sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Impressões sobre a Campus Party 2021 - Reboot the Word 2.1

 

A tecnologia moderna é capaz de realizar a produção sem emprego.

O diabo é que a economia moderna não consegue inventar

o consumo sem salário.

Hebert de Souza (Betinho)

 

Objetivos

Transmitir para as instâncias da Secretaria de Educação de Maricá um resumo das palestras assistidas durante a Campus Party, realizada entre as datas de 22 e 24 de julho do presente ano.

 Introdução

A Campus Party nasce no ano de 1998, na Espanha. De lá para cá, foram realizadas mais de 100 edições em vários países: “... a Campus Party é a maior experiência internacional baseada em inovação, pensamento disruptivo e criatividade. É o catalisador que reúne empresas visionárias, pessoas excepcionais, comunidades unidas, instituições públicas, privadas e de ensino, para formar uma única comunidade global.”[i]

Em 2008, na cidade de São Paulo, acontece a primeira edição no Brasil. Hoje acontecem edições anuais em vários Estados do Brasil e, a partir de 2020, por conta da pandemia, as edições passaram a ser virtuais. Na Edição de 2021, foram disponibilizadas 223 palestras/oficinas com os mais diversos temas, distribuídos nos três dias da Campus.

Deste universo, selecionei 22 palestras para acompanhar, de acordo com as áreas que tenho dedicado mais atenção. Abaixo, a listagem com minhas escolhas e as que realmente acompanhei:

1.      Oficina: Robótica Educacional a Distância  

2.      A revolução da educação na era da Inteligência Artificial 

3.      Empatia e transformação social na era digital 

4.      Tecnologia sem Inovação: Sociedades sem soluções 

5.      A Utilização de Ferramentas Digitais na Educação: Uma Perspectiva de Ensino Inovador 

6.      Educação do Futuro 

7.      Educação 4.0 - Descomplicando o processo de inovação 

8.      Oportunidades na Real: Como o Projeto Include by Campus Party, Jovens do Brasil e 1mio atuam 

9.      O papel da CT&I na Transformação Digital nos Municípios Brasileiros 

10.  Venha aprender Robótica com Sustentabilidade! 

11.  Infodemia, Infoxicação e Infocalipse: o excesso de informação também adoece 

12.  Liderança Humanizada 

13.  Ações e aprendizados para impacto e sustentabilidade 

14.  Imaginando ferramentas para rebootar o mundo 

15.  Acesso, inclusão e empoderamento digital em tempos de pandemia 

16.  Manifesto pelo Clima! Ativistas transformando o mundo 

17.  A rota do lixo eletrônico: Do celular quebrado à inclusão digital  

18.  Saber que somos humanos é a nossa principal proteção 

19.  O uso da Inteligência Artificial na Educação e a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados nos espaços públicos 

20.  Inovação centrada no Humano 

21.  Painel I.A e Afrofuturismo 

22.  Cidades Inteligentes consomem energia de forma inteligente 

 

Pelo exposto, fica claro que, em especial, as palestras do sábado não foram acompanhadas por mim. Havia esquecido que era aniversário do meu irmão caçula (50 e blau), e ele viria comemorar em Maricá, com nossa mãe. Eu era o churrasqueiro escalado.

  Metodologia

Para apresentação do relatório, agruparei as palestras em dois grupos distintos: Educação e Tecnologias e Humanidades, produzindo, assim, um texto com as minhas impressões, uma vez que algumas impressões ou situações foram comuns as palestras.

 Educação

Neste ponto, informalmente teremos algumas subdivisões como conjuntura, e a questão política (Estado e Educacional).

Conjuntura: o foco principal foi a pandemia e as transformações/aceleração na rotina da escola e seus impactos. O conflito de geração (em relação a afinidade com a tecnologia), a falta do treinamento e o atraso, na maioria dos casos, em relação ao uso das tecnologias internamente e no EAD. Problemas que perpassaram a esfera pública e privada, com poucas exceções em ambas as áreas. Em Santa Rita do Sapucaí, por exemplo, a Escola estadual Luiz Pinto, andou discutindo uma Escola dos Pais. Um espaço para capacitar os pais a acompanhar o aprendizado dos filhos no Ensino a Distância.

Política: Quase consenso em todas as palestras a questão da existência de uma política de sucateamento da Educação, somada a não continuidade dos projetos, o que acontece com certa constância, a cada mudança de governo. Discussão também quanto a questão pedagógica, confrontando a metodologia “bancária”, formação para o mercado e a freiriana, onde se discutiu a “ausência/retirada” das disciplinas de Humanas, na maioria dos currículos.

