A tecnologia moderna é capaz de realizar a produção sem emprego.
O diabo é que a economia moderna não consegue inventar
o consumo sem salário.
Hebert de
Souza
(Betinho)
Objetivos
Transmitir
para as instâncias da Secretaria de Educação de Maricá um resumo das palestras
assistidas durante a Campus Party, realizada entre as datas de 22 e 24 de julho
do presente ano.
A
Campus Party nasce no ano de 1998, na Espanha. De lá para cá, foram realizadas
mais de 100 edições em vários países: “... a Campus Party é a maior experiência internacional baseada em
inovação, pensamento disruptivo e criatividade. É o catalisador que reúne
empresas visionárias, pessoas excepcionais, comunidades unidas, instituições
públicas, privadas e de ensino, para formar uma única comunidade global.”[i]
Em 2008, na cidade de São Paulo, acontece a
primeira edição no Brasil. Hoje acontecem edições anuais em vários Estados do
Brasil e, a partir de 2020, por conta da pandemia, as edições passaram a ser
virtuais. Na Edição de 2021, foram disponibilizadas 223 palestras/oficinas com
os mais diversos temas, distribuídos nos três dias da Campus.
Deste universo, selecionei 22 palestras para
acompanhar, de acordo com as áreas que tenho dedicado mais atenção. Abaixo, a
listagem com minhas escolhas e as que realmente acompanhei:
1.
Oficina:
Robótica Educacional a Distância
2.
A revolução da
educação na era da Inteligência Artificial
3.
Empatia e
transformação social na era digital
4.
Tecnologia sem
Inovação: Sociedades sem soluções
5.
A Utilização
de Ferramentas Digitais na Educação: Uma Perspectiva de Ensino Inovador
6.
Educação do
Futuro
7.
Educação 4.0 -
Descomplicando o processo de inovação
8.
Oportunidades
na Real: Como o Projeto Include by Campus Party, Jovens do Brasil e 1mio
atuam
9.
O papel da
CT&I na Transformação Digital nos Municípios Brasileiros
10. Venha aprender Robótica com Sustentabilidade!
11. Infodemia, Infoxicação e Infocalipse: o
excesso de informação também adoece
12. Liderança Humanizada
13. Ações e aprendizados para impacto e
sustentabilidade
14.
Imaginando ferramentas para rebootar o mundo
15. Acesso, inclusão e empoderamento digital em tempos
de pandemia
16. Manifesto pelo Clima! Ativistas transformando o
mundo
17. A rota do lixo eletrônico: Do celular quebrado à
inclusão digital
18. Saber que somos humanos é a nossa principal
proteção
19. O uso da Inteligência Artificial na Educação e a
aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados nos espaços públicos
20. Inovação centrada no Humano
21. Painel I.A e Afrofuturismo
22. Cidades Inteligentes consomem energia de forma
inteligente
Pelo exposto,
fica claro que, em especial, as palestras do sábado não foram acompanhadas por
mim. Havia esquecido que era aniversário do meu irmão caçula (50 e blau), e ele
viria comemorar em Maricá, com nossa mãe. Eu era o churrasqueiro escalado.
Para
apresentação do relatório, agruparei as palestras em dois grupos distintos:
Educação e Tecnologias e Humanidades, produzindo, assim, um texto com as minhas
impressões, uma vez que algumas impressões ou situações foram comuns as
palestras.
Neste
ponto, informalmente teremos algumas subdivisões como conjuntura, e a questão
política (Estado e Educacional).
Conjuntura: o foco
principal foi a pandemia e as transformações/aceleração na rotina da escola e
seus impactos. O conflito de geração (em relação a afinidade com a tecnologia),
a falta do treinamento e o atraso, na maioria dos casos, em relação ao uso das
tecnologias internamente e no EAD. Problemas que perpassaram a esfera pública e
privada, com poucas exceções em ambas as áreas. Em Santa Rita do Sapucaí, por
exemplo, a Escola estadual Luiz Pinto, andou discutindo uma Escola dos Pais. Um
espaço para capacitar os pais a acompanhar o aprendizado dos filhos no Ensino a
Distância.
Política: Quase
consenso em todas as palestras a questão da existência de uma política de
sucateamento da Educação, somada a não continuidade dos projetos, o que
acontece com certa constância, a cada mudança de governo. Discussão também
quanto a questão pedagógica, confrontando a metodologia “bancária”, formação
para o mercado e a freiriana, onde se discutiu a “ausência/retirada” das
disciplinas de Humanas, na maioria dos currículos.
