n” crises não resolvidas, todas contornadas por novas facetas do mesmo. Primeiro o Mercantil, depois o industrial, e o atual, financeiro, que ainda não se recuperou da crise de 2008. Ao longo de suas fases e séculos, sempre se pautou a partir da escassez, para que poucos acumulassem capital.

 

A grande desigualdade que foi sendo criada ao longo do tempo, e a destruição do planeta, seus recursos e clima, só recentemente começou a ser entendida e também negada pelos defensores do sistema, mais radicais. A surpresa, não tão surpresa assim, da pandemia causada pela Covid-19, fez com que a máscara da prosperidade sem fim, caísse. A ponto de alguns grandes, hoje pensarem em até, voltarem a fazer alguma concessão ao velho “Estado de Bem Estar”. Tentam inclusive se apropriar da Agenda 2030 da ONU.

 

O que isso tem a ver com a inovação? Começo lembrando a citação do Peter Druker colocada acima.

 

Segundo o relatório Oxfam de 2019, 2.153 bilionários detém a mesma riqueza que 60% da população da Terra, algo próximo a mais de 4 bilhões e 600 milhões de pessoas[i]. E continuamos a pensar em Tríplice Hélice, e achar que inovação é aquilo que chega ao mercado e a sociedade. Pergunto: qual mercado e qual sociedade?

 

Aprendi o significado do mundo VUCA, que em uma das características, da Complexidade, por exemplo, é baseada no enxergar o todo, no contexto e ambiente em que se dá o problema. Se é para abrir o campo de visão, não devemos ignorar o ambiente e no que vai mudar a vida das pessoas como um todo, e não somente daquela parte que dizem ser necessária para manter o sistema, aqueles 20% da população mundial.

 

Transformemos a Hélice em Quíntupla: Academia, Empresa, Governo, Sociedade e Ambiente. Com certeza poderemos atingir mais do que os tradicionais 20% da população. Pois se assim não for, as chances do novo capitalismo bater à porta, são fortes: o capitalismo da vigilância. Esse poderá vir a ser o Novo Normal.

 

Que as inovações sejam auto disruptivas.

 

Há braços.

Sérgio Mesquita

 

*Transformar em imperdoável o que hoje é aceitável*

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Thammy Miranda, Natura, a categoria social pai e o que a antropologia do consumo tem a ver com isso

·        Publicado em 29 de julho de 2020

Valéria Brandini, PhD

 "You can't stop the world from changing, dad". Essa frase é da personagem Blanca Trueba, filha de Steban Trueba, na obra "A casa dos espíritos" de Isabel Allende (1985), dita quando a jovem conversa com o pai, um latifundiário conservador, a respeito das revoltas de trabalhadores e do momento revolucionário do Chile no início dos anos 1970. A frase diz muito sobre os tempos em que vivemos e sobre a forma como as pessoas em seus diferentes backgrounds percebem e se relacionam com as mudanças de paradigmas de um mundo vivendo entre extremos.

 Como cientista social, meu papel não é dizer às pessoas, em especial, às empresas, o que elas devem ou não abraçar ideologicamente, ou rechaçar, mas traçar um mapa das sensibilidades emergentes e investigar a forma como as pessoas absorvem esses indicadores culturais de valores e como reagem a eles, conforme os códigos de valores estruturantes de seu grupo social. E hoje, mais do que nunca, a sensibilidade à diversidade e à inclusão social emerge como a tônica determinante do consumo ideológico. Eu ouvi consumo? Sim. Pois o que mais consumimos, para além de produtos, são significados codificados em bens e em todo tipo de comunicação, da pauta jornalística à publicitária. O mercado e a publicidade sempre operaram como um léxico dos significados do momento presente, já dizia o antropólogo Everardo Rocha (1985), pois o mercado precisa absorver essas sensibilidades emergentes para codificar produtos e criar o "cenário que embala" os bens de consumo, o que hoje entendemos como storytelling.