Educacional: Quase uma continuidade do ponto anterior, mais focado no dia a dia da escola. Situações como “professor/a x influenciador/a”; “exercícios problematizadores”; “o simples é o melhor”; “robótica com baixo custo (sucata)”; “trabalho em equipe”; “criança mais ativa”; “capacitação dos professores/as”; “incentivo a produção de artigos científicos pelos professores/as”, demonstrando os resultados dos projetos aplicados em sala; “a sala de aula não precisa ser ‘higthech’”; “priorizar o analógico nas aulas presenciais” – jogos, trabalho em grupo, gincanas...”; “portifólio x diploma”; “exercícios para resolução de problemas visíveis”, “cultura ‘maker’”, e uma infinidade de outros exemplos para aplicação nas escolas. Ações que colocadas em práticas, além de “prender” a atenção e a participação da criança, podem ajudar na diminuição do índice de evasão e ampliar o IDEB (não devem ser o foco, mas a consequência).

Uma frase me chamou a atenção e está intimamente ligada aos exemplos acima: “Darwinismo profissional”. A capacitação do/a profissional da Educação, técnica e pedagógica, será uma excelente ferramenta na luta contra automação acrítica do ensino, para a relevância do professor/a e na formação do aluno/a - na minha opinião.

Outro ponto colocado, que pode ser entendido como intrínseco com o ponto acima, está na questão da Inteligência Artificial, que veio para ficar. A discussão é como ficar! Não conhecemos 10% de nossa capacidade cerebral, temos uma leve ideia do como funciona (os 10%) e nenhuma ideia, de como seria se usássemos 20%. O fato é que estamos tentando reproduzir/transferir para a máquina, algo que desconhecemos o funcionamento, na busca de reproduzir um modelo de sociedade, no mínimo não consensual entre nós mesmos. Quais os impactos futuros, mantendo-se o modelo atual de sociedade? Possivelmente mais desemprego, fome e problemas climáticos (não só minha opinião, mas o tema foi abordado com outras palavras e/ou intensidade no evento).

Uma frase pode resumir um pouco o colocado as questões colocadas acima: “Capacitar para médio e longo prazo – o imediato não inova”. Podemos dizer que o imediato pode vir a ser um “cocô perfumado”, o Novo Normal.

 Tecnologia e humanidades

Neste agrupamento, apesar de diversidade das palestras, podemos apontar algumas ligas entre elas. Uma se destaca e praticamente perpassa por todo o conjunto. Trata-se da Empatia. Ser “empático”, não necessariamente é aceitar a ideia de fazer com os outros o que gostaria que fizessem com você ou se colocar em seu lugar. Erro primário, uma vez que o outro, não necessariamente gosta das mesmas coisas que você e sem uma contextualização profunda, dificilmente teremos condição de nos colocar no lugar de outem. Ser empático, é necessariamente escutar (dá-lhe Freire), e respeitar (pessoalmente, culturalmente, ...), o outro, entre outras ações/atitudes. A Empatia, é a liga entre a saúde, mente, bem-estar, estar em paz e uma infinidade de outras coisas, que vão te permitir ter relacionamentos pessoais e profissionais melhores. Neste ponto, identificamos algumas frases colocadas nas diversas palestras: É necessário espaço e tempo para entender o outro/a, para se conectar emocionalmente (afetividade), e cognitivamente (entender/enxergar); Inovação sem empatia é ideia vazia;  facilidade de acesso com a diversidade; Fortalece a visibilidade e trabalho de quem  merece; Influencia na direção da mudança e do bem comum; A felicidade é coletiva, não é individual; Tolerância x Intolerância, ter respeito, olhar o outro outra vez; Tecnologia como ferramenta de desenvolvimento pessoal; Ressignificar o olhar, como potencial para resolver desigualdades; Ressignificar a Inclusão, processo de mão dupla, onde o de cima deve conhecer a realidade do de baixo; Liderança não necessariamente é ser bonzinho, passa pelo respeito e justiça; Em vez de dar voz, dar local de fala.

Três pontos se destacaram, na minha opinião: Ressignificar a inclusão, a perda da identidade e a quantidade de informação disponibilizadas.