Educacional:
Quase uma continuidade do ponto anterior, mais focado no dia a dia da escola.
Situações como “professor/a x influenciador/a”; “exercícios problematizadores”;
“o simples é o melhor”; “robótica com baixo custo (sucata)”; “trabalho em
equipe”; “criança mais ativa”; “capacitação dos professores/as”; “incentivo a
produção de artigos científicos pelos professores/as”, demonstrando os
resultados dos projetos aplicados em sala; “a sala de aula não precisa ser
‘higthech’”; “priorizar o analógico nas aulas presenciais” – jogos, trabalho em
grupo, gincanas...”; “portifólio x diploma”; “exercícios para resolução de
problemas visíveis”, “cultura ‘maker’”, e uma infinidade de outros exemplos
para aplicação nas escolas. Ações que colocadas em práticas, além de “prender”
a atenção e a participação da criança, podem ajudar na diminuição do índice de
evasão e ampliar o IDEB (não devem ser o foco, mas a consequência).
Uma
frase me chamou a atenção e está intimamente ligada aos exemplos acima: “Darwinismo
profissional”. A capacitação do/a profissional da Educação, técnica e
pedagógica, será uma excelente ferramenta na luta contra automação acrítica do
ensino, para a relevância do professor/a e na formação do aluno/a - na minha
opinião.
Outro
ponto colocado, que pode ser entendido como intrínseco com o ponto acima, está
na questão da Inteligência Artificial, que veio para ficar. A discussão é como
ficar! Não conhecemos 10% de nossa capacidade cerebral, temos uma leve ideia do
como funciona (os 10%) e nenhuma ideia, de como seria se usássemos 20%. O fato
é que estamos tentando reproduzir/transferir para a máquina, algo que
desconhecemos o funcionamento, na busca de reproduzir um modelo de sociedade,
no mínimo não consensual entre nós mesmos. Quais os impactos futuros,
mantendo-se o modelo atual de sociedade? Possivelmente mais desemprego, fome e
problemas climáticos (não só minha opinião, mas o tema foi abordado com outras
palavras e/ou intensidade no evento).
Uma
frase pode resumir um pouco o colocado as questões colocadas acima: “Capacitar
para médio e longo prazo – o imediato não inova”. Podemos dizer que o imediato
pode vir a ser um “cocô perfumado”, o Novo Normal.
Neste
agrupamento, apesar de diversidade das palestras, podemos apontar algumas ligas
entre elas. Uma se destaca e praticamente perpassa por todo o conjunto.
Trata-se da Empatia. Ser “empático”, não necessariamente é aceitar a
ideia de fazer com os outros o que gostaria que fizessem com você ou se colocar
em seu lugar. Erro primário, uma vez que o outro, não necessariamente gosta das
mesmas coisas que você e sem uma contextualização profunda, dificilmente
teremos condição de nos colocar no lugar de outem. Ser empático, é necessariamente
escutar (dá-lhe Freire), e respeitar (pessoalmente, culturalmente, ...), o
outro, entre outras ações/atitudes. A Empatia, é a liga entre a saúde, mente, bem-estar,
estar em paz e uma infinidade de outras coisas, que vão te permitir ter relacionamentos
pessoais e profissionais melhores. Neste ponto, identificamos algumas frases
colocadas nas diversas palestras: É necessário espaço e tempo para entender o
outro/a, para se conectar emocionalmente (afetividade), e cognitivamente
(entender/enxergar); Inovação sem empatia é ideia vazia; facilidade de acesso com a diversidade;
Fortalece a visibilidade e trabalho de quem
merece; Influencia na direção da mudança e do bem comum; A felicidade é
coletiva, não é individual; Tolerância x Intolerância, ter respeito, olhar o
outro outra vez; Tecnologia como ferramenta de desenvolvimento pessoal;
Ressignificar o olhar, como potencial para resolver desigualdades;
Ressignificar a Inclusão, processo de mão dupla, onde o de cima deve conhecer a
realidade do de baixo; Liderança não necessariamente é ser bonzinho, passa pelo
respeito e justiça; Em vez de dar voz, dar local de fala.
Três
pontos se destacaram, na minha opinião: Ressignificar a inclusão, a perda da
identidade e a quantidade de informação disponibilizadas.