 Sem essa "codificação" atribuída aos bens, os produtos não teriam o capital simbólico percebido que se converte em capital financeiro, ou seja, no mundo do homo economicus, eles não teriam "valor percebido" suficiente para orientar o princípio de tomada de decisão de consumo. Um perfume é apenas um líquido que ao ser utilizado na pele emana um odor. Mas o que desperta um universo de sentidos associados a esse odor para o consumidor tem a ver com a marca que o produz e todos os significados atribuídos por meio da construção simbólica da propaganda. A publicidade traz o "cenário", o sistema da moda, da produção e reprodução de tendências incorporadas a bens que, conforme Grant McCracken (2004), compõe o par que transmite os significados do mundo social em que vivemos, do mundo culturalmente construído aos produtos.

 Toda essa introdução de Antropologia do Consumo para dizer que, não importa se você, como indivíduo, aceita ou não, reconhece como legítimo, ou não, o fato de a marca Natura trazer o pai transexual Thammy Miranda como seu ícone para a campanha de Dia dos Pais. A fricção causada pela polêmica da campanha faz parte de todo o composto da incorporação de sensibilidades emergentes na codificação de produtos. A própria tentativa de "cancelamento" por parte de indivíduos e grupos conservadores também é um elemento chave desse mosaico, pois vai instigar ânimos e posições contrárias e favoráveis e isso vai levar a marca ao topo dos trend topics. E se perder consumidores, também é parte da contabilização de perdas e ganhos que contempla a estratégia de campanha a partir do posicionamento de marca frente a indicadores culturais do momento presente.

 As marcas, o mercado, a publicidade não "criam" esses temas, apenas se apropriam deles para atribuir os sistemas de significados da nossa sociedade - seus pontos de fricção, suas dores e suas alegrias - aos bens de consumo, a começar pela comunicação que consumimos. Então, se você, sua família, seu grupo de amigos, seu grupo ideológico não aceitam que um homem trans seja o símbolo de pai na campanha de uma marca, sua "treta" não é com essa marca, é com a sociedade e sua constante transformação no código de valores culturalmente construído e socialmente operado. Sua briga não é com a Natura, mas é com o mundo que está mudando - sempre - e que no presente imediato incorpora como código cultural a perspectiva e lugar de fala de grupos que foram durante a história humana, oprimidos, excluídos, execrados, destituídos de poder e de lugar de fala. E minha perspectiva aqui não é militante, nem passional, mas baseada em indicadores culturais e mapeamento de sensibilidades emergentes e sua capilarização na sociedade como um todo.

 A cultura das bordas sempre foi o maior polo de inovação para o mercado, que sempre se apropriou, expropriou e manipulou os signos de movimentos e manifestações de grupos excluídos para codificar produtos, trazendo o signo e deixando o significado de fora, trazendo o elemento cultural e deixando o grupo produtor de seu significado em seu espaço de exclusão social. O que mudou, é que agora o mercado entendeu que continuar na dinâmica de apropriação cultural não coaduna com a sensibilidade emergente no mundo social que diz respeito, justamente, não mais ao signo, mas ao produtor de significado. Não adianta trazer a cultura negra, se não trouxer a comunidade negra para a pauta publicitária e dar a ela seu lugar de fala por direito. Não adianta trazer signos do mundo LGBTQ+, se não trouxer o indivíduo que produz os significados codificados em produtos, suas dores, sua experiência, sua vivência.

 Então, quem se incomoda com um homem trans como pai numa campanha de marca de cosméticos, tem uma questão muito maior do que "o cancelamento da marca" para lidar, sua questão é com o código cultural presente, com os valores que hoje são compartilhados e moldam a perspectiva, o pensamento e o comportamento das pessoas. Seu problema é com um mundo em mudança, não com uma marca. E cada um escolhe as batalhas que quer lutar.

