terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Cai bem um ansiolítico na redação do Estadão

"Esforço do jornal está explícito até para os menos afeitos à política: é reabilitar o inelegível para repetir na cédula de 2026", escreve Denise Assis - 1 de janeiro de 2024, 13:15h – Brasil 247

O editorial do “Estadão” – que leio por dever de ofício – nos diz que “É hora de encerrar os inquéritos contra golpistas”. Do meu canto lhes digo que ou o jornal está surdo ou prefere seguir falando para a bolha de 25% de bolsonaristas que insistem em voltar as costas para o próprio país e seus avanços internos e externos. 

No dia da posse de Luiz Inácio Lula da Silva, em primeiro de janeiro de 2023, uma data como a de hoje, o grito que surgiu na massa compacta que foi a Brasília garantir sua posse foi: “sem anistia!”. O que deixa transparecer o Estadão é a busca insana de uma “anistia” informal, calcada no argumento fajuto e de encomenda do meio militar do: “vamos virar a página”.

Já fizemos isto no passado e deu no que deu. Um país com deficiência em cultura política e acomodado quando a questão resvala para a tutela militar. Os argentinos - emocionais que são, a ponto de na revolta eleger um Milei -, agiram em sentido contrário, colocando no banco dos réus os generais que assassinaram e desapareceram com os seus presos políticos custodiados pelo Estado. Hoje têm consciência da crise que os ameaça, indo às ruas nos primeiros dias do governo eleito, para dizer não à ameaça autoritária. Sentem cheiro de ditadura à distância, porque a viraram do avesso, foram atrás dos algozes, sabem a cor que ela tem e não a querem repetir.

O esforço do jornal está explícito até para os menos afeitos à política: é reabilitar o inelegível para repetir na cédula de 2026 o enfrentamento de 2022 entre ele e Lula. Na falta de um nome que arregimente votos contra o petista – que é o que parece exclusivamente interessar ao corpo editorial –, retoma-se o candidato enxovalhado. A tal ponto que querem forçar a barra para uma mudança nas leis, passando pano para crimes que de fato são crimes, como a falsidade ideológica praticada com a falsificação dos cartões de vacina. E o que dizer do roubo das joias, que é disso que se trata. Outro crime flagrante.

Não há no horizonte o surgimento de nenhum candidato de peso na oposição, a ponto de fazer frente, por enquanto, a Lula ou a algum possível substituto, dado o trabalho de reconstrução feito pelo atual governo. Já se vê pelas pesquisas um terço do eleitorado titubeante – não o raiz – do inelegível, pular para o lado do atual presidente, apoiando as suas ações. Não dá para ignorar o menor índice de desemprego desde 2015 e tampouco um crescimento de 3%, quando as previsões dos “economistas de sempre” giravam em torno de 0,8%.

Elaborar um diagnóstico preciso a respeito desse quadro de luzes e sombras envolvendo a atuação do STF é tarefa ainda a ser realizada. Até mesmo porque os inquéritos são, todavia, sigilosos. Não se conhece toda a extensão dos ataques, tampouco o alcance das medidas tomadas pela Corte. De toda forma, há dois pontos indiscutíveis: as circunstâncias do País são outras – aquelas ameaças ao regime democrático já não existem mais – e os inquéritos criminais têm de ter prazo para acabar – não podem permanecer indefinidamente no tempo”.O que o Estadão quer é a “prescrição” do crime contra o estado democrático de direito, em cinco anos, quando a pena prevista, somados todos os elementos que a compõe beira os 20 anos. Para isto, sugerem: “Além da questão jurídica – inquéritos devem respeitar os trâmites e limites legais –, o encerramento dessas investigações tem também uma evidente dimensão social e política, que o STF não pode ignorar. Não faz bem ao País – nem ao Supremo – um permanente e extravagante protagonismo da Corte constitucional. Se houve, nos últimos anos, circunstâncias excepcionais – que felizmente o STF soube detectar a tempo –, é preciso reconhecer quando elas já não se fazem presentes”. Como assim???

O que o Estadão busca é praticar a política do inominável na pandemia: “Vão ficar chorando até quando? Chega de mimimi” ... E estávamos falando de 700 mil vidas. É como pedir a uma mãe que toque a vida e esqueça a morte do filho estudante, a caminho da escola, morto pela Polícia. Multiplique-se isto por um país inteiro quando a morte de que tratamos é a da democracia.

Medida processualmente correta, encerrar os inquéritos é um gesto que fortalece a autoridade do STF e distensiona o País. As águas devem voltar ao seu leito normal”.

Não devemos estar vivendo em um mesmo país, (eu e o Estadão) onde as redes sociais refletem ainda a animosidade residual das eleições passadas, que só vai cessar quando houver punição exemplar para os culpados do crime contra o Estado (e aí eu incluo os militares envolvidos e já indiciados).

Um país em que o golpe brando e continuado nos leva a ter o executivo sufocado de um lado, pelo avanço despudorado e imoral do presidente da Câmara e seus pares, sobre o orçamento. Do outro, pelo presidente do Banco Central que trava o crescimento. Tudo isto, resultado da tentativa de golpe orquestrada todos sabemos por quem. Não dá para as águas voltarem ao seu leito normal, quando a todo momento vimos alguém atirar pedras para fazer marolas. E, por fim, não cabe a um jornal se meter nas questões jurídicas em andamento. Tomem um ansiolítico e aguardem o veredicto.


Denise Assis

Jornalista e mestra em Comunicação pela UFJF. Trabalhou nos principais veículos, tais como: O Globo; Jornal do Brasil; Veja; Isto É e o Dia. Ex-assessora da presidência do BNDES, pesquisadora da Comissão Nacional da Verdade e CEV-Rio, autora de "Propaganda e cinema a serviço do golpe - 1962/1964, "Imaculada" e "Claudio Guerra: Matar e Queimar".


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