Comemoramos
sempre os projetos que permitem a inclusão social, a mudança de estamento
social. Mas nunca discutimos, se ao permitir que um pequeno número de pessoas
mude de estamento social, qual o impacto desta mudança no imaginário das
pessoas do estamento que está recebendo estes “inclusos”. É mais fácil o
incluso ser assimilado pelo novo estamento, e passar a pensar como ele, do que
os “originários” passarem a enxergar/entender os problemas e anseios do
estamento de “baixo”. Ressignificar a inclusão, passa necessariamente por
“incluir” no andar de baixo, os do andar de cima – conhecer as dificuldades.
Isso feito, a empatia pode começar a mudar a cabeça daqueles que sequer
enxergavam os de “baixo”, ao entenderem “como é ser pobre” – outra frase colocada.
Em
relação a perda da identidade a frase “comunicação digital cria barreiras – ser
humano x avatar” também bate forte. Primeiro enganam-se os que aceitam que a
“rede” aproximou as pessoas. A rede facilitou a comunicação, mas o olho no olho
está longe desse processo. Principalmente quando as pessoas renunciam a suas
identidades para fazer parte de estereótipos, que em nada representam sua
realidade. Segundo a antropóloga Valéria Brandini, quando você renuncia as suas
diferenças para com o outro, para se tornar mais um de um ou vários grupos, você
renuncia a sua identidade. É normal a depressão entre as pessoas que passam a
viver uma “realidade” descolada da sua – ao acordar de manhã, não se reconhece
no espelho devido à falta dos “filtros” digitais.
A
velocidade e a quantidade de informações que temos disponíveis hoje, nos trazem
problemas de ordem pessoais e políticas. Quando você passa a não ter tempo de
ler tudo o que se apresenta, a consequência será a fragmentação da realidade e
o possível uso criminoso da informação. Um bom exemplo do uso da tecnologia
descolada das humanidades. Três termos foram adaptados devido a seriedade do
assunto:
Infodemia: excesso
de informações, precisas ou não, que acabam por dificultar o encontro de fontes
idôneas e confiáveis (OMS)
Infoxicação: Excesso
de informação digital que acaba dificultando sua “digestão” (Alfons Cornella) –
você não tem tempo para entender o que está lendo.
Infocalipise: Crise de
notícias falsa (Aviv Ovadya) – fragmentação da realidade
Como
revertemos a questão?
Foram
apresentados durante o evento alguns projetos em execução e uma oficina de
Robótica.
1Mio (https://1mio.com.br/)
“A
iniciativa Um Milhão de Oportunidades é a maior articulação pela juventude do
Brasil reunindo Nações Unidas, empresas, sociedade civil e governos para gerar
um milhão de oportunidades de formação e acesso ao mundo do trabalho para
adolescentes e jovens de 14 a 24 anos em situação de vulnerabilidade nos
próximos dois anos. Nossos principais compromissos são:
- A
garantia ao acesso à Educação de qualidade a todos os adolescentes e jovens;
-
Oferta de oportunidades de trabalho decente, segundo o conceito da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), com foco nos mais vulneráveis;
-
Oferta de oportunidades de formação para o desenvolvimento de competências para
o mundo do trabalho e protagonismo juvenil;
-
Ampla inclusão digital de adolescentes e jovens;
-
Erradicação do trabalho infantil, trabalho escravo, trabalho precário e da
discriminação de qualquer natureza.”
Números
do 1Mio: mais de 10.600 oportunidades ao mundo do Trabalho, 11.300 oportunidade
de acesso à Educação de qualidade, 22.800 oportunidades de formação para o
mundo do Trabalho e 1000 oportunidade de conectividade e inclusão digital.
Laboratórios
Include (https://institutocampusparty.org.br/include/)
O Include by Campus Party é um programa
social que conta com parcerias para implantar ou viabilizar Laboratório de
Tecnologia em comunidades de todo Brasil.
Oferecer qualificação aos jovens de
10 a 18 anos para o mercado de trabalho;
Propiciar protagonismo às comunidades na
utilização da tecnologia como meio para a resolução dos seus problemas;
Identificar meninos e meninas com
idade entre 10 e 18 anos com altas habilidades e encaminhá-los para escolas
adequadas.
São 50 laboratórios instalados (26
funcionando de forma híbrida durante a pandemia) e outros 50 previstos ainda
este ano.
Maricá tem dois laboratórios engatilhados, em
espera por conta da pandemia.
Oficina
de Robótica (https://www.pje.ejrrobotica.com.br/)
“EJR Robótica Educacional é uma empresa que disponibiliza
produtos e serviços educacionais de Programação e Robótica.
Para atender a essa ideia de conhecimento
utilitário na educação, oferecemos aulas de robótica, assessoria em tecnologias
educacionais, desenvolvimento de robôs e projetos educacionais, bem como,
organização de atividades e eventos.”