 #thammymiranda #natura #antropologiadoconsumo #consumoideologico #businessanthropology #naturathammymiranda #valeriabrandini #socialbranding #naturadiadospais #LGBTQ+ #inclusaosocial #diversidade

 


segunda-feira, 20 de julho de 2020

Como o coronavírus vai mudar nossas vidas - Uma outra visão


Em 13.07.20, o El País publicou a seguinte matéria: “Como o coronavírus vai mudar nossas vidas: dez tendências para o mundo pós pandemia”. Excelente matéria onde concordo com o colocado lá, porém com ressalvas. Por quê?

Acabei por lembrar do excelente livro do Alvin Toffler, “A Terceira Onda”, onde a questão do “home office” já era tradada ainda no começo da década de 80, quarenta anos atrás. Um dos problemas colocados foi que, casais que se davam bem, poderiam vir a brigar mais por conta da convivência ou, a se conhecerem mais por conta desta mesma convivência. O que é verdade. Vemos isto nos dias de hoje. O que me incomodou foi que, questões como carga horária a ser prestada, trabalho nos fins de semana, e outros problemas, não foram levados em conta. Problemas estes que se repetem/continuam nos dias atuais. A ponto da França, proibir e-mail de trabalho fora do horário do expediente, como um rápido exemplo.

Participo de grupos de discussão sobre nova governança das cidades, renda básica – moro em Maricá, onde mais de 40 mil moradores recebem uma renda em sua moeda local - e o futuro do trabalho. Não existe incoerência entre os desejos e o que a tecnologia poderá nos permitir fazer. O problema está em nossas cabeças e, em especial, na cabeça dos donos das corporações, do empresariado em geral, que no Brasil, em sua esmagadora maioria, é escravocrata.

Como lidar com pessoas que, ao menor movimento de “abertura” do isolamento, lota os shoppings, bares e deixam de promoverem festas as escondidas? Como convencer estas pessoas, onde algumas voltam a discutir se a Terra é plana, dos benefícios e das responsabilidades que, a mesma tecnologia que pode nos permitir uma vida longa, também pode nos matar? Como convencer as corporações, aliadas ao “deep state”, o estado profundo, seja de qual banda for, em não enxergar o isolamento social como possibilidade de confinamento/reclusão das populações para que não aconteçam manifestações? Como convencer ao “deep state” a não usar o chip ID2020, proposto pela ONU como um chip de identificação pessoal, em um chip de vigilância? A pandemia não gerou crise financeira, ela foi o alfinete que furou a bolha que escondia a crise. A crise é mais uma do sistema capitalista que, até hoje não resolveu a sua primeira crise, ainda no século XIX. O capitalismo sempre contorna suas crises, e atual não é exceção. O “deep state”, estuda a substituição do capitalismo financeiro, pelo capitalismo de vigilância. Mais uma mágica que não discutimos, mas eles estão.

A pandemia, não nos leva só a pensar em mudanças em nossa vida, para melhorar a nossa qualidade de vida e da manutenção do planeta. Para nós é fácil! Mas não podemos ignorar que existe um “lado negro da força”, que continuará desmatando, produzindo plásticos e derivados do petróleo até a exaustão da fonte e/ou perda de sua lucratividade. A experiencia de isolamento social, de quase metade da população, está sim, sendo estudada como possibilidade de futuras confinamentos/prisões domiciliares em massa pelos os defensores do capitalismo, dos “bonzinhos” aos perversos. O mesmo Hobsbawm citado na matéria, define bem a democracia ocidental em seu texto “As perspectivas da democracia”, publicado em seu livro “Globalização, Democracia e Terrorismo”:

 “(...) A política, por conseguinte, continuará. Como continuaremos a viver em um mundo populista, em que os governos tem que levar em conta ‘o povo’, e o povo não pode viver sem os governos, as eleições democráticas também continuarão. Hoje existe um reconhecimento praticamente universal de que elas dão legitimidade e proporcionam aos governos, paralelamente, um modo conveniente de consultar ‘o povo’ sem necessariamente assumir qualquer compromisso muito concreto. (...)”. Trocando em miúdos, capitalismo não combina com democracia.