Comemoramos sempre os projetos que permitem a inclusão social, a mudança de estamento social. Mas nunca discutimos, se ao permitir que um pequeno número de pessoas mude de estamento social, qual o impacto desta mudança no imaginário das pessoas do estamento que está recebendo estes “inclusos”. É mais fácil o incluso ser assimilado pelo novo estamento, e passar a pensar como ele, do que os “originários” passarem a enxergar/entender os problemas e anseios do estamento de “baixo”. Ressignificar a inclusão, passa necessariamente por “incluir” no andar de baixo, os do andar de cima – conhecer as dificuldades. Isso feito, a empatia pode começar a mudar a cabeça daqueles que sequer enxergavam os de “baixo”, ao entenderem “como é ser pobre” – outra frase colocada.

Em relação a perda da identidade a frase “comunicação digital cria barreiras – ser humano x avatar” também bate forte. Primeiro enganam-se os que aceitam que a “rede” aproximou as pessoas. A rede facilitou a comunicação, mas o olho no olho está longe desse processo. Principalmente quando as pessoas renunciam a suas identidades para fazer parte de estereótipos, que em nada representam sua realidade. Segundo a antropóloga Valéria Brandini, quando você renuncia as suas diferenças para com o outro, para se tornar mais um de um ou vários grupos, você renuncia a sua identidade. É normal a depressão entre as pessoas que passam a viver uma “realidade” descolada da sua – ao acordar de manhã, não se reconhece no espelho devido à falta dos “filtros” digitais.

A velocidade e a quantidade de informações que temos disponíveis hoje, nos trazem problemas de ordem pessoais e políticas. Quando você passa a não ter tempo de ler tudo o que se apresenta, a consequência será a fragmentação da realidade e o possível uso criminoso da informação. Um bom exemplo do uso da tecnologia descolada das humanidades. Três termos foram adaptados devido a seriedade do assunto:

Infodemia: excesso de informações, precisas ou não, que acabam por dificultar o encontro de fontes idôneas e confiáveis (OMS)

Infoxicação: Excesso de informação digital que acaba dificultando sua “digestão” (Alfons Cornella) – você não tem tempo para entender o que está lendo.

Infocalipise: Crise de notícias falsa (Aviv Ovadya) – fragmentação da realidade

Como revertemos a questão?

 Projetos/Oficinas

Foram apresentados durante o evento alguns projetos em execução e uma oficina de Robótica.

1Mio (https://1mio.com.br/)

A iniciativa Um Milhão de Oportunidades é a maior articulação pela juventude do Brasil reunindo Nações Unidas, empresas, sociedade civil e governos para gerar um milhão de oportunidades de formação e acesso ao mundo do trabalho para adolescentes e jovens de 14 a 24 anos em situação de vulnerabilidade nos próximos dois anos. Nossos principais compromissos são:

- A garantia ao acesso à Educação de qualidade a todos os adolescentes e jovens;

- Oferta de oportunidades de trabalho decente, segundo o conceito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com foco nos mais vulneráveis;

- Oferta de oportunidades de formação para o desenvolvimento de competências para o mundo do trabalho e protagonismo juvenil;

- Ampla inclusão digital de adolescentes e jovens;

- Erradicação do trabalho infantil, trabalho escravo, trabalho precário e da discriminação de qualquer natureza.”

Números do 1Mio: mais de 10.600 oportunidades ao mundo do Trabalho, 11.300 oportunidade de acesso à Educação de qualidade, 22.800 oportunidades de formação para o mundo do Trabalho e 1000 oportunidade de conectividade e inclusão digital.

 

Laboratórios Include (https://institutocampusparty.org.br/include/)

O Include by Campus Party é um programa social que conta com parcerias para implantar ou viabilizar Laboratório de Tecnologia em comunidades de todo Brasil.

Oferecer qualificação aos jovens de 10 a 18 anos para o mercado de trabalho;

Propiciar protagonismo às comunidades na utilização da tecnologia como meio para a resolução dos seus problemas;
Identificar meninos e meninas com idade entre 10 e 18 anos com altas habilidades e encaminhá-los para escolas adequadas
.

São 50 laboratórios instalados (26 funcionando de forma híbrida durante a pandemia) e outros 50 previstos ainda este ano.

Maricá tem dois laboratórios engatilhados, em espera por conta da pandemia.

Oficina de Robótica (https://www.pje.ejrrobotica.com.br/)

EJR Robótica Educacional é uma empresa que disponibiliza produtos e serviços educacionais de Programação e Robótica.
Para atender a essa ideia de conhecimento utilitário na educação, oferecemos aulas de robótica, assessoria em tecnologias educacionais, desenvolvimento de robôs e projetos educacionais, bem como, organização de atividades e eventos
.”