“PJE Nuvem é uma plataforma educacional de robótica,
idealizada e desenvolvida pela EJR Robótica Educacional.
A plataforma foi inspirada no Projeto Jabuti Edu
(www.jabutiedu.org), partindo de vivências com o ensino, percebeu-se a
necessidade de um método diferenciado.”
Vivemos
em uma sociedade baseada na “economia da escassez”, onde quanto menor a
disponibilidade de um produto e/ou serviço, maior o seu valor e maior a
concentração de renda. É com essa lógica dominante, que o mundo tecnológico e
digital vem se construindo. Para que esse mundo continue girando, as
necessidades e demandas são criadas aquém das nossas necessidades básicas e
necessárias. São necessidades criadas a partir de um grande sistema de
comunicação e marketing que nos isola socialmente, e nos convence ser mais
importante trocar de celular, ser o “the best of the best”, do que aceitar que
somos seres eminentemente sociáveis, que dependemos de uma vida em sociedade e
solidária. É preciso entender que a Tecnologia pode e deve ser uma ferramenta
do resgate deste sentimento humanizado e solidário. Eventos como a Campus,
descortina essa “funcionalidade” que naturalmente está agregada às Tecnologias
e nos é escondida.
Fica evidente que a diversidades de assuntos e seus
impactos ainda não são compreendidos pela população e pela maioria dos gestores
públicos ou privados, principalmente quando o assunto liga as inovações e
tecnologias a questão humana.
O sistema, fruto dos conglomerados econômicos e suas
elites, nos exige a individualização das nossas vidas e a falta de empatia para
com o próximo, pois depende do egoísmo e de uma falsa meritocracia para seu
sustento. Enquanto nós somos seres eminentemente sociais, que dependemos de uma
vida em comunidade e solidária.
Eventos como a Campus Party, o Fórum Internacional
de Softwares Livres, a Agenda 2030 e os Objetivos do Desenvolvimento
Sustentável, entre outros[ii],
devem ser priorizados pelas gestões públicas. São eventos intersetoriais e
multidisciplinares de interesses coletivos, onde os governos municipais, em especial,
deveriam dar mais atenção.
Como exemplo, cito o ocorrido na HackTowm de 2019,
em Santa Rita do Sapucaí-MG, onde a diretora do Colégio Elvira Brandão, escola
de classe média altíssima de São Paulo, segunda a mesma, nos falou que esteve presente
no HackTowm de 2018, acompanhada de sua Assessora. Não conseguiram acompanhar o
evento e nem repassar/implantar o que assistiram na escola. Retornou em 2019
com todo o seu “staf” (quase 30 pessoas), que se distribuíram nas várias
palestras para, depois, em São Paulo, realizarem uma reunião para definir o que
encaminhariam na escola e para os alunos. Um exemplo do andar de cima, que deve
ser seguido pelos gestores públicos.
O fato acima aponta para duas proposições
importantes. A primeira é a não existência de ilhas, a certeza da falácia do
“cada um em seu quadrado”. Não importa o assunto ou a área de governo, nada
será resolvido de forma isolada. Ou todos se unem na busca de soluções comuns
ou não resolveremos os problemas que nos afligem. Estaremos sempre postergando
e trabalhando soluções paliativas.
A segunda é o resgate do ser humano, do ser sociável
e solidário. Não existe solução tecnológica (inovação sem empatia é ideia
vazia), se ela não impactar positivamente na qualidade de vida das pessoas.
Qualquer outra solução nos é “imposta” como necessidade pessoal pelo sistema e
tem como prioridade a acumulação financeira.
Como nos ensinou John Lennon: “Imagine todas as
pessoas partilhando todo o mundo”. A Tecnologia nos permite a realização
deste sonho, é uma questão de prioridade. Qual é a sua prioridade? Qual é o
papel da Educação no resgate de nossas humanidades, com o apoio das
tecnologias?
Há
braços,
Função Gratificada na
Secretaria de Educação de Maricá-RJ
“Transformar em imperdoável o que hoje é
aceitável”
Delcio Teobaldo
[i] https://brasil.campus-party.org/a-campus-party/
[ii]
Outros eventos que participei com a mesma linha de ação: HackTown de Santa Rita
do Sapucaí, Hack in Rio, IV Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento
Sustentável, III e IV Seminário Internacional ESSE Mundo Digital, II Fórum
Cidades Humanas, Inteligentes e Sustentáveis, PNUD: Curso de Territorialização
e Aceleração dos Objetivos do Desenvolvimento sustentável.