Finalizando, defendemos em Maricá, que as tecnologias devem ser trabalhadas como ferramenta de resgate das humanidades. O momento não é de radicalização de soluções, acredito mais nas soluções híbridas, que envolvam a tecnologia e os olhos nos olhos. Pois não enxergo a possibilidade de existência de ambientes criativos com você isolado em quarto. E não devemos ignorar que existem no mundo, aqueles que pensam diferente da gente.

Certo é que a Luta continua, e continua sendo de Classe.


“Transformar em insuportável o que hoje é aceitável”
Octávio Ferraz

Há braços,

Sérgio Mesquita
Diretório Municipal PT-Maricá/RJ

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Militância Ideológica como Soberba e Manipulação: o Perigo do Esvaziamento das Causas Sociais no Mercado - Separando o Joio do Trigo



O papel do cientista junto à sociedade vem sendo, com ênfase, desde o século XX, o de denúncia acerca de padrões de comportamento, ideias e normas adotadas que causam desigualdade e ferem indivíduos e grupos em desigualdade de poder. Mas também é papel do cientista, manter um mínimo de isenção, a fim de não tornar-se ele um escravo de ideologias e perder a sua maior vocação - a capacidade crítica que lhe confere uma visão científica dos fatos. É claro que enquanto parte da sociedade, a extrema objetividade é uma ilusão. Mas é obrigação do cientista (e digo isso no lugar de fala de alguém que há 25 anos atua na ciência que mais necessita desse espaço de distanciamento posterior à imersão cultural - a antropologia) trabalhar esse distanciamento para que sua atuação na sociedade seja a de separar o joio do trigo, na apreensão e decodificação de fatos, narrativas, movimentos, ideologias, comportamentos e indicadores socioculturais.

Há 25 anos desenvolvi uma pesquisa de mestrado sobre a indústria fonográfica onde mapeei a relação entre produtores independentes e grandes gravadoras, onde diagnostiquei uma relação simbiótica onde não existem "mocinhos e bandidos", mas um movimento de apropriação cultural do mercado e expropriação de conteúdos, onde se separa o signo do significado para tornar o código cultural dos outsiders um "produto", ao ressignificar elementos culturais desterritorializados de sua origem. Parece sopa de letrinha? Mas é fácil entender: o mercado expropria o sentido original do movimento gótico e cria a tendência "gótica suave". O consumidor quer o o sentido de autenticidade do outsider para que o produto tenha uma lógica de diferenciação que atraia, mas quer o conforto e segurança de "não ter contato com os outsiders, os excluídos, os marginalizados". Fetiche da mercadoria? Mercado predatório? Apropriação cultural? Expropriação? É tão fácil dar uma solução óbvia e que veste ideologias, mas durante a pesquisa percebi que, é graças a esse sistema que muitos produtores alternativos conseguem se alavancar e que é assim que bandas, selos, produtores culturais e toda uma gama de pessoas excluídas de um sistema consegue viabilizar sua produção. Os alternativos "se relacionam" com os majors e é onde conseguem estabelecer seu valor e seu preço, sua distinção e elevam seu grupo a objeto de desejo, conseguindo levar sua mensagem e seus códigos ao Outro.