PJE Nuvem é uma plataforma educacional de robótica, idealizada e desenvolvida pela EJR Robótica Educacional.
A plataforma foi inspirada no Projeto Jabuti Edu (www.jabutiedu.org), partindo de vivências com o ensino, percebeu-se a necessidade de um método diferenciado
.”

 Conclusão

Vivemos em uma sociedade baseada na “economia da escassez”, onde quanto menor a disponibilidade de um produto e/ou serviço, maior o seu valor e maior a concentração de renda. É com essa lógica dominante, que o mundo tecnológico e digital vem se construindo. Para que esse mundo continue girando, as necessidades e demandas são criadas aquém das nossas necessidades básicas e necessárias. São necessidades criadas a partir de um grande sistema de comunicação e marketing que nos isola socialmente, e nos convence ser mais importante trocar de celular, ser o “the best of the best”, do que aceitar que somos seres eminentemente sociáveis, que dependemos de uma vida em sociedade e solidária. É preciso entender que a Tecnologia pode e deve ser uma ferramenta do resgate deste sentimento humanizado e solidário. Eventos como a Campus, descortina essa “funcionalidade” que naturalmente está agregada às Tecnologias e nos é escondida.

Fica evidente que a diversidades de assuntos e seus impactos ainda não são compreendidos pela população e pela maioria dos gestores públicos ou privados, principalmente quando o assunto liga as inovações e tecnologias a questão humana.

O sistema, fruto dos conglomerados econômicos e suas elites, nos exige a individualização das nossas vidas e a falta de empatia para com o próximo, pois depende do egoísmo e de uma falsa meritocracia para seu sustento. Enquanto nós somos seres eminentemente sociais, que dependemos de uma vida em comunidade e solidária.

Eventos como a Campus Party, o Fórum Internacional de Softwares Livres, a Agenda 2030 e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, entre outros[ii], devem ser priorizados pelas gestões públicas. São eventos intersetoriais e multidisciplinares de interesses coletivos, onde os governos municipais, em especial, deveriam dar mais atenção.

Como exemplo, cito o ocorrido na HackTowm de 2019, em Santa Rita do Sapucaí-MG, onde a diretora do Colégio Elvira Brandão, escola de classe média altíssima de São Paulo, segunda a mesma, nos falou que esteve presente no HackTowm de 2018, acompanhada de sua Assessora. Não conseguiram acompanhar o evento e nem repassar/implantar o que assistiram na escola. Retornou em 2019 com todo o seu “staf” (quase 30 pessoas), que se distribuíram nas várias palestras para, depois, em São Paulo, realizarem uma reunião para definir o que encaminhariam na escola e para os alunos. Um exemplo do andar de cima, que deve ser seguido pelos gestores públicos.

O fato acima aponta para duas proposições importantes. A primeira é a não existência de ilhas, a certeza da falácia do “cada um em seu quadrado”. Não importa o assunto ou a área de governo, nada será resolvido de forma isolada. Ou todos se unem na busca de soluções comuns ou não resolveremos os problemas que nos afligem. Estaremos sempre postergando e trabalhando soluções paliativas.

A segunda é o resgate do ser humano, do ser sociável e solidário. Não existe solução tecnológica (inovação sem empatia é ideia vazia), se ela não impactar positivamente na qualidade de vida das pessoas. Qualquer outra solução nos é “imposta” como necessidade pessoal pelo sistema e tem como prioridade a acumulação financeira.

Como nos ensinou John Lennon: “Imagine todas as pessoas partilhando todo o mundo”. A Tecnologia nos permite a realização deste sonho, é uma questão de prioridade. Qual é a sua prioridade? Qual é o papel da Educação no resgate de nossas humanidades, com o apoio das tecnologias?

Há braços,

Sérgio Mesquita
Função Gratificada na
Secretaria de Educação de Maricá-RJ

“Transformar em imperdoável o que hoje é aceitável”

Delcio Teobaldo

 



[i] https://brasil.campus-party.org/a-campus-party/

[ii] Outros eventos que participei com a mesma linha de ação: HackTown de Santa Rita do Sapucaí, Hack in Rio, IV Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável, III e IV Seminário Internacional ESSE Mundo Digital, II Fórum Cidades Humanas, Inteligentes e Sustentáveis, PNUD: Curso de Territorialização e Aceleração dos Objetivos do Desenvolvimento sustentável.