domingo, 6 de dezembro de 2020

INOVAR A INOVAÇÃO NO GOVERNO

 

O maior perigo em tempos de turbulência,

não é a turbulência em si, mas agir com a lógica do passado.

Peter Druker[1]

 

Início este texto com um rápido resumo de como o Capitalismo se mantém vivo ao longo de séculos.

 

Vivemos há mais de 400 anos sob o domínio do poder do capital. Neste interim, aconteceram “n” crises por conta de suas incoerências. Foram “n” crises não resolvidas, todas contornadas por novas facetas do mesmo. Primeiro capitalismo mercantil, depois o industrial, e o atual, financeiro, que ainda não se recuperou da crise de 2006 (2008 foi quando a classe média americana foi atingida). Ao longo de suas facetas e séculos, sempre se pautou a partir da escassez, para que poucos acumulassem capital.

 

Nos dias de hoje, segundo o Prof. Dr. David Sánches Rubio, da universidade de Sevilha, o mundo vem passando por quatro processos de desconstrução, iniciados antes mesmo do surgimento da COVID-19. Um processo de “Desmocratização”, onde os processos democráticos e a própria política são criminalizadas, transferindo-se para os tribunais as pendengas, sejam comerciais ou de garantias dos Direitos Sociais; um processo de “Desconstitucionalização”, onde as Constituições, as Leis e as instituições também passam pelo processo de diminuição de seus alcances e motivos de suas existências onde, o que passa a prevalecer é o direito comercial e/ou empresarial em detrimento dos direitos sociais; um processo de “Mercantilização” da vida, onde todo e qualquer bem público ou natural passa a ser precificado e privado; e o processo da “Destruição da Natureza”, a favor dos negócios e do lucro, colocado como “ecocídio”. Estes processos aceleraram muito a desigualdade no mundo e o cerceamento à liberdade. Aumentaram o “fosso” que já existia entre os mais ricos e os mais pobres, além da destruição do nosso ambiente. E mais uma vez o sistema se exime de buscar uma solução para todos e tenta se reinventar, seguindo o pensamento do príncipe Falconeri, persobagem de Giusuppe de Tomasi em seu livro Il Gatopardo (O Leopardo), “tudo deve mudar, para que tudo fique como está”.

 

Recentemente começou a ser entendida, e negada pelos defensores mais radicais do sistema, que a própria COVID-19 poderia ser uma consequência do modus operandi do capitalismo.  A ponto de alguns de seus operadores, hoje pensarem até em voltar a fazer alguma concessão ao exemplo do bom e velho “Estado de Bem Estar”. Tentam inclusive se apropriar da Agenda 2030 da ONU, colocando-se como adeptos da mesma.

 

O que isso tem a ver com inovar a inovação? Começo lembrando a citação do Peter Druker colocada acima. A lógica deve ser outra.

 

Segundo o relatório Oxfam de 2019[2], 2.153 bilionários detém a mesma riqueza que 60% da população da Terra, algo próximo a mais de 4 bilhões e 600 milhões de pessoas. E continuamos a pensar em Tríplice Hélice, e achar que inovação é aquilo que chega sem muita discussão, mas com muita perspectiva de retorno financeiro, ao mercado e a sociedade. Pergunto: qual mercado e qual sociedade?

 

Aprendi o significado do mundo VUCA[3], que em uma das suas características, a Complexidade por exemplo, é baseada no enxergar o todo, o contexto e o ambiente em que se dá o problema. Se é para abrir o campo de visão, não devemos ignorar o ambiente e o que vai mudar na vida das pessoas como um todo – o que vai impactar, e não somente para aquele quantitativo que dizem ser necessário para manter o sistema - aqueles 20% da população mundial.

 

Transformemos a Hélice Tríplice em Quíntupla: Academia, Empresa, Governo, Sociedade e Ambiente. Com certeza iremos impactar na vida de mais do que os tradicionais 20% da população. Pois se assim não for, as chances de uma nova faceta do capitalismo bater à porta, serão mais fortes: o capitalismo da vigilância, que vem sendo gestado, o novo ovo da serpente. Esse poderá vir a ser o nosso Novo Normal, pós pandemia. Que aproveitemos os ensinamentos da pandemia para revolucionar as nossas relações, sejam pessoais ou de trocas, escambo.