Já no doutorado, há 22 anos, minha pesquisa, realizada entre Brasil, Inglaterra e Itália teve como objetivo mapear a relação entre a indústria do vestuário e a cultura urbana dos excluídos esteticamente, onde uma vertente da moda inglesa tornou aquilo que a moda mais abominava, tendência estética em voga, como quando Alexander Mcqueen vestiu Aimée Mullins, uma atleta com as pernas amputadas como Joana D'arc num desfile e colocou uma mulher obesa nua numa caixa de vidro em outro desfile, mostrando que o mercado faz o mesmo processo de se apropriar da cultura das margens para gerar significados para as elites. Na mesma lógica do meu mestrado, mapeei, há 20 anos, o processo de apropriação de culturas excluídas e como seus indivíduos, ao mesmo tempo que tem seus conteúdos expropriados, também conseguem "dar seu preço", numa relação onde conseguem ser "vistos" e valorizados justamente naquilo que a sociedade rejeita, pois aí reside a chave da inovação e diversidade que alimentam o sistema e que a elite não consegue produzir, pois não tem o "raw", o significado gutural capaz de impactar, surpreender, diferenciar do "mais do mesmo". O sistema continua predatório, mas os excluídos, também aqui, se relacionam com o sistema e levam sua mensagem e seu "preço", o que repercute em capital de valor.

Todo esse "recitativo de currículo acadêmico chato e autorreferencial" (rs) pra dizer que, 20 anos depois vejo com grande alegria, mas sem espanto, a tendência mundial de ascensão de grupos excluídos na mídia, no mercado, no sistema e sua - necessária - exigência de respeito, de valorização, de reconhecimento à sua dignidade como indivíduos e como grupo. Há 20 anos quando falávamos sobre o racismo, a homofobia e o sexismo no mercado, éramos os loucos, os chatos, os acadêmicos que não entendem nada de como a economia funciona. Quando falávamos sobre como o preconceito é estrutural e não é compreendido mesmo pelos grupos que sofrem dele, pois é naturalizado, recebíamos pedras e deboche.

Pois bem, no momento atual, onde o mercado se apropriou das causas sociais - tema do meu último pos doc - "A Era das Causas - O Propósito como Capital de Valor" - vejo indivíduos, grupos, profissionais e marcas "comprarem a briga contra o preconceito" e isso é tão essencial, necessário e manifestação macro do processo que estudo há 25 anos, que quando observo com o distanciamento necessário para entender o que ocorre, percebo uma nova anomalia que, realmente, não sei se seria possível não ocorrer, dado que a sociologia mostra como o sapiens sempre manifesta alguns comportamentos padrão em relações de poder sendo o objeto dessas relações algo de esquerda, de direita, da elite, do periférico, no maisntream, ou no underground - Sempre haverá aquele, ou aqueles, que se apropriam da ideologia vigente e serão "mais sofredores que o próprio sujeito do sofrimento" (pensemos na Idade Média e os fiéis que se automutilavam para serem mais próximos de Deus ao reproduzirem o sofrimento de Jesus), o que é brilhantemente mencionado por George Orwell, na obra "A Revolução dos Bichos": “Os animais são todos iguais, mas uns são mais iguais do que outros". Ou que Jean Baudrillard abordou em sua "Lógica da Diferenciação", na obra "O sistema dos Objetos", onde pessoas utilizam signos e códigos culturais para se diferenciarem no mosaico social. Isso nos leva a um dos tópicos de minha pesquisa em "A Era das Causas" - a lógica da busca por diferenciação por meio de status não mudou, o sistema continua o mesmo, o que mudou foi a estrutura de significação do que é status HOJE. Se há 30 anos ter status era ter um carro caro e bonito, diferenciando-se pelo consumo de bens de luxo, atualmente, ter status atualmente é não ter carro e usar transporte alternativo, pois status hoje é consumo moral, consciente, baseado em ideologias que defendem causas sociais e a inclusão de grupos excluídos. Assim, da mesma forma como há algumas décadas pessoas buscavam diferenciação sendo "mais que as outras ao consumir luxo", pessoas hoje buscam "ser mais que as outras ao consumir ideologias, causas e ser mais inclusivos e mais militantes da inclusão do que os próprios excluídos".

A lógica da vaidade e da diferenciação social é a mesma. A diferença é que no consumo moralmente orientado por causas, a necessidade de se fazer mais militante que o Outro, apontar dedos e dizer que o Outro diz que é militante, mas não é tão militante assim, pois não apoia tal ação, não participa de tal grupo, incorreu numa fala preconceituoso, racista, ou homofóbica, é a nova marcação social de status, em nada diferente dos cristãos que se automutilavam e faziam votos de pobreza, ou dos consumidores de luxo que eram mais "trendy" do que a própria elite que tinha acesso ao luxo de exceção e assim apontava dedo ao Outro pois ele era "cafona", antiquado, ou apenas pobre.

Tudo isso pra dizer, meus amigos, que, sem nenhuma tentativa de estar expondo "verdades" (que não existem em ciências sociais), apenas tecendo um relato sobre um encadeamento lógico observado ao longo de minha vivência como pesquisadora, acredito que a função dos cientistas sociais, nesse momento, é a função que exercemos como orientadores no campo científico, orientar, não é dizer o que se tem ou não que fazer, ou expor uma verdade incontestável, mas é trazer os olhos do orientando ao caminho do Oriente, que é onde nasce o Sol, onde nasce a luz, para que ele, a sociedade, tenham maior clareza ao observar os fenômenos que ocorrem na sociedade contemporânea, sem impor ideologias que, mesmo que como pesquisadores acreditemos que são corretas, não devem ser impostas por cientistas. Nosso papel é mostrar dados, pesquisas que refletem o momento presente e, nesse contexto, expor também os desvios que mapeamos ao observar sistematicamente a realidade.

É nosso papel expor as raízes e naturalização do preconceito, as formas veladas e explícitas da discriminação étnica, social, de gênero, mas também é nosso papel expor o quanto a apropriação que pessoas, grupos e empresas estão fazendo do novo capital de status social - a militância por causas - também vem sendo utilizada como uma ferramenta de diferenciação e exclusão social, de soberba, de manipulação e causando comportamentos ferinos onde indivíduos e grupos se posicionam como instituições sociais a demonizarem pessoas que são, muitas vezes, apenas ignorantes. Nosso papel é primeiro educar, levar a luz do conhecimento, mostrar como são engendradas as vilanias sociais do preconceito e da discriminação e todo educador de verdade sabe que o processo de educação leva tempo, pois existe a necessidade de desconstruir paradigmas que fazem parte de pessoas, grupos e empresas desde sempre. Apenas apontar dedos e cobrar comportamentos de quem não entende as estruturas da desigualdade, demonizando o Outro antes de fazê-lo entender os processos sociais, não é o papel do cientista.

Assim como a produção da tendência "gótica suave" esvazia o sentido do ser gótico, do movimento gótico e do lugar de fala dos membros desse grupo, a era das causas como código de diferencial de status, esvazia o sentido que cada causa social tem para aqueles que são excluídos e sujeitos dessas causas. Nesse contexto, proponho uma atitude reflexiva sobre o momento presente das causas para que um processo necessário de equanimidade e inclusão não se transforme em ferramenta de diferenciação social, de criação de "iguais mais iguais que os outros", pois se isso ocorrer, a Era das Causas será mais uma tendência a obsolescer e seus efeitos sociais serão superficiais e inócuos.

https://brasil.elpais.com/cultura/2020-07-08/chomsky-rushdie-steinem-e-outros-150-intelectuais-reivindicam-o-direito-de-discordar-nos-eua.html
Bibliografia
BRANDINI, Valéria. Rock alternativo, do underground ao mainstream: mercado fonográfico, produção e tendências do rock nos anos 90. 1998.Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
BRANDINI, Valéria. Vestindo a rua: moda, cultura & metrópole. 2003.Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
BRANDINI, Valéria. A ERA DAS CAUSAS. O Propósito como Capital na Estética Publicitária. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
BAUDRILLARD, Jean. O sistema dos objetos. São Paulo. Editora Reflexiva. 1979
ORWELL, George. A revolução dos Bichos. São Paulo. Editora globo. 1990