 

É com esse entendimento que esta Secretaria enxerga a Tecnologia e todos os seus processos, como uma das ferramentas de resgate de nossas humanidades. A Tecnologia a favor do humano e do planeta, e não a favor do acúmulo para uns pouquíssimos privilegiados.

 

A mesma tecnologia que mata, também salva; a tecnologia que permite os fakes News, também permite a horizontalização da informação e sua disseminação. Enquanto um chinês e uma russa colocaram suas almas em leilão na Internet, o sub comandante Marcos impediu o massacre do povo de Chiapas, no México, pelo exército, também usando a Internet. Hoje, ainda, quem aperta o botão do salvar ou matar, é o humano. Somos nós que usamos a Tecnologia para o bem ou para o mal.

 

A Inteligência Artificial já está entre nós, em franco desenvolvimento. O que devemos nos perguntar é qual modelo de humanidade iremos terceirizar para as máquinas? O modelo atual de exclusão e desrespeito pela vida humana e do planeta, ou um modelo, que leve em consideração o bem estar de todos e a recuperação do planeta? Pois, pelo “andar da carruagem”, quem irá passar a apertar o botão, pode não ser mais o humano.

 

Que as inovações sejam auto disruptivas, e que o governo de Maricá também seja disruptivo e busque novas formas de se relacionar com seu território e sua população. Sejamos disruptivos na forma e conteúdo, principalmente neste momento em que estamos rediscutindo nosso Plano Diretor, onde a empresa contratada nos alerta em seu Diagnóstico Técnico no Caderno 1, página 10:

 

(...)

Tal exigência incide especialmente na perspectiva de implantação dos inúmeros projetos que

compõem hoje a agenda municipal que, se por um lado, tem por objetivo diversificar e criar

oportunidades para o incremento de sua economia, de outro lado, pode surtir efeitos

indesejados, socioambientais e sobre o território, se não foram tomadas as devidas

precauções.

 

Isto significa que o patamar positivo alcançado ainda está sujeito a instabilidades e, até que se

firme, com risco de comprometer suas conquistas. Maricá se encontra em um estágio de

‘turning point’ - no momento de decisão ou da ‘virada’ -, de fazer escolhas quanto à

sustentabilidade de seu desenvolvimento, de qualificação de suas infraestruturas e de controle

sobre os impactos territoriais e urbanos de suas iniciativas. (...)

 

Estamos entrando em nosso quarto mandato, como aconteceu também com o PT e o governo nacional. A experiência nos mostra/ou que o fazer a coisa com eficiência melhora a vida da população como um todo.  Mas o fazer certo a coisa (eficiência) não é o mesmo que fazer a coisa certa (eficácia). Uma sem a outra não solidifica os fazeres nem os dá sustentabilidade, seja política, financeira ou de empoderamento, principalmente. Precisamos ser disruptivos neste ponto também. E as inovações tecnológicas estão aí para nos ajudar a ter eficiência e eficácia. Não só melhorando a vida do povo, mas o empoderando para que seja partícipe nas políticas públicas, mas que justificando as pás da Sociedade e do Ambiente na Hélice Quíntupla.

 

Há braços.

 

“Transformar em imperdoável o que hoje é aceitável”[4]

 

Sérgio Mesquita

 Secretário de Ciência, Tecnologia e Comunicações-Maricá/RJ



[1] Peter Druker (1909-2005); considerado o pai da administração/gestão moderna; maior estudioso dos efeitos da Globalização na economia e, em particular nas Organizações; https://pt.wikipedia.org/wiki/Peter_Drucker

[3] VUCA; O termo VUCA é um acrônimo das palavras inglesas Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity (volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade)

.

[4] Délcio Teobaldo; jornalista, roteirista, produtor de cinema e teatro, escritor, etino-músico e Coordenador de Projetos as Secretaria de Ciência, Tecnologia e Comunicações de Maricá-